O Atrium pelos trilhos do Monte Santo
Tudo se passou no domingo, 16 de
Junho do ano 2013 d.C.. O dia amanheceu brilhante, a temperatura amena
convidava para uma caminhada revigorante que recuperasse os corpos viciados na
imobilidade das secretárias do trabalho, ou das mesas dos cafés, consoante a
situação laboral de cada participante.
Pelas 10 horas da manhã, os 16
caminhantes, assessorados por uma cadela à trela, confluíram para o local
previamente combinado para o encontro com o druida que nos iria conduzir pelas
sendas misteriosas deste monte sagrado. Orientado com precisão pela sua
ampulheta ancestral, lá estava pontualmente o druida Carlos, com os seus
calções aos quadrados e um chapéu ao jeito dos pescadores do bacalhau… enfim um
druida já evoluído, perfeitamente integrado nos padrões estéticos da nossa
sociedade globalizada.
Depois de alguma momentânea confusão,
criada por alguns viajantes, que ainda não tinham tomado a sua poção mágica
(vulgo café…) e que se sentiam por isso sem forças para iniciar a caminhada, lá
nos embrenhamos finalmente nos trilhos do monte sagrado iniciando uma aventura
que iria durar cerca de duas horas e meia.
Nesta andança, aconteceu um pouco de
tudo. Observamos bonitos panoramas sobre os locais circundantes, com destaque
para as vistas para o rio Tago. Caminhámos por perigosos trilhos à mercê dos
ataques de alguns cavaleiros medievais, de couraça e tudo, que trocando os seus
alazões de 4 patas por uns velocípedes de 2 rodas, nos ameaçavam, aparecendo de
rompante dos locais mais imprevistos, pondo à prova a experiência do nosso guia
druida e a destreza das nossas enferrujadas articulações. Vivemos, não sem
algum pânico, um momentâneo engano no sinuoso percurso, originado por um
pequeno deslize no GPS do druida Carlos (talvez devido à proximidade do
solstício de Verão que se vai comemorar no dia 21…). Tomámos contacto com a
destruição de inúmeras árvores, provocada pelo recente vendaval que assolou a
nossa Olissipo (o tal que provocou a queda do PIB, no douto dizer do ministro
da Fazenda…), o que nos obrigou a arriscados exercícios de equilibrismo para
ultrapassar esses obstáculos. Surpreendemo-nos com extensos canteiros
enfeitados com bonitas flores que perfumavam o ar.
Enfim, foi um dia bem passado que
revigorou os nossos corpos e os nossos espíritos e que foi rematado com um
repasto ao ar livre numa tenda em pleno Monsanto. Boas sardinhas, uns grelhados
de porco preto (o javali estava esgotado, pois ontem o temível Obelix tinha jantado
por aqui…), tudo regado com um bom vinho da pipa. Felizmente não apareceu nenhum
bardo para nos atormentar com as suas cantigas!…
Agora um pouco de história sobre este
local. O nome de Monsanto preserva alguma espiritualidade, embora as origens
dessa espiritualidade se tenham perdido definitivamente no tempo. A denominação
Monsanto provém do latim “mons sacer”, monte sagrado ou monte santo. Refira-se,
de forma a justificar essa possível espiritualidade ancestral, a existência de
vestígios de necrópoles, quer pré-históricas, quer da época romana, dentro do
perímetro da Tapada da Ajuda.
Desde cedo foi o conjunto de
condições naturais a razão principal para a ocupação humana na zona. Quer a
morfologia acidentada do terreno – concedendo protecção nas elevações, além de
espaço rico para a actividade recolectora – quer a proximidade do estuário –
também uma rica fonte de alimentos e numa fase posterior via de ligação com
outras regiões.
A
existência de sílex em Monsanto teve também especial importância. Esta rocha era
um dos recursos mais importantes para os povos paleolíticos, dada a sua dureza
e elevada densidade. Apresenta arestas afiadas quando é fracturada, o que para
culturas que não sabiam fundir minério nem construir objectos metálicos, era a
melhor forma de confeccionar armas (pontas de seta, por exemplo) e utensílios
de corte.
Os
arqueólogos encontraram tantas peças em sílex na Serra de Monsanto que admitem
a existência de várias oficinas de talhe durante o Paleolítico.
A sedentarização do homem em pequenos
núcleos rurais desde a Pré-História, é atestada pela sobrevivência de achados
arqueológicos, destacando-se aqui os restos de um povoado fortificado do
Calcolítico (cerca de 2700 AC) no sítio do Moinho do Alferes.
A floresta original terá começado a
ser destruída, no momento em que a cidade de Lisboa iniciou o seu
desenvolvimento. A partir do período de dominação romana, por força do aumento
das necessidades de abastecimento de lenhas e produtos agrícolas, a floresta
deu lugar a campos cerealíferos, pastagens e pedreiras.
A
prosperidade regressou com a conquista de Lisboa pelos mouros. Durante o
período de domínio muçulmano (711 – 1147), a serra de Monsanto tornou-se uma
espécie de celeiro da cidade, composta por olivais, campos de trigo, hortas e
campos de criação de cavalos.
No século XVIII, a Serra de Monsanto
foi atravessada por uma imponente construção - o Aqueduto das Águas Livres -
que abasteceria Lisboa com a água proveniente de Belas. Também nesta época, a
zona norte da Serra assistiu à construção de numerosas quintas de recreio da
aristocracia lisboeta. A Quinta dos Marqueses de Fronteira, embora anterior, é
neste período ampliada, tornando-se numa das mais luxuosas da região de Lisboa.
Destaca-se, igualmente, a Quinta de Gerard Devisme, um rico comerciante
estrangeiro, que, na sua propriedade de S. Domingos de Benfica, aclimatou
numerosas plantas e animais exóticos, criando um magnífico jardim (actual
Quinta da Infanta).
A
Serra de Monsanto é constituída por um núcleo central de calcário, envolvido
por um manto de basalto. Tanto os calcários como os basaltos, foram explorados
em diversas pedreiras, tendo os primeiros dado origem ao famoso Lioz e
cantarias e os segundos sido utilizados para a pavimentação de muitas ruas de
Lisboa.
O
Palácio da Ajuda, o Teatro de S. Carlos e a Basílica da Estrela foram
edificados com pedras e inertes extraídas de várias pedreiras de Monsanto.
A
reflorestação da Serra de Monsanto foi da responsabilidade da Câmara Municipal
de Lisboa. Foi um processo longo e penoso pois foi quase feita sem ajuda de
máquinas tendo sido utilizados muitos trabalhadores rurais e até prisioneiros.
Também se salienta a pouca diversidade das plantas existentes nos viveiros da
época, assim como a pobreza dos solos exaustos.
Foi em
1868 que surgiu a ideia de arborizar esta zona, que deveria seguir o exemplo do
Bosque de Bolonha em Paris. Só muito mais tarde, em 1938, por acção de Duarte
Pacheco, é chamado o Arquitecto Keil do Amaral para desenvolver o projecto,
começando este Parque a ser uma realidade.
É o
maior manto verde da cidade, com cerca de 900 ha, sendo a arborização que hoje
o caracteriza, bastante recente, visto que, até 1938, quando começou a ser
plantado, o local era praticamente inóspito. Baseado numa arborização densa,
com pinheiros, eucaliptos, sobreiros e carvalhos, o projecto definia-se como um
bosque selvagem, opondo-se assim às anteriores concepções de parque à inglesa
ou francesa.
2 Comments:
Boa crónica e melhor reportagem e excelente texto para aprender Monsanto.
Monsanto tem muito mais para descobrir, vamos deixar o calor amansar e descobrir outros trilhos, fico à espera. Abaixo o sofá.
Foi um excelente passeio. A reportagem está óptima, o texto está muito simpático e divertido e adorei saber que temos um druida no grupo.
MCMC
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