O Atrium revisitou Fernando Pessoa no Teatro da Barraca
As luzes apagam-se. As personagens emergem da
escuridão lentamente, são elas Dionísia e Fernando, a avó e o seu neto.
Dionísia de Seabra Pessoa é a avó paterna “louca”
de Fernando Pessoa, que morre a 6 de Setembro de 1907, tinha então o poeta 19
anos. Parece não haver dúvida que a lembrança da avó Dionísia acompanhou Fernando
Pessoa pela vida fora, atormentando-o ao ponto de a questão da loucura ser uma
presença constante em grande parte da sua obra.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é um homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
A procura de um sentido para a vida, a ânsia de
aprofundar o conhecimento do seu “eu” e de desvendar os mistérios do Universo,
aliadas à sua extraordinária inteligência, levaram Pessoa a uma constante perturbação,
que se reflectia até na sua saúde física.
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode
haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas
certezas!
Iniciou-se nas ciências ocultas, na Cabala, na
Alquimia, militou na Maçonaria, nos Templários, viveu as práticas exotéricas da
Fraternidade Rosa-Cruz e as experiências mediúnicas, dedicou-se profundamente à
Astrologia.
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.
Nesta peça “Menino de sua Avó”, com um belo texto
da autoria de Armando Nascimento Rosa, a que fomos assistir no passado dia 19
de Abril, há o encontro mágico entre o poeta e a avó Dionísia, em vida e mesmo
após as suas mortes, num ambiente pessoano, irreal, fantástico onde a loucura dá
o braço à genialidade de Fernando Pessoa. O resultado é um espectáculo de
grande qualidade, que nos prendeu do princípio ao fim, apesar da sua apreciável
extensão. Para concluir, vamos dar mais uma vez a voz ao poeta:
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar-entre,
Este quase,
Este pode ser que…,
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem, manicómio,…
Uma última
nota para a situação difícil que atravessa A Barraca, fruto da política
criminosa de um governo que só dispõe de dinheiro para financiar os bancos
deixando completamente ao abandono a criação artística, e que está expressa
dramaticamente no texto da Maria do Céu Guerra, intitulado “Não sei se este é o
meu último espectáculo”, que integra o programa que acompanha a apresentação da
peça.
Daqui
fazemos o nosso apelo para que cada um, dentro das suas possibilidades, lute
pela defesa do nosso património artístico e em particular neste caso, pela
sobrevivência do teatro em Portugal.
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