25 Abril 74 - as memórias do Zé Carlos
O dia
25 de Abril de 1974 começou muito cedo para mim. Pouco depois da meia-noite um
telefonema tirou-me da cama com uma frase curta: “Costa Pereira, o dia é hoje.
Arranca já para o quartel!”.
A mensagem não me surpreendeu, pois como alferes miliciano colocado no quartel do GCTA (Grupo de Companhias de Trem Auto), integrava um movimento de oficiais milicianos que em reuniões clandestinas, com representantes de todas as regiões militares, acompanhava, embora separadamente, os preparativos para o golpe militar que estavam a ser desenvolvidos pelos oficiais do quadro.
A nossa missão no GCTA, um quartel não operacional mas importante no que respeita a meios de transporte, era não permitir que fosse dado qualquer apoio logístico a tropas fiéis ao regime. Assim passámos o dia a vigiar os movimentos do comandante e do segundo-comandante ao mesmo tempo que, via rádio, íamos escutando as comunicações militares e acompanhando o desenrolar das operações.
Houve uma situação nesse dia que retrata bem o ambiente que se vivia na altura, ainda com algum medo, muitas incertezas e algumas reviravoltas de última hora.
Ao fim da tarde, animados com as notícias que iam chegando, eu e um camarada, o alferes Figueiredo, lembrámo-nos que na secretaria do quartel existiam as fichas dos pides, com identificação e morada, uma vez que os membros das forças militares e militarizadas tiravam ali no GCTA a carta de condução. Fomos ao chaveiro sacar as chaves e fotocopiámos essas fichas, enviando-as por um estafeta para a Cova da Moura, já ocupada pelo MFA.
Passado algum tempo, fomos chamados ao gabinete do comandante, alguém tinha bufado, e ameaçados com prisão por violação de instalações, sonegação de informação, etc. etc.. Claro que não nos preocupámos muito pois estávamos confiantes que o golpe iria triunfar, o que se veio a verificar.
Ironicamente, no final da noite, numa reunião de oficiais o comandante, agora mais mansinho, além de nos procurar convencer do seu amor indefectível pelos ideais democráticos, achou por bem apresentar as desculpas públicas ao sucedido comigo e com o Figueiredo, alegando o seu nervosismo na altura, fruto da situação, e contando umas histórias, meio tolas, para mostrar que ele também não gostava da PIDE… Claro que ele e o segundo-comandante passada uma semana já estavam nas suas casas, devidamente saneados.
O resto do dia decorreu sem incidentes de maior, até ao momento em que, já na madrugada do dia 26, na RTP é apresentada a Junta de Salvação Nacional e é indicado como seu presidente o Spínola, contrariando o anteriormente acordado com o MFA, que escolhera Costa Gomes para essas funções.
Houve um certo reboliço na sala de oficiais, com uns tipos mais excitados a dizerem-se atraiçoados e a quererem logo marchar para a Cova da Moura, a pedir explicações, mas que foram prontamente acalmados por outros que asseguravam: “deixem lá que o tipo não vai estar lá por muito tempo…”, o que veio de facto a acontecer.
E lá recolhemos às casernas para tentar dormir um bocado, o que se mostrou difícil pois fomos massacrados por alguns telefonemas anónimos, com ameaças de bombas nas instalações do quartel, que nunca se confirmaram, mas que nos puseram os nervos em franja – era esse afinal o seu objectivo.
E seguiram-se alguns dias agitados e noites mal dormidas, vivendo acontecimentos e situações complicadas, fruto do momento revolucionário então existente, e que dariam para encher muitas páginas de texto.
Para concluir, direi que este foi um dia único na minha vida, dos mais felizes, pelo momento histórico que tive o privilégio de viver por dentro, e por sentir que tínhamos conseguido concretizar a aspiração de muitas gerações de portugueses que, durante longos anos, sofreram e lutaram pela Liberdade do nosso Povo.
José Carlos, em 25 de Abril 2020
A mensagem não me surpreendeu, pois como alferes miliciano colocado no quartel do GCTA (Grupo de Companhias de Trem Auto), integrava um movimento de oficiais milicianos que em reuniões clandestinas, com representantes de todas as regiões militares, acompanhava, embora separadamente, os preparativos para o golpe militar que estavam a ser desenvolvidos pelos oficiais do quadro.
A nossa missão no GCTA, um quartel não operacional mas importante no que respeita a meios de transporte, era não permitir que fosse dado qualquer apoio logístico a tropas fiéis ao regime. Assim passámos o dia a vigiar os movimentos do comandante e do segundo-comandante ao mesmo tempo que, via rádio, íamos escutando as comunicações militares e acompanhando o desenrolar das operações.
Houve uma situação nesse dia que retrata bem o ambiente que se vivia na altura, ainda com algum medo, muitas incertezas e algumas reviravoltas de última hora.
Ao fim da tarde, animados com as notícias que iam chegando, eu e um camarada, o alferes Figueiredo, lembrámo-nos que na secretaria do quartel existiam as fichas dos pides, com identificação e morada, uma vez que os membros das forças militares e militarizadas tiravam ali no GCTA a carta de condução. Fomos ao chaveiro sacar as chaves e fotocopiámos essas fichas, enviando-as por um estafeta para a Cova da Moura, já ocupada pelo MFA.
Passado algum tempo, fomos chamados ao gabinete do comandante, alguém tinha bufado, e ameaçados com prisão por violação de instalações, sonegação de informação, etc. etc.. Claro que não nos preocupámos muito pois estávamos confiantes que o golpe iria triunfar, o que se veio a verificar.
Ironicamente, no final da noite, numa reunião de oficiais o comandante, agora mais mansinho, além de nos procurar convencer do seu amor indefectível pelos ideais democráticos, achou por bem apresentar as desculpas públicas ao sucedido comigo e com o Figueiredo, alegando o seu nervosismo na altura, fruto da situação, e contando umas histórias, meio tolas, para mostrar que ele também não gostava da PIDE… Claro que ele e o segundo-comandante passada uma semana já estavam nas suas casas, devidamente saneados.
O resto do dia decorreu sem incidentes de maior, até ao momento em que, já na madrugada do dia 26, na RTP é apresentada a Junta de Salvação Nacional e é indicado como seu presidente o Spínola, contrariando o anteriormente acordado com o MFA, que escolhera Costa Gomes para essas funções.
Houve um certo reboliço na sala de oficiais, com uns tipos mais excitados a dizerem-se atraiçoados e a quererem logo marchar para a Cova da Moura, a pedir explicações, mas que foram prontamente acalmados por outros que asseguravam: “deixem lá que o tipo não vai estar lá por muito tempo…”, o que veio de facto a acontecer.
E lá recolhemos às casernas para tentar dormir um bocado, o que se mostrou difícil pois fomos massacrados por alguns telefonemas anónimos, com ameaças de bombas nas instalações do quartel, que nunca se confirmaram, mas que nos puseram os nervos em franja – era esse afinal o seu objectivo.
E seguiram-se alguns dias agitados e noites mal dormidas, vivendo acontecimentos e situações complicadas, fruto do momento revolucionário então existente, e que dariam para encher muitas páginas de texto.
Para concluir, direi que este foi um dia único na minha vida, dos mais felizes, pelo momento histórico que tive o privilégio de viver por dentro, e por sentir que tínhamos conseguido concretizar a aspiração de muitas gerações de portugueses que, durante longos anos, sofreram e lutaram pela Liberdade do nosso Povo.
José Carlos, em 25 de Abril 2020
8 Comments:
Experiências únicas que nos acompanham pela vida fora.
Beijinhos ❤️
Que ar tão sério ... mas a farda ficava-te bem !!!
Depoimento interessante. Foram dias em que se fez história. Através destes depoimentos ficamos com um melhor conhecimento de como foram vividos aqueles dias.
Abrço p/ o cam Irmão
Albano
Olha o nosso alferes tão arranjadinho e aprumadinho.
Uma experiencia vivida na primeira pessoa que expressa todo o sentimento de esperança que reinava no pais e dentro das forças armadas.
Tempos inesquecíveis, que nos marcaram profundamente.
Abraço
Que jeitoso que tu eras!
Muito bem. Belas memórias!
Abraço,
Lena
Não sabia que estavas integrado no exército aquando do 25 de abril 74. Gostei de conhecer as tuas memórias.
Abraço,
Tens o privilégio de ter nas tuas mãos a LIBERDADE de 25 DE ABRIL DE 1974
“Com as mãos se faz a paz se faz a guerra
Com as mãos tudo se faz e se desfaz.
Com as mãos se faz o poema – e são de terra
Com as mãos se faz a guerra – e são de paz
...
E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
...
de mãos é cada flor cada cidade
Ninguém pode vencer estas espadas
Nas TUAS mãos começa a liberdade
(Manual Alegre)
A recordar o BLOGUE NÃO PODE PARAR
E assim viveste de dentro a evolução da revolução. Sentiste-te importante e sentes ainda a importância do dia (como todos nós).
25 de Abril sempre
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