O Atrium nos «Desastres da Guerra» de Graça Morais
O medo tornou-se uma presença
constante no tempo em que vivemos. Já não é o medo da guerra, como nos anos 60
e 70 do século passado, quando a Guerra Colonial era um pesadelo para as
gerações dos jovens de então.
Hoje é o medo mais sofisticado, que
se entranha de mansinho nas nossas vidas e nos nossos espíritos como uma nódoa
de gordura a alastrar-se no tecido. É o medo de perder o emprego, é o medo do
aumento dos impostos, é o medo de se perder a pensão, para a qual se descontou
uma vida inteira de trabalho, é o medo do despejo pelo aumento brutal da renda,
é o medo das medidas de austeridade cada vez mais gravosas é o medo da
bancarrota e do caos financeiro, tão apregoados pelos órgãos de comunicação
social, caixas-de-ressonância do poder financeiro que comanda as nossas vidas e
o nosso futuro. E o medo é terrível! O medo paralisa os corpos e os espíritos. Ele
impede a revolta e a luta pela mudança. É a terrível ideia de que “é melhor não
mudar porque senão ainda pode ser pior…”.
É sobre estes medos que Graça Morais
propõe uma reflexão e faz uma denúncia, na exposição “Os desastres da guerra”,
que o Atrium visitou no passado dia 6 de Abril, na Fundação Arpad Szenes - Vieira
da Silva.
É dela o seguinte depoimento: «É preciso pensar o que está a acontecer! Não
posso ficar calada. Como é possível fazer uma pintura decorativa que ignore o
que está a acontecer?
As leis que são feitas, são de uma grande desumanidade e insensibilidade
social, há muitas pessoas a sofrer. Revolta-me que tantos seres humanos sejam
desprotegidos e desamparados. Não posso ficar calada! Todos estamos a sofrer
uma grande injustiça, que se reflecte no nosso dia-a-dia. É preciso ver o que
se está a passar com tanta gente desempregada, com tantos deprimidos.
As mulheres são sempre as maiores vítimas, particularmente em tempos de
crise e numa situação de grande desemprego.
São o elo mais fraco, que sofrem a violência psíquica e física. Basta ler
os jornais. Ando mesmo impressionada com o número de mulheres que se suicidam e
antes matam os filhos. Desempregadas, desesperadas e abandonadas pela
sociedade, sem perspectivas, há uma carga imensa sobre esta espécie de
«Medeias», que não querem deixar os seus filhos nesta desgraça. É uma tragédia
para a própria Humanidade e é preciso que as pessoas pensem no que está a
acontecer.»
Após a visita guiada pela própria
artista (a visita possível, dado o grande número de presenças, cerca de
duzentas pessoas), realizou-se um debate no anfiteatro da Fundação que contou
com a presença, entre outras da Graça Morais, do Viriato Soromenho-Marques e do
Adelino Gomes.
Foi numa sala a transbordar, onde não
couberam todos os que desejavam assistir, que se desenrolou uma muito
interessante reflexão sobre o tempo que vivemos, sobre a guerra de que somos
vítimas, a tal guerra insidiosa e subterrânea que veio substituir aquela outra
que Clausewitz dissecou no seu “Da Guerra”. Esta, que vem dos lados de Berlim (uma
vez mais?), é a guerra menos ética das instituições financeiras contra os povos
do mundo.
Como Soromenho-Marques afirmou, «…se
Clausewitz nos ensinou que a guerra deve ser a continuação da política, o
ministro Schäuble (o ministro das Finanças alemão), na sua declaração sobre
Portugal, recordou que a política de austeridade pode ser a continuação da
guerra por outros meios…».
Talvez esteja a aproximar-se o tempo
de reinventar a coragem!
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