De como o Cante se sagrou Património Imaterial de Carnide
Naquela tarde de sábado, soalheira e fria, numa sala repleta
da JF de Carnide, viveu-se o Alentejo, através da palavra, da imagem e
sobretudo do seu Cante, que nos foi trazido pelos Ganhões de Castro Verde.
O dia começou à mesa do restaurante Galito, num almoço preenchido
com a boa comida alentejana, que naturalmente conduziu a um animado convívio
com os companheiros de Castro Verde, que foi inevitavelmente finalizado com o
Cante entoado pelos Ganhões, logo acompanhados por todos os presentes.
A segunda parte desta iniciativa do Atrium, destinada a
assinalar a consagração do Cante como Património Imaterial da Humanidade, decorreu
nas instalações da Junta de Freguesia de Carnide.
Foi uma tarde única em que o Cante, esta expressão musical da
cultura do Alentejo, juntou mais de uma centena de pessoas que, durante algumas
horas, viveram e sentiram a força e a magia deste cantar colectivo (…um
alentejano nunca canta sozinho, escreveu um dia Saramago), que nasceu da necessidade
de aliviar o esforço do trabalho nos campos, dando ânimo para suportar a dureza
da vida.
Ao final da tarde, nas tabernas e entre umas rodadas de
tinto, criava-se o ambiente ideal para que as gargantas, cansadas da azáfama do
dia, se libertassem nos versos das modas entoadas em uníssono. Era esta a vida
do Cante.
Quanto à sua origem, os estudiosos apontam três hipóteses
como as mais prováveis, embora não exista uma explicação definitiva, por
insuficiência de informação histórica. Uma aponta a sua origem no canto
gregoriano, outra explica a sua proveniência na herança da presença árabe no
Sul de Portugal e uma terceira considera-o genuinamente português e alentejano,
relacionado intimamente com o trabalho agrícola.
Durante a sessão houve a oportunidade de apreciar alguns
filmes, sendo de destacar o documentário de Sérgio Tréfaut, que integrou a
candidatura do Cante junto da UNESCO e também aquele que retrata o trabalho
feito com os jovens nas escolas, pela sua importância na transmissão desta
tradição musical às gerações mais novas, única forma de garantir o seu futuro.
Nos intervalos dos filmes e das modas cantadas pelos Ganhões
de Castro Verde, registaram-se diversas intervenções da assistência e dos
nossos convidados, nas quais foram abordadas algumas questões relativas ao
Cante. Pela sua importância, referimos aquela que se prende com o papel da
mulher nesta expressão artística.
Na sua origem, o Cante estando ligado às lides do campo, no
qual homens e mulheres trabalhavam lado a lado, é uma prática mista. Com o fim
da economia tradicional agrícola, ele passa do campo para as tabernas, e a
mulher fica naturalmente mais afastada. É por isso que os primeiros grupos
corais, que surgem a partir dos anos 30, são predominantemente masculinos.
Só na década de 70, mais acentuadamente depois de 1974, as
mulheres voltam a ocupar o seu lugar no Cante, existindo já hoje diversos
grupos corais femininos e mistos.
No final da sessão aconteceu o Cante na sua função de
expressão musical colectiva e identitária. Num imenso coro, que juntou os
nossos convidados, os alentejanos presentes e também os não alentejanos, cantaram-se
as modas que são, muito justamente, património da humanidade, facto que hoje
foi aqui assinalado.
À saída, nos nossos ouvidos, ainda ecoava a sentida
declaração de amor, à bela ceifeira alentejana…
Ceifeira!
Ceifeira, linda ceifeira!
Eu hei-de,
Eu hei-de casar contigo!
Lá nos campos, secos campos,
Lá nos campos, secos campos.
À calma
À calma ceifando o trigo,
Pela força do calor!
Ceifeira!
Ceifeira, linda ceifeira
Ceifeira, linda ceifeira
Hás-de ser o meu amor!
Resta um agradecimento especial do Atrium, aos membros dos
Ganhões de Castro Verde, ao vereador da Cultura da C.M. de Castro Verde, Paulo
Nascimento e ao Miguel Rego, nosso amigo de longa data, pela disponibilidade e
pelo empenho, que tornaram possível a realização desta interessante iniciativa.
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