O Atrium na rota da indústria conserveira de Portimão, com um mergulho à Pré-História no lugar de Alcalar e um salto à cidade de Al-Mutamide
O dia
adivinhava-se limpo e convidativo para o fim-de-semana que iriamos desfrutar,
nos passados dias 22 e 23 de Março, por terras algarvias. A saída verificou-se
à hora e no local habituais, 7h30m em Sete-Rios.
O primeiro
objectivo foi o lugar de Alcalar, situado a poucos quilómetros de Portimão, em
pleno Barrocal algarvio, onde no III milénio a.C. se fixou e viveu uma
importante comunidade pré-histórica, e onde hoje se podem apreciar os
monumentos megalíticos descobertos desde os finais do século XIX e hoje
classificados como Monumento Nacional.
Já há
5.000 anos atrás este território, situado entre a serra e o mar, oferecia
recursos de subsistência muito favoráveis à ocupação humana. Na Ribeira da
Torre a pesca e o marisqueio, no interior as nascentes de água potável e os
solos férteis.
Aqui se estabeleceu
um vasto povoado, defendido por muros, trincheiras e taludes, onde se construíram
habitações, junto das quais foi edificado um importante conjunto de templos
funerários megalíticos, constituindo uma necrópole com cerca de duas dezenas de
sepulcros com mamoa.
Dois
desses monumentos funerários encontram-se abertos ao público e permitem um
contacto direto com os processos e os materiais utilizados na sua construção.
Deste
extraordinário conjunto monumental pré-histórico, pesquisado desde 1880, destaca-se
o nº 7, o mais bem conservado, que é constituído por uma mamoa de pedras que
envolve uma construção com corredor e cripta coberta em falsa cúpula. A mamoa é
contida por um murete em alvenaria de xisto de planta circular, de vinte sete
metros de diâmetro, com uma fachada rectilínea, voltada a nascente, em cujo
centro se abre a única entrada para acesso à cripta.
Tivemos a
oportunidade de contactar com os técnicos responsáveis pelos trabalhos de
investigação deste importante conjunto arquitectónico, Arqueóloga Isabel Soares, Arqueólogo Rui Parreira, Arqueóloga Helena Noran (espanhola) e Andreia Machado (restauro do muro de pedra), o que tornou a nossa
visita extremamente enriquecedora.
Rumámos para
Portimão, e como os nossos estômagos já estavam a reclamar, tratámos de
resolver a questão do almoço. E desta vez fomos mesmo originais, pela primeira
vez fizemos um picnic, não ao ar livre sobre as habituais mantas estendidas no
chão, ao som do chilreio alegre dos passarinhos, mas antes sentados à mesa, nas
instalações do restaurante do Museu de Portimão, actualmente desactivado, e que
foi gentilmente posto à nossa disposição.
Seguiu-se
o segundo objectivo deste nosso primeiro dia, a visita ao Museu de Portimão.
Refira-se aqui, antes de mais nada que esta visita, que a seguir descrevemos
resumidamente, ganhou um interesse muito especial porque ela foi guiada pelo
nosso companheiro José Cid, que foi, juntamente com a sua mulher Isabel Aires,
o autor do projecto deste museu. A colaboração directa e a simpatia do seu
director, José Gameiro, também constituiu uma mais-valia nesta nossa visita
guiada.
A história
de Portimão encontra-se profundamente interligada com os recursos marítimos e, desde
a antiguidade, surgiram os processos de transformação e conservação pelo sal da
riqueza piscícola das suas águas e mais tarde, no século XX, uma importante
indústria piscatória e conserveira que ocupou as margens do Arade.
As origens
do Museu de Portimão remontam a 1983, quando a Câmara Municipal de Portimão,
aprova um projecto museológico visando a investigação, recolha, documentação e
divulgação do património local, com especial destaque para o arqueológico,
industrial, náutico e subaquático.
Em 1996, a
necessidade de preservar toda esta relação histórica motivou a aquisição, pelo
Município de Portimão, da antiga fábrica de conservas de peixe “Freu Hermanos”,
localizada na frente ribeirinha da cidade.
É desse
renovado edifício fabril, datado dos finais do séc. XIX, que surge a 17 de Maio
de 2008 o Museu de Portimão, polo de difusão cultural e espaço de descoberta
das origens e da evolução da comunidade, do seu território e dos aspetos mais
marcantes da sua história industrial e marítima.
A exposição que visitamos está
estruturada em 3 percursos. No primeiro, denominado “Origem e destino de uma
comunidade”, viajamos desde as primeiras comunidades pré-históricas de Alcalar,
passamos pelas presenças romana e islâmica e concluímos o percurso no acervo
biográfico de um portimonense notável, o político e escritor Manuel Teixeira
Gomes.
No segundo percurso, “A vida
industrial e o desafio do mar”, somos conduzidos desde o ponto de partida para
o trabalho nas fábricas, que é a lota de Portimão, seguimos pela espectacular Casa
do Descabeço, onde se processava a primeira transformação do peixe para
conserva, e terminamos no espaço fabril destinado à fabricação e ao enchimento das
latas de conserva.
Por fim no terceiro percurso, “Do
fundo das águas”, percorremos a antiga cisterna que alimentava os tanques de
salmoura e as caldeiras da fábrica, e que foi aproveitada para um novo núcleo
denominado “Ocean Revival”, onde podemos acompanhar a evolução do Parque
Subaquático de Portimão, formado por quatro navios de guerra da Marinha
Portuguesa, afundados na costa de Portimão. O ambiente de penumbra da cisterna
e o impacto cenográfico do “submarino”, constituiu um ponto de inegável
interesse.
Tivemos ainda oportunidade de uma conversa
descontraída com o José Cid e o José Gameiro, no auditório, e de visitar as
áreas complementares do museu, como o Centro de Documentação e Arquivo
Histórico, a Oficina Educativa, as Reservas e as Áreas Técnicas.
O dia já ia longo quando rumámos à
Praia da Rocha e nos instalámos no Hotel Luar para um merecido descanso depois
de um dia rico e intenso.
No domingo de manhã, depois de uma
paragem na Praia da Rocha, para o café matinal e para umas fotos, rumámos a
Silves.
Aqui, antes de mais, uma referência
para o facto de a Câmara Municipal de Silves, apesar dos contactos feitos por
nós atempadamente, não ter prestado qualquer apoio à realização da nossa
visita. Socorrendo-nos da prata da casa, foi o José Cid que nos guiou,
colmatando assim a falha do apoio do município desta bela cidade, tão rica de
história mas tão mal divulgada pelos seus actuais dirigentes autarcas.
Começamos a nossa deambulação pelo Museu
Municipal de Arqueologia de Silves. Inaugurado em 1990, este museu foi
construído em torno do Poço-Cisterna Almóada dos séculos XII-XIII – descoberto
após escavações arqueológicas decorridas nos anos 80 do séc. XX e hoje
classificado como Monumento Nacional – que se tornou a peça central da colecção
e do discurso expositivo. Cenograficamente integra, também, a muralha da cidade
do mesmo período, funcionando, assim, não só como um museu onde as colecções
expostas são muito significativas, mas também como uma jóia do património
islâmico em Portugal.
Em seguida visitamos a Sé Catedral de
Silves, considerado um dos templos mais notáveis da arquitectura gótica do
Algarve. Provavelmente foi mandado erigir nos finais do século XIII, após a
conquista definitiva da cidade, em 1248 ou 49, por D. Paio Peres Correia. No
local existia anteriormente uma das mais importantes mesquitas no território de
Portugal.
Construída num arenito vermelho (Grés
de Silves), a catedral possui uma planta de cruz latina. Com uma altura de,
aproximadamente, 18m, a nave central é mais elevada que as duas laterais.
Por fim rumámos até ao Castelo de
Silves. A sua construção teria sido iniciada no século VIII, após a invasão da
Península Ibérica pelos muçulmanos, que se tornaram os novos senhores de
as-Shilb (Silves). Anteriormente já teria existido neste lugar uma
antiga fortificação, provavelmente construída pelos Romanos ou pelos Visigodos.
Por se
encontrar numa posição geográfica privilegiada, a povoação de as-Shilb cresceu
rapidamente, tornando-se palco de diversas disputas entre príncipes muçulmanos,
acabando por ser conquistada pelo rei-poeta Al-Mutamide no ano de 1053. (Este rei-poeta foi governador de Silves e ocupou o trono do reino de
Sevilha com 29 anos. Nasceu em Beja em 1040 e faleceu prisioneiro em Marrocos
em 1095, sendo considerado um dos grandes poetas de língua
árabe de todos os tempos).
Acredita-se
que tenha sido nessa altura que a muralha envolvente de uma área com cerca de
doze hectares tenha sido construída. Trata-se de uma muralha ameada, rasgada
por três portas e reforçada por torres de planta quadrangular. A nível interno,
existiam duas ruas principais que constituíam os dois eixos que definiam a
povoação. Bem perto da Porta de Almedina, também chamada de Porta Principal ou
Porta de Loulé, existia um grande edifico, o Palácio das Varandas, que ficou registado
na obra do rei-poeta, Al-Mutamide, no poema “Evocação de Silves”.
"Eia, Abu Bacre, saúda os meus amigos em Silves e pergunta-lhes
se, como penso, ainda se recordam de mim.
Saúda o Palácio das Varandas, da parte de um jovem
que sente perpétua saudade daquele alcácer.
Ali moravam guerreiros ferozes como leões e brancas gazelas,
e em que belas selvas e em que belos covis!
Quantas noites passei divertindo-me à sua sombra
com mulheres de ancas opulentas e talhe delicado
Brancas e morenas que produziam na minha alma
o efeito das espadas refulgentes e das lanças negras!"
Esta região foi primitivamente povoada por árabes do Mediterrâneo Oriental, amantes das artes e das ciências, permitindo o desenvolvimento deste importante polo cultural e político do al-Gharb al-Andaluz, nos séculos IX a XII. As-Shilb ficou mesmo conhecida como a cidade de filósofos e poetas.
"Eia, Abu Bacre, saúda os meus amigos em Silves e pergunta-lhes
se, como penso, ainda se recordam de mim.
Saúda o Palácio das Varandas, da parte de um jovem
que sente perpétua saudade daquele alcácer.
Ali moravam guerreiros ferozes como leões e brancas gazelas,
e em que belas selvas e em que belos covis!
Quantas noites passei divertindo-me à sua sombra
com mulheres de ancas opulentas e talhe delicado
Brancas e morenas que produziam na minha alma
o efeito das espadas refulgentes e das lanças negras!"
Esta região foi primitivamente povoada por árabes do Mediterrâneo Oriental, amantes das artes e das ciências, permitindo o desenvolvimento deste importante polo cultural e político do al-Gharb al-Andaluz, nos séculos IX a XII. As-Shilb ficou mesmo conhecida como a cidade de filósofos e poetas.
Depois de um almoço num restaurante
da cidade de Silves, dirigimo-nos a Estombar onde se situa a Quinta dos Vales, o
último objectivo da nossa viagem.
Trata-se de uma quinta que conjuga a
produção vinícola - possui cerca de 19 hectares de vinha - com o alojamento, a
realização de eventos culturais e sociais bem como a exposição e venda de obras
de arte, a maioria das quais executadas em fibra de vidro e resina de
poliéster.
Depois de um passeio pela quinta,
durante o qual apreciámos as insólitas esculturas, e que serviu para ajudar um
pouco à digestão do almoço, tivemos uma prova dos vinhos da produção própria.
A tarde já ia avançada quando nos
metemos à estrada, a bordo do autocarro da Barraqueiro, que nos iria conduzir a
Lisboa. Tínhamos desfrutado um fim-de-semana cheio que nos deu a conhecer um
pouco mais deste nosso torrão e que proporcionou um agradável convívio entre
amigos.
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