Um encontro com a ARA e a resistência armada à ditadura, conduzido por Raimundo Narciso, um dos seus principais responsáveis.
Estamos no final de Outubro do
ano de 1970. O ditador Salazar deixara de pertencer ao mundo dos vivos em Julho
desse ano, estava-se em plena era marcelista, que substituíra a do velho de Stª
Comba Dão, em Setembro de 1968.
As vagas esperanças de uma abertura
do regime tinham-se evaporado. A repressão continuava a abater-se sobre todos
aqueles que ousavam levantar a voz contra a ordem vigente. Os estudantes de
Coimbra tinham experimentado a dureza dessa repressão na crise académica de
Abril de 1969 que culminou no encerramento da Universidade e na perseguição e
prisão de muitos estudantes, em resposta a uma greve aos exames.
Os jovens concentravam a sua luta
num ponto que os atingia directamente: A Guerra Colonial, que já durava há mais
de 9 anos. Para além da posição de repúdio por uma política que negava o mais
elementar direito de independência aos povos das colónias, a mobilização
forçada para uma guerra injusta, com a qual discordavam, era uma ameaça real às
suas vidas. Ao cruzarem as portas dos quartéis para iniciarem o serviço militar,
nascia neles o sentimento de que as suas vidas deixavam de lhes pertencer. Os projectos
de vida quedavam-se desfeitos, o futuro tornava-se incerto, as alternativas
eram desesperantes: ou a participação na guerra colonial, com todos os seus
horrores, ou o exílio para França, sem data à vista para o regresso a casa.
É neste pano de fundo que na
noite do dia 26 de Outubro, a chata Catraia III navega cautelosamente,
protegida pela escuridão, na direcção da doca de Alcântara. No seu bojo uma
carga preciosa, o engenho explosivo que iria assinalar a primeira acção armada
da Acção Revolucionária Armada (ARA), danificando gravemente o navio de carga
Cunene, utilizado para o transporte de materiais para as colónias portuguesas,
e infligindo um rude golpe no regime, não só pelos estragos materiais causados,
mas também, e sobretudo, pelo impacto na opinião pública e pelo fortalecimento da
luta contra a criminosa Guerra Colonial.
Outras acções se seguiriam, entre
1970 e 73, todas elas tendo como alvo o aparelho repressivo e militar do regime
fascista. Pela sua importância, espectacularidade e impacto político e militar,
destacamos a sabotagem num hangar da Base Aérea de Tancos, que na madrugada do
dia 8 de Março de 1971 atingiu 28 aviões ou helicópteros, dos quais 13 foram
completamente destruídos.
Tudo isto nos foi recordado ao
vivo e na primeira pessoa, pelo principal responsável operacional da ARA,
Raimundo Narciso, numa sessão realizada no passado dia 20 de Junho, numa sala
cedida ao Atrium pela Junta de Freguesia de Carnide.
Foi uma interessante conversa na
qual o nosso convidado, com uma tocante simplicidade e um grande poder de
comunicação, nos transportou aos tempos difíceis da ditadura e da resistência e
nos relatou com grande riqueza de pormenores as acções da ARA, as dificuldades,
a repressão, os medos e a coragem daqueles que, arriscando as suas vidas, lutaram
pela liberdade através das acções armadas.
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