Na Rota do Românico o Atrium reencontrou a alegria da viagem, que culminou numa extraordinária visita à casa de Manhufe, do mestre Amadeo de Souza-Cardoso
O primeiro dia tinha chegado ao fim e rumámos até à bonita cidade de Amarante onde pernoitámos no Hotel Navarras, depois de um jantar que foi resolvido em pequenos grupos, dada a dificuldade de juntar muitas pessoas num único espaço, tudo culpa do maldito vírus que nos anda a ensarilhar a vida.
A sexta-feira amanheceu luminosa, convidando a um passeio matinal pelas margens do Tâmega antes do primeiro objectivo deste dia, a visita guiada ao Museu Amadeo de Souza-Cardoso.
Foi uma interessante visita que nos permitiu mais uma vez apreciar a obra deste genial artista, modernista por natureza, que não seguia padrões sociais nem escolas de pensamento. As suas obras continham referências a estilos tão diversos como o impressionismo, o cubismo ou o abstracionismo. Estes traços de vanguardismo marcaram o trabalho do pintor, que não receou pôr em causa toda a estética cultural vigente à época em que viveu, de tal modo que as duas exposições que apresentou ao país – uma no Porto, outra em Lisboa – representaram, para o público, um verdadeiro escândalo, culminando, no caso da primeira, em agressões físicas.
O seu percurso foi fulgurante, aos 19 anos vai para Paris e aos 25 expõe ao lado de Picasso, Van Gogh e Amedeo Modigliani (com o qual estabelece uma forte amizade), em cidades como Paris, Nova Iorque, Berlim ou Londres. Aos 26 regressa a Portugal, devido à I Guerra Mundial, morrendo de pneumónica com 30 anos. Em menos de dez anos a sua obra coloca-o num lugar de destaque na História da Arte Moderna.
À chegada à Casa de Manhufe fomos recebidos pela sua sobrinha
bisneta, Cândida de Sousa-Cardozo, e pelo seu marido, que com uma imensa gentileza,
nos conduziram nesta visita proporcionando-nos momentos inesquecíveis ao
mergulhar no universo de Amadeo.
Para além do ambiente bucólico, carregado de história e de
histórias, que rodeia a casa, destacamos a célebre cozinha da casa, eternizada
num dos mais conhecidos quadros de Amadeo, pintado em 1913.
Aqui socorremo-nos da expressiva descrição desta cozinha, que
Mário Cláudio fez no seu livro “Amadeo”: “O ocre terno do reboco, que o castanho húmido das madeiras
povoa de uma confidência temperada de seriedade, a negra crosta dos potes de
três pés, onde se confeccionam riquíssimas substâncias ora gomosas ora enxutas,
ora papudas ora rechinantes de gordura que a si mesma rapidamente se come, tudo
faz parte dessa geografia vital.”
Tivemos ainda a
oportunidade de visitar a Casa do Ribeiro, que serviu
de atelier para muitas das telas de Amadeo. E foi já com alguma pena que nos
despedimos dos nossos anfitriões, no final de uma visita que nos deixou mais
enriquecidos com o conhecimento directo de alguns aspectos da vida de um dos
nossos grandes vultos da pintura.
Tomámos então a estrada para percorrer os cerca de 20 quilómetros que nos separavam de Felgueiras, onde chegámos debaixo de uma valente chuvada e onde o grupo se dividiu para resolver o melhor possível a questão do almoço, que a hora já ia adiantada.
Após o repasto, o (re)encontro teve lugar na
Praça da República. O objectivo foi o de visitar a Casa Museu do Pão de Ló
de Margaride, onde se fabrica há mais de 300 anos aquele famoso doce
regional.
No início do século XVIII uma mulher, de nome Clara
Maria, começou o fabrico deste Pão de Ló, feito à base de ovos,
açúcar e farinha, cozido em forno de lenha em formas de barro não vidrado.
Estas formas são formadas por três tigelas, duas iguais e uma mais pequena,
sendo esta colocada invertida no centro de uma das outras tigelas formando um
cano que origina o buraco central do bolo. Uma referência especial aos fornos
de lenha, ainda em uso, construídos em 1730, ano da fundação da casa.
Foi uma visita interessante que culminou da melhor
maneira, com uma prova deste Pão de Ló e também das Cavacas, tudo acompanhado
de um cálice de vinho do Porto. A
designação de “Margaride” resulta do facto da casa estar situada na freguesia com
o mesmo nome, no centro
da atual cidade de Felgueiras.
Feitas as inevitáveis (e doces) compras pusemo-nos a caminho do nosso próximo objectivo, o Mosteiro de Santa Maria do Pombeiro. Situado no fértil Vale do Sousa, é um bom exemplo de como as comunidades monásticas procuraram as melhores terras agrícolas, onde havia abundância de água, para a sua fixação.
Considerado um dos mais
importantes mosteiros beneditinos, foi fundado cerca do ano de 1100. Como
curiosidade refira-se que em 1 de agosto de 1112, D. Teresa, mãe de D. Afonso
Henriques, concede carta de couto ao Mosteiro, tornando-o terra privilegiada
com justiça própria na pessoa do seu abade.
Uma referência ao seu
portal, um notável exemplo de escultura românica, com os capitéis de inspiração
vegetalista e de magnífica execução no granito.
E assim chegámos ao fim do segundo dia deste nosso périplo, com um jantar livre, que foi de novo realizado em pequenos grupos separados (covid oblige…).
O sábado amanheceu
chuvoso e depois dos preparativos matinais, pusemo-nos a caminho de Paços de
Ferreira, percorrendo os cerca de 35 quilómetros que nos separavam da primeira
visita deste terceiro e último dia, o Mosteiro de São Pedro de Ferreira.
A fundação do mosteiro
tem origens ainda não completamente esclarecidas, por volta de 1182, embora a
sua igreja seja muito anterior, devendo recuar ao século X como mostra a
referência que lhe é feita no testamento de Mumadona Dias, datado de 959.
O que faz desta igreja
uma obra singular, é o facto de se conjugarem desenhos arquitetónicos da
autoria de três mestres oriundos de regiões diferentes: um proveniente de
Zamora, outro de Coimbra e outro do Vale do Sousa.
A última paragem da nossa rota foi o Mosteiro de São Pedro de Cête, em Paredes também no Vale do Sousa.
A sua fundação remonta ao
século X, mais rigorosamente ao ano de 924, no entanto a sua igreja não
corresponde a épocas tão recuadas, sendo a sua construção já da época gótica,
como testemunham o arranjo da fachada, as suas dimensões e a escultura dos
capitéis e dos cachorros que apresenta, tudo apontando para o final do século
XIII.
Apenas uma referência ao
vestígio de uma pintura mural existente no interior da nave da igreja,
representando São Sebastião cravejado de setas. É considerado um dos santos
mais populares em Portugal, como por toda a Europa, durante a Idade Média,
essencialmente pelo poder anti-pestífero que lhe era atribuído (um verdadeiro
vice-almirante Gouveia e Melo dos tempos antigos…).
E aqui chegámos ao final dos três dias, em que deambulámos numa viagem, por lugares e monumentos únicos, que encerram a história das origens de Portugal.
Restava o almoço no
restaurante A Taberna do Careca, aqui em Paredes, que nos haveria de reservar
um momento aziago, com a queda da amiga Maria que resultou numa fratura que lhe
iria causar bastantes aborrecimentos durante algumas longas semanas.
Com a ajuda dos bombeiros
de Paredes lá embarcámos, com a acidentada, para o autocarro que nos iria conduzir
atá à capital.
Visita
Guiada a Amadeo de Souza Cardoso - Portugal - YouTube
1 Comments:
Descrição tão boa quanto foi a própria vista... que apenas teve um final menos bom com um pé partido....Obrigada a todos
Fernanda Moniz
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