Do centenário do nascimento de Álvaro Cunhal ao Quartel de Campo de Ourique
Num sábado soalheiro, que convidava ao passeio pela nossa luminosa
Lisboa, começámos o dia numa esplanada do renovado Terreiro do Paço (quando
mudam a toponímia oficial de uma desinteressante Praça do Comércio, que já
ninguém usa?), com vista para o Tejo que, parafraseando o poeta Pessoa, é o mais belo rio que corre pela minha
aldeia…
A primeira visita foi ao Pátio da Galé, espaço inaugurado em
Fevereiro de 2011 que ocupa a área onde se situavam o Paço Real e a Casa da
Índia. Aqui tivemos a oportunidade de efectuar uma visita guiada à exposição
comemorativa do Centenário do Nascimento de Álvaro Cunhal.
Independente das questões partidárias, Álvaro Cunhal foi uma
figura marcante na história recente de Portugal, e um lutador de grande
coerência e coragem pelos valores da emancipação social, pela defesa dos
trabalhadores e das classes mais desfavorecidas. Foi também um destacado
intelectual e um brilhante artista nas letras e nas artes plásticas.
Tudo isto está profusamente documentado nesta exposição, que
constitui, mais do que a história de uma vida de luta do dirigente partidária,
um olhar sobre os últimos cem anos da nossa vida colectiva, desde o fim da I
República, passando pelo período negro da ditadura e desembocando no dia inicial inteiro e limpo, nas belas
palavras de Sophia.
E como é tão importante, sobretudo nestes tempos difíceis em
que vivemos, ter memória do nosso passado recente. Recordar de onde partimos,
por onde passámos e perceber como chegámos até aqui. Talvez isso ajude a
encontrar o rumo certo que nos faça novamente emergir da noite e do silêncio.
Da parte da tarde os nossos passos levaram-nos até ao popular
bairro de Campo de Ourique, mais precisamente ao Quartel de Campo de Ourique,
hoje Escola do Serviço de Saúde Militar desde 1979, mas que já foi Regimento de
Minas do Conde do Prado (1763), Regimento 4 de Infantaria (1803), Regimento de
Infantaria 16 (1831), e Batalhão de Sapadores de Caminhos-de-Ferro (1917).
Construído no âmbito da reorganização do Exército, levada a
cabo pelo Conde de Lippe, enviado pelo rei de Inglaterra, Jorge II, em resposta
a um pedido do Marquês de Pombal, é um dos poucos quartéis existentes que foram
propositadamente edificados para aquartelamento militar. Hoje constitui um
valioso património histórico, arquitectónico e artístico, infelizmente pouco
conhecido pela população, que é preciso defender de possíveis negociatas imobiliárias,
tão frequentes nos nossos dias.
O conde de Lippe, militar formado na Escola Prussiana, chega
a Portugal em 1762, com 38 anos, e embora fosse Alemão de nascimento, possuía
uma elevada reputação militar e gozava de grande estima, até porque era membro
da família real Inglesa. Era maçon de rito alemão e o seu papel na dinamização
da Maçonaria portuguesa foi relevante.
A visita por nós efectuada, guiada pelo Capitão Pereira, que
nos acolheu com grande disponibilidade e simpatia, incluiu o almoço na messe do
aquartelamento. Destacamos pelo seu interesse histórico e valor artístico, a parada do conde de Lippe, com
uma típica calçada à portuguesa, onde se destacam elementos decorativos
maçónicos (recorde-se a ligação do conde de Lippe à Maçonaria) bem como
símbolos e divisas militares. Ao longo da parada estão situadas as antigas
casernas, cujas fachadas estão decoradas com azulejos pombalinos. Também de inegável interesse cultural é
a biblioteca pombalina, um
espaço dedicado à cultura, com objectivos estritamente militares, que se inseria
no projecto de alfabetização consagrado pelo Conde de Lippe, traduzido num famoso
decreto que determinava: “os sargentos
deviam saber ler e escrever correctamente, porque o oficial poderia não o
saber, por ser fidalgo”.
Para além dos aspectos arquitectónicos e artísticos, este
quartel encerra um rico passado histórico que importa também preservar. Foi
neste quartel de Infantaria 16 que se iniciou a revolução que implantou a
República, em 5 de Outubro de 1910, tendo sido este o primeiro regimento a
aderir à revolução, marchando para a Rotunda. De facto, Machado Santos
dirigiu-se ao aquartelamento do regimento, cerca da uma hora da madrugada, colocou-se
junto ao portão, que antes já tinha sido secretamente preparado para a invasão,
e entrou no quartel com umas dezenas de carbonários. Previamente, um cabo revolucionário
tinha provocado o levantamento da maior parte da guarnição. Um comandante e um
capitão que se tentaram opor foram mortos numa troca de tiros.
Já antes, no período das lutas entre liberais e absolutistas,
quando aqui estava instalado o Regimento de Infantaria 4, este aderiu ao
movimento revolucionário iniciado em 1820, alinhando pela causa liberal. Foi na sequência deste movimento e depois de
ser vencido pelas forças absolutistas em Setembro de 1831, que ocorreu um
acontecimento dramático, a execução, por fuzilamento, dos militares revoltosos,
na rampa que dá acesso à porta principal do quartel, conhecida como a “rampa
dos oficiais”.
Mais tarde o Regimento
de Sapadores de Caminhos-de-Ferro, uma importante unidade de engenharia militar
que aqui se manteve até 1979, teve uma participação activa na 1ª Grande Guerra
(1914-1918).
Foi um dia cheio
de referências da nossa história recente, que nos deixou mais ricos e que
proporcionou agradáveis momentos de convívio.
Para os mais
gulosos ainda houve tempo para saborear os melhores pastéis de nata do mundo e
o melhor bolo de chocolate do mundo (estes publicitários são uns exagerados…),
existentes neste popular bairro de Campo de Ourique…
Quem pretenda ver
um pequeno vídeo sobre o Quartel de Campo de Ourique, pode aceder ao seguinte
endereço:
1 Comments:
Boa reportagem,parabens fatima
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