terça-feira, julho 08, 2014

Passados cem anos, o Atrium mergulhou nas trincheiras da Grande Guerra

Sarajevo, 28 de Junho de 1914, o dia tinha nascido soalheiro. Nas ruas o bulício tranquilo da capital da Bósnia-Herzegovina fora interrompido com o lançamento de uma bomba contra o carro que transportava o arquiduque Francisco Fernando, sobrinho do imperador austríaco Francisco José e herdeiro do trono austro-húngaro, que estava de visita à cidade.A explosão falhara o alvo e o sérvio Gavrilo Princip, de 19 anos, implicado na conjura para assassinar o arquiduque com mais 5 jovens sérvios, já dera o atentado como falhado e entrara numa cafetaria para comer qualquer coisa. De repente vê o carro de Francisco Fernando, que se enganara no caminho, a fazer vagarosamente uma inversão de marcha, mesmo em frente da loja. Não hesita, num ápice salta para a rua empunhando a sua Browning 7.65 e dispara matando o arquiduque e sua mulher, Sofia.pretexto para o desencadear das hostilidades, há muito aguardado, estava criado. A guerra que iria “acabar com as guerras”, no dizer de H. G. Wells, iria começar. Mas ao contrário das previsões ela não seria a última das guerras, nem seria breve (o Estado-Maior alemão previa a capitulação da França em seis semanas…). Ela foi a maior e a mais mortífera guerra até então travada, e criou a semente que conduziria, vinte anos depois, ao pesadelo nazi e a uma nova guerra mundial, ainda mais mortífera.
Foi na noite de 20 de Junho - exactamente cem anos menos oito dias depois - que o Atrium realizou uma sessão na Junta de Freguesia de Carnide, assinalando o início da Grande Guerra.
A sessão compreendeu três partes distintas: Na primeira, pelo José Cardim foram analisadas as “Causas, a Evolução e as Consequências do Conflito”, na segunda foi projectado um filme, da autoria do Zé Carlos, sobre a participação portuguesa nas trincheiras da Flandres, intitulado “Portugal na Grande Guerra: Um país rastejando pelas trincheiras”, e na última o Albano desenvolveu o tema “A Arte em Tempo de Guerra”.
Com a preciosa ajuda do José Cardim, fomos então conduzidos a uma viagem no tempo, passando em revista os acontecimentos históricos que conduziram à guerra: O desenvolvimento e a crescente tensão entre os grandes Impérios; o fenómeno do pangermanismo e o consequente aumento do poderio alemão; a explosão industrial que, segundo a expressão popular, “escolheu os canhões em vez da manteiga”; A perda do domínio do mar pela Inglaterra, em favor da Alemanha; A política de Alianças na Europa, que punha frente a frente a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália, mais tarde substituída pelo Império Otomano) e a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia).
E, finalmente, chegamos à faísca que fez explodir esta guerra já anunciada: o atentado de Sarajevo. Tudo se precipita então com uma rapidez vertiginosa: A Áustria declara guerra à Sérvia e bombardeia Belgrado; a Rússia declara a mobilização geral e prepara-se para apoiar a Sérvia; a Alemanha declara guerra à Rússia e à França; a Inglaterra num primeiro momento ainda hesita e tenta parar a Alemanha através de concessões em África (a célebre partilha das colónias portuguesas de Angola e Moçambique, entre Londres e Berlim), mas após a invasão da Bélgica pelas tropas alemãs, decide entrar na guerra. O cenário estava montado, a dramática “representação”, que contaria com um total de mais de 65 milhões de “intérpretes” em armas, só iria terminar quatro anos e muitos milhões de mortos, depois.
No meio dos horrores produzidos pela primeira guerra tecnologicamente avançada no armamento (metralhadores, gases tóxicos, tanques, aviação, artilharia pesada com alcance de várias dezenas de quilómetros, etc.), mas dramaticamente obsoleta na táctica militar, o que originou baixas humanas pesadíssimas (só na batalha de Somme, que custou 200 mil vidas aos ingleses, 40 mil aos franceses e 170 mil aos alemães, o balanço foi o avanço de uns escassos dez quilómetros no terreno, pelas tropas da Entente…), somos confrontados com um momento de intenso significado humano.
No Natal de 1914, de um modo espontâneo, soldados britânicos e alemães, estabeleceram, contra as ordens superiores, uma trégua informal em muitos pontos da frente ocidental. Primeiro com algum receio, mas depois mais à vontade, começam a sair das trincheiras dos dois lados e encontram-se na “terra de ninguém”, geralmente coberta de cadáveres. Os homens que horas antes se tentavam abater começaram a trocar cigarros, alguma comida e até houve um jogo de futebol entre as duas “selecções”. Os registos fotográficos que fixaram estes momentos (que obviamente foram alvo de uma tentativa de censura, pelos poderes de ambas as partes), são impressionantes e constituem um testemunho cruel de como se instrumentalizam homens para matar os seus iguais, em nome de interesses mercantis e de conquista de poder pelas castas dominantes.
Na última parte da sessão, o Albano mostrou a influência da Grande Guerra nas vanguardas artísticas dessa época, que coincidiu com um período de grande vitalidade dos movimentos de vanguarda europeus. Foi uma interessante abordagem na qual, pela palavra e pela imagem, passaram diante de nós diferentes casos exemplares. Desde os que inicialmente viam a GUERRA como uma oportunidade de destruição da ordem antiga -“a higiene do mundo…”- até às dolorosas experiências vividas por muitos artistas que por isso mudaram radicalmente as suas eufóricas posições iniciais; falou-se do caso exemplar do pintor português Adriano de Sousa Lopes; também a Banda Desenhada, desde o “Quim e Manecas”, criação de Stuart Carvalhais, até aos mais recentes trabalhos de Tardi, de uma beleza crua e fortemente contestatária da guerra, também marcaram a sua presença.
Foi um serão enriquecedor que permitiu uma reflexão sobre um acontecimento histórico de excepcional importância no seu tempo, mas cujas consequências se estendem, sem qualquer dúvida, até aos nossos dias.
No domingo seguinte, 22 de Junho, tivemos a oportunidade de completar a evocação da Grande Guerra, com a visita comentada pelo Cardim e pelo Albano ao Museu Militar onde, para além de armamento, se observaram as magnificas pinturas de Adriano de Sosa Lopes. A actividade terminou com uma visita à exposição patente no forte do Bom Sucesso, intitulada “Uma trincheira portuguesa na Grande Guerra”.