25 Abril 74 - as memórias do Fernando
Eu e as minhas
circunstâncias: Vivia na Alameda Afonso Henriques em quarto alugado, como
acontecia há anos em Coimbra e depois em Lisboa. Trabalhava, destacado por
alguns meses, no Estaleiro Naval da Rocha de Óbidos como monitor de formação
profissional.
24 Abril: regressava ao domicílio às 23h e em frente à Mexicana encontro um amigo de Coimbra, onde frequentou direito e já fizera o serviço militar, e entretanto passa o Vítor, beirão de Mangualde que tinha sido colocado há poucos dias no quartel da Pontinha. Conversa resumida. Videira - “…os militares são uns patetas e não sabem fazer nada de jeito e nem se sabem organizar. Victor – “não compartilho dessa opinião, eles estão a mexer-se bem não obstante o fiasco do 16 de Março. Eles vão sair novamente”.
Quando me deito e faço alguma leitura e procuro música no rádio portátil, sintonizei a Renascença. Passados alguns momentos o locutor anuncia a música, lê alguns versos e de seguida Zeca Afonso canta “Grândola Vila Morena” o que me alegrou.
25 Abril às sete horas quando saía para ir trabalhar, ligo o rádio e eram lidas informações claras e simples do Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. E a natureza das comunicações cheirava a liberdade e democracia e pediam para que as pessoas ficassem em casa.
Saí e tentei apanhar transportes e encontrei alguém que me disse estarem parados. E fui para o café mais próximo em que se trocavam informações e comentários.
Voltei a casa e saí de novo para o café. Surgiu Um táxi que mando parar para me levar até ao local de trabalho. Após hesitações anuiu a transportar-me, indo por zonas onde não havia condicionamento de trânsito.
E dou comigo em Sapadores 11h (?) onde somos parados por uma coluna militar (Com chaimites, jipes e camiões para transporte de militares e as suas G3). A coluna dirigia-se para a sede da Legião Portuguesa na Penha de França. Estava parada e viam -se cervejas, sandes e bolos que os militares sorridentemente comiam. Os abastecimentos vinham de tascas e cafés da zona. Viam-se dois ou três ramos de flores nas viaturas. Nesse dia comemorava-se o dia do turismo e muitas floristas estavam bem abastecidas. Mais tarde soube que o Comandante da Coluna se chamava Jaime Neves.
Ao princípio da tarde fomos para uma Associação de Cultura e Recreio entre a R. Morais Soares e o Mercado de Arroios onde estavam conhecidos e amigos. Ouvíamos as notícias, discutíamos a situação do país e fazíamos brindes à Liberdade à Democracia.
A meio da tarde parto com minha irmã e irmão, consideravelmente mais novos que eu, para a baixa. No Rossio havia poucas pessoas que se cruzavam em várias direções. Assistimos a atos de vandalismo e roubo de lojas nas ruas Augusta e rua do Ouro. Os meus irmãos ficaram fortemente alvoroçados e havia pessoas que diziam que no Chiado havia pides armados nos telhados e já tinham feito disparos. Tendo eu o curso prático de piquetes e greve e de manifestações de âmbito estudantil e anticoloniais, estava bastante calmo, o que não acontecia com os dois irmãos. Resolvi garantir que regressassem aos seus lugares. Quando voltei e já próximo do largo do Carmo, encontro gente eufórica pois os grandalhões do regime, com o cagarolas do Marcelo Caetano à frente, já tinham sido levados em carros blindados.
À noite jantei com a irmã e telefonei aos pais e á namorada da altura para os sossegar pois estavam a mais de 300 Km da capital do Império, que ia deixar de o ser, seguíamos a televisão e vimos uma série de senhores gajos carrancudos, Junta de Salvação Nacional e o mais conhecido, Spínola, fizera uma proclamação ao país onde avaliei que era boa mas tinha qualquer coisa ainda que não estava bem esclarecida.
26 Abril: Regresso ao trabalho e soube que acontecera. Faltou cerca de um terço do pessoal e constava que esse dia iria ser descontado aos faltosos. Às 18 horas estou no Rossio onde havia muita gente e já se falava na caça ao pide. Formou-se uma manifestação de regozijo que subiu a Avenida da Liberdade.
Fernando, em Abril 2020
24 Abril: regressava ao domicílio às 23h e em frente à Mexicana encontro um amigo de Coimbra, onde frequentou direito e já fizera o serviço militar, e entretanto passa o Vítor, beirão de Mangualde que tinha sido colocado há poucos dias no quartel da Pontinha. Conversa resumida. Videira - “…os militares são uns patetas e não sabem fazer nada de jeito e nem se sabem organizar. Victor – “não compartilho dessa opinião, eles estão a mexer-se bem não obstante o fiasco do 16 de Março. Eles vão sair novamente”.
Quando me deito e faço alguma leitura e procuro música no rádio portátil, sintonizei a Renascença. Passados alguns momentos o locutor anuncia a música, lê alguns versos e de seguida Zeca Afonso canta “Grândola Vila Morena” o que me alegrou.
25 Abril às sete horas quando saía para ir trabalhar, ligo o rádio e eram lidas informações claras e simples do Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. E a natureza das comunicações cheirava a liberdade e democracia e pediam para que as pessoas ficassem em casa.
Saí e tentei apanhar transportes e encontrei alguém que me disse estarem parados. E fui para o café mais próximo em que se trocavam informações e comentários.
Voltei a casa e saí de novo para o café. Surgiu Um táxi que mando parar para me levar até ao local de trabalho. Após hesitações anuiu a transportar-me, indo por zonas onde não havia condicionamento de trânsito.
E dou comigo em Sapadores 11h (?) onde somos parados por uma coluna militar (Com chaimites, jipes e camiões para transporte de militares e as suas G3). A coluna dirigia-se para a sede da Legião Portuguesa na Penha de França. Estava parada e viam -se cervejas, sandes e bolos que os militares sorridentemente comiam. Os abastecimentos vinham de tascas e cafés da zona. Viam-se dois ou três ramos de flores nas viaturas. Nesse dia comemorava-se o dia do turismo e muitas floristas estavam bem abastecidas. Mais tarde soube que o Comandante da Coluna se chamava Jaime Neves.
Ao princípio da tarde fomos para uma Associação de Cultura e Recreio entre a R. Morais Soares e o Mercado de Arroios onde estavam conhecidos e amigos. Ouvíamos as notícias, discutíamos a situação do país e fazíamos brindes à Liberdade à Democracia.
A meio da tarde parto com minha irmã e irmão, consideravelmente mais novos que eu, para a baixa. No Rossio havia poucas pessoas que se cruzavam em várias direções. Assistimos a atos de vandalismo e roubo de lojas nas ruas Augusta e rua do Ouro. Os meus irmãos ficaram fortemente alvoroçados e havia pessoas que diziam que no Chiado havia pides armados nos telhados e já tinham feito disparos. Tendo eu o curso prático de piquetes e greve e de manifestações de âmbito estudantil e anticoloniais, estava bastante calmo, o que não acontecia com os dois irmãos. Resolvi garantir que regressassem aos seus lugares. Quando voltei e já próximo do largo do Carmo, encontro gente eufórica pois os grandalhões do regime, com o cagarolas do Marcelo Caetano à frente, já tinham sido levados em carros blindados.
À noite jantei com a irmã e telefonei aos pais e á namorada da altura para os sossegar pois estavam a mais de 300 Km da capital do Império, que ia deixar de o ser, seguíamos a televisão e vimos uma série de senhores gajos carrancudos, Junta de Salvação Nacional e o mais conhecido, Spínola, fizera uma proclamação ao país onde avaliei que era boa mas tinha qualquer coisa ainda que não estava bem esclarecida.
26 Abril: Regresso ao trabalho e soube que acontecera. Faltou cerca de um terço do pessoal e constava que esse dia iria ser descontado aos faltosos. Às 18 horas estou no Rossio onde havia muita gente e já se falava na caça ao pide. Formou-se uma manifestação de regozijo que subiu a Avenida da Liberdade.
Fernando, em Abril 2020
7 Comments:
com "pinta" de autentico engenheiro!!!
Este comentário foi removido pelo autor.
Estou a gostar das memórias sobre o 25 de abril de 74. Todos vivemos o mesmo mas cada um à sua maneira, como é o caso narrado pelo Fernando.
Abraço
As memórias são um interessante testemunho das nossas vidas e falam daquilo que mais profundamente nos marcou ao longo do tempo e nos mais intensos momentos dos dias.
O nosso companheiro, o nosso engenheiro viveu com intensidade o momento e com dúvida. Afinal nós queríamos acabar com o regime mas, tivemos que ir ver, como que ajudar a coisa a acontecer. E, o levantamento popular foi um dos ingredientes decisivos do sucesso do derrube do regime.
Mais uma memória, mais uma peça para o puzzle do 25 abril 74.
Abraço ao engenheiro e ao colectivo do Atrium
Tão novinhos que nós éramos!
Abraço,
Lena
Vivências desses dias que mudaram tanta coisa!
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