O Atrium resvés por Campo de Ourique
Oito de Outubro de dois mil e dezassete. O dia acordou
soalheiro, colorindo a manhã domingueira desta nossa Lisboa, ainda meio estremunhada.
No largo em frente da Igreja do Santo Condestável o grupo de valentes
atriunistas, e amigos, prepara-se para iniciar o périplo por Campo de Ourique,
orientado pelo Albano e pelo António Marques, os coordenadores da iniciativa.
Mas comecemos esta breve crónica com uma nota cultural (fica sempre bem…) sobre o significado da expressão “resvés (ou rés-vés) Campo de Ourique”: Ela remonta a 1755 quando o tsunami causado pelo terramoto destruiu tudo à sua passagem, até à zona de Campo de Ourique, que ficou intacta. Ela é usada, desde então, para identificar uma situação em que algo (normalmente de mau) esteve quase para acontecer, mas que no limite não chegou a ocorrer, ou por outras palavras, alguma coisa que escapou por um triz.
Mas comecemos esta breve crónica com uma nota cultural (fica sempre bem…) sobre o significado da expressão “resvés (ou rés-vés) Campo de Ourique”: Ela remonta a 1755 quando o tsunami causado pelo terramoto destruiu tudo à sua passagem, até à zona de Campo de Ourique, que ficou intacta. Ela é usada, desde então, para identificar uma situação em que algo (normalmente de mau) esteve quase para acontecer, mas que no limite não chegou a ocorrer, ou por outras palavras, alguma coisa que escapou por um triz.
E foi pela igreja do Santo Condestável que se iniciou a
visita. Construída em 1951, segundo projecto do arquitecto Vasco de Morais
Palmeiro Regaleira (1897-1968), as suas linhas inspiram-se na fase final do
gótico, e caracterizam-se por uma grande simplicidade de formas. A porta
principal, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida, está ladeada por duas
esculturas representando Nossa Senhora do Carmo e S. Jorge.
A Igreja, com planta em forma de cruz latina, alberga no seu
interior as relíquias de D. Nuno Álvares Pereira, sendo de destacar os vitrais
da autoria de Almada Negreiros.
No jardim que ladeia a igreja pudemos apreciar o painel mural
de cerâmica “O Bairro”, um retrato de Campo de Ourique da autoria de Teresa
Cortez.
A nossa paragem seguinte foi o Jardim da Parada, onde
destacamos a escultura da Maria da Fonte, da autoria de Costa Motta, e onde
houve tempo para beber uma retemperadora bica.
Retomada a caminhada, relataremos os pontos de maior
interesse:
O Pátio dos Artistas, um segredo bem guardado, longe dos
olhares da maioria dos Lisboetas;
As fachadas dos edifícios da “Tentadora” e da “Concorrente”,
dois exemplos bem conservados de arte nova (um parêntesis para referir uma
curiosidade histórica, a existência de uma placa, num dos edifícios, a
assinalar o local onde explodiu, na madrugada de 4 de Outubro de 1910, a
primeira granada disparada do “Heróico Regimento de Artilharia 1”);
A visita guiada à igreja Alemã Católica de Lisboa (antiga Igreja
de Nossa Senhora das Dores) e ao Cemitério Alemão, ambos na Rua do Patrocínio.
A história do cemitério remonta a 1821, quando um abastado comerciante alemão,
Nicolaus Schlick, doou à comunidade evangélica alemã, este terreno com cerca de
3.000 metros quadrados;
O Chafariz da Fonte Santa, na Rua Possidónio da Silva. O seu
nome deriva das propriedades milagrosas que eram atribuídas às suas águas que,
ao contrário das restantes bicas de Lisboa, não provinham do fornecimento da
EPAL nem do Aqueduto das Águas Livres, mas sim de um lençol freático. A Fonte
foi desenhada por Roque Gameiro e está ligada à acção de caridade vicentina de
alguns devotos que preparavam e distribuíam refeições aos pobres e presos da
zona;
O Geomonumento, na Rua Sampaio Bruno, datado do Miocénico
Inferior que terá uma idade compreendida entre 21 e 23 milhões de anos. Este
afloramento de calcário com fósseis de invertebrados marinhos, testemunha que
há cerca de 20 milhões de anos existia aqui um mar litoral, de pequena
profundidade, com águas tépidas e muito límpidas, favorável ao desenvolvimento
de um ambiente recifal;
O quarteirão da Rua Almeida e Sousa, com características
arquitectónicas interessantes (aqui mais um parêntesis para referir a
existência no nº 63 desta rua, uma placa em memória de Bento de Jesus Caraça,
aqui falecido em Junho de 1948);
O Pátio das Barracas, na rua de Infantaria 16, onde uma
placa assinala que ali viveu o futebolista do S.L.B., Francisco Calado (1927 -
2005);
E chegou a hora do almoço, que se realizou nas instalações
da velhinha Padaria do Povo, que comemorou os 113 anos no passado dia 17 de
Outubro. Nascida em 1904, por proposta do Rei D. Carlos, tinha por missão
fabricar pão mais barato para as freguesias de Santa Isabel e Campolide. A
partir de 1919 funcionou aqui a Universidade Popular Portuguesa, fundada por
António Ferreira de Macedo e Bento de Jesus Caraça. Pelo seu valor histórico
reproduzimos aqui parte do folheto de apresentação da UPP: “A UPP é uma
instituição particular de caracter associativo, exclusivamente consagrada à
educação, e portanto rigorosamente alheia a toda a espécie de política
partidária, questão religiosa ou especulação mercantil.
São convidadas todas as pessoas que compreendam o alto fim
moral e educativo e os processos modernos de acção desta nova instituição, a
inscreverem-se como sócios.”
E para ajudar a digestão do lauto almoço, nada melhor do que
uns pezinhos de dança, e foi exactamente o que sucedeu no salão de dança da
Padaria do Povo, que foi literalmente invadido pelo talento rodopiante das
dançarinas e dos dançarinos do Atrium.
Encerrado o momento artístico, a visita prosseguiu, o
próximo objectivo foi o Cemitério dos Ingleses. É o mais antigo de Lisboa,
tendo sido o espaço concedido aos súbditos britânicos de Lisboa em 1771, por
efeito do Tratado de 1655. A sua exuberância de vegetação transforma-o num
verdadeiro parque. Uma referência ao túmulo mais famoso de Henry Fielding
(1707-1754) considerado o fundador do romance realista inglês e autor de Tom
Jones, escrito em 1749, e também ao talhão onde se podem ver algumas campas de
combatentes da Commonwealth, mortos durante a II Guerra Mundial.
Em termos históricos, recorde-se que os protestantes só
ganharam direito a exercer a sua religião livremente em solo português, depois
de 1640, mas mesmo assim, a hostilidade religiosa manteve-se para além desta
data, e para garantir que as campas dos "hereges" ficassem longe da
vista dos “bons católicos”, foi imposta a construção de um muro alto, reforçado
com uma fileira de ciprestes.
No seu interior situa-se a igreja de S. Jorge, junto à qual
pudemos apreciar um extraordinário dragoeiro centenário.
O último local da visita foi a igreja de Santa Isabel, mandada
construir em 1742 pelo primeiro cardeal-patriarca de Lisboa, D. Tomás de
Almeida, que é considerada um imóvel de elevado valor histórico e
arquitetónico.
A decoração do seu teto está associada a uma história
singular, que não resistimos a contar, resumidamente: O cinzento-escuro que o
decorava, emprestava ao ambiente um ar pesado pelo que, no âmbito de umas obras
de restauro em 2009, o pároco responsável decidiu alterá-lo. Através de uma
série de coincidências e de conhecimentos pessoais, é contactado o artista
plástico, suíço-americano Michael Biberstein que aceitou o projecto,
apresentando a sua proposta numa maqueta em 2010. Ela consistia em transformar
o teto de 800 metros quadrados, num amplo céu iluminado de tons de branco, azul
e de um suave verde. Explicava ele que a Igreja de Santa Isabel era "como
uma pedra preciosa guardada dentro de uma caixa escura com uma sombria tampa
cinzenta".
Mas a história teve um final triste, Michael vem a falecer
em 2013, antes de iniciar a obra que projetara, e que seria concretizada mais
tarde por outros pintores, sendo inaugurada em Julho de 2016.
E assim concluímos o nosso resvés por Campo de Ourique, um dia
enriquecedor, onde percorremos esta “aldeia de Lisboa”, como tão bem a definiu
José Eduardo de Carvalho no seu livro intitulado precisamente “Campo de Ourique
– A aldeia de Lisboa”, publicado em 2015.
1 Comments:
Excelente reportagem e excelente passeata para conhecer um pouco mais de Campo de Ourique.
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