sexta-feira, março 21, 2025

No Teatro da Trindade alertados para a noite que parece querer regressar ao país

 

Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena são os dois protagonistas de “Um país que é a noite”, espetáculo encenado por Martim Pedroso, a que assistimos no passado dia 20 de março, na Sala Estúdio do Teatro da Trindade.

A peça parte de um diálogo ficcional entre os dois poetas portugueses, horas antes de Jorge de Sena partir para o Brasil, dececionado com um país que censura os seus livros, e para fugir à perseguição da PIDE, que o acusa de ter participado no golpe da Sé, conspiração que pretendia derrubar o governo de então.

Estamos no verão de 1959 e Portugal vive em plena ditadura. Jorge de Sena (Rui Melo) encontra-se clandestinamente com a amiga Sophia de Mello Breyner Andresen (Maria João Falcão), para se despedirem, quando o encontro é interrompido por dois agentes da PIDE (João Sá Nogueira e Martim Pedroso), que procuram o poeta sem resultado.

Os dois amigos nunca mais se tornariam a ver, restando a correspondência trocada entre eles, que denuncia um país privado de liberdade, e que preenche a parte final da peça.

Nas palavras do seu encenador, Martim Pedroso, o espectáculo pretende alertar para o perigo de a liberdade poder estar em risco nos dias de hoje, e retrata um passado que pode voltar a ser presente:

…. É assumidamente um espectáculo que põe as pessoas a pensarem no momento presente, no aqui e no agora em Portugal, na Europa, na América, no mundo. Acabámos de assistir a um retrocesso ideológico com a reeleição do Trump, com a maioria do eleitorado na América. Vivenciámos, em direto, durante mais de um ano, o genocídio do povo palestiniano, a indiferença mundial por parte dos grandes grupos económicos e a consequente subjugação das grandes potências que dependem desses grupos. No ano passado, sentaram-se na nossa assembleia 50 deputados do partido da extrema-direita e, desde então, vivemos num circo de ódio e intolerância, que cresce a cada dia. Então, neste momento, parece que o mundo se reorganiza para um lado assustador que ameaça, cada vez mais, as nossas democracias, e há uma sensação clara de impotência relativamente a isso. Como artista antifascista, não consigo viver este momento da História e silenciar. (…) Acho fundamental não esquecermos o passado nem as palavras e as ideias revolucionárias que já foram pensadas antes de nós. É aí que eu sinto que tenho alguma utilidade neste métier.

Um país que é a noite” é o resultado de uma escrita colaborativa entre as escritoras Tatiana Salem Levy, Flávia Lins e Silva e o dramaturgo e encenador Martim Pedroso, e inclui excertos de poemas e de cartas de Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena.

Foi um excelente serão que nos fez pensar nos desafios que enfrentamos, nestes tempos difíceis que estamos a viver.