E quarenta anos e alguns meses depois, regressámos ao histórico Largo do Carmo…
Os gritos ensurdecedores da multidão que se acotovelava no
largo (Fascismo nunca mais! … Assassino!… Liberdade!...) chegavam através dos
vidros das janelas fechadas, até à sala do 1º andar do Quartel da GNR do Carmo,
onde sua Excelência, o Presidente do Conselho de Ministros, se tinha refugiado na
sequência das movimentações militares, registadas pelos seus eficientes serviços
de informações. A escolha do refúgio não podia ter sido melhor… A capacidade
defensiva do quartel era mínima, as hipóteses de escapar eram inexistentes.
Numa sala à parte, separado dos seus ministros que o tinham
acompanhado na retirada, Marcello Caetano encontrava-se, como sempre tinha
estado nos seus últimos tempos, dramaticamente só. E foi assim que ouviu as
rajadas de metralhadora disparadas pelas tropas da EPC, sob as ordens de
Salgueiro Maia.
Alguns projécteis foram-se alojar, por efeito de ricochete,
numa poltrona da sala da biblioteca e nalguns livros que estavam nos armários.
Marcello percebeu que a batalha estava perdida e aceita dialogar com os que o
cercavam para tentar garantir a sua segurança física. Era a única coisa que lhe
restava… A chaimite Bula começara já a aquecer os motores…
O resto da história é do conhecimento de todos. O poder
passaria, pelo menos formal e temporariamente, para o velho general do
monóculo, que ainda tentou deter os ventos que sopravam, mas acabou, ele também,
numa aflita e atrapalhada retirada para a vizinha Espanha, que vivia ainda os
últimos tempos da tenebrosa era franquista, a bordo de um helicóptero da Força
Aérea Portuguesa.
E foi então que, no passado sábado,
18 de Outubro, o Atrium rumou manhã cedo até ao Largo do Carmo. O objectivo era
o Núcleo Museológico da GNR, existente no histórico Quartel do Carmo. À nossa
espera estava o capitão Tiago Lopes, que nos acompanhou durante toda a visita.
De referir que o nosso companheiro José Cid, coautor do projecto do Núcleo de
parceria com o seu primo Jorge Cid, também esteve presente, o que permitiu um
enriquecimento da visita, com informações sobre a génese do projecto, a sua
evolução e os seus condicionalismos.
O espaço museológico está organizado
de um modo interessante, mostrando a evolução desta instituição através do
tempo, desde os seus “antepassados”, os Quadrilheiros, passando pela Guarda
Municipal até chegar à actual Guarda Nacional Republicana. As suas diversas
missões também estão representadas, a vigilância de fronteiras, o controlo de
veículos e mercadorias, a investigação laboratorial, etc. Apesar do ambiente
atraente e da simpatia do Cap. Tiago Lopes, alguns de nós não conseguiram
evitar que ao seu pensamento viessem as recordações da repressão exercida por
esta instituição sobre os trabalhadores e a população em geral, nos tempos
negros da ditadura. A imagem de Catarina Eufémia, assassinada por um soldado da
GNR, por momentos projectou-se nas vitrinas, frente aos nossos olhos.
Mas, sem branquear a história nem
esquecer o passado, “esta” GNR do Cap. Tiago não é de facto a mesma que a
“outra”, a que constituía o aparelho repressivo no qual assentava a ditadura, que
aqui terminou os seus dias, simbolicamente encurralada no bojo de uma chaimite,
em 25 de Abril de 1974.
Tivemos também a oportunidade de
conhecer as salas onde se desenrolaram os factos mais relevantes daquele dia,
inteiro e limpo, na bela imagem da Sophia, bem como visitar a varanda existente
nas traseiras do quartel, na qual se desfruta uma vista esplêndida sobre a
cidade de Lisboa.
Ao sair para o Largo do Carmo, a
calma era perfeita, grupos de turistas deliciavam-se com a luz acolhedora da
cidade, uns tirando as habituais fotos, outros sentados nas esplanadas bebendo
refrescos. Já nada restava da multidão que gritava por Liberdade nem dos jovens
soldados que a custo a continham no passeio fronteiriço ao quartel. A fita do
tempo inexoravelmente tinha seguido o seu curso, e alguns dos sonhos que então aqui
tinham nascido, nas gargantas dos populares, desfizeram-se como castelos de
areia.
Mas não vamos estragar esta crónica
com pessimismos exagerados. Nem tudo se perdeu e, apesar de tudo, valeu a pena!
E que diabo, não podemos desistir. Há por aí ainda muitos outros Largos do
Carmo para construir…
Para alguns dos visitantes, a manhã
soalheira terminou da melhor maneira: na histórica Cervejaria Trindade, em
amena cavaqueira, frente ao clássico bife com ovo a cavalo.
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