terça-feira, junho 28, 2011

Pela Serra de Montejunto, em visita à Real Fábrica de Gelo

Foi no passado dia 18 de Junho que o Atrium subiu até aos 666 metros de altitude da Serra de Montejunto para conhecer a renovada Real Fábrica do Gelo, que já tinha sido por nós visitada há cerca de 8 anos, em Março de 2003.
A Serra de Montejunto, situada a 60km a norte de Lisboa, ergue-se entre o Cadaval, Alcoentre, Alenquer e a Vila Verde dos Francos, numa extensão de 15 quilómetros de comprimento, por 7 de largura.
O hábito de saborear gelados e matar a sede com bebidas frescas nos dias quentes de Verão terá vindo de Espanha e introduzido em Portugal pela corte de Filipe II. Não existindo ainda as modernas tecnologias de refrigeração, o recurso à neve e ao gelo constituía a única alternativa possível. Por isso, a procura deste escasso e valioso bem foi crescente, bem como a sua comercialização. A Serra de Montejunto apresentava grandes vantagens sobre o principal centro abastecedor de neve, a Serra do Coentral, situada na extremidade sul da Serra da Estrela.
O complexo fabril, construído por volta de 1741, divide-se em duas áreas distintas. Uma destinava se à produção do gelo e a outra à sua preparação, armazenamento e conservação.
A primeira área destinada à produção é actualmente constituída por dois poços para captação da água, uma casa onde eram accionadas as noras e que servia de armazém, um tanque principal para recepção da água e 44 tanques rasos onde era realizada a congelação da água.
Os tanques rasos foram construídos num desnível suave em três patamares, comunicando entre si por pequenas aberturas de secção rectangular situadas a 10 cm do fundo, de modo a permitir a acumulação da água até esta altura.
A segunda área era destinada à preparação, armazenamento, conservação, preparação e embalamento do gelo, sendo constituída por um edifício apresentando fachada de decoração sóbria (ao gosto do séc. XVIII), dois silos para armazenamento e conservação do gelo e um outro para despacho do gelo já embalado. Sobre a porta principal existia uma placa em pedra gravada que registava a compra e a reedificação da fábrica pelo Neveiro da casa real, Julião Pereira de Castro, em Janeiro de 1782.
Praticamente tudo o que se sabe sobre esta interessante actividade, que deverá ter cessado em finais do séc. XIX, (o frigorifico foi inventado por Gorrie em 1850, mas só no final do século viria a ser comercializado por toda a Europa), se deve à tradição oral. São ainda vivos descendentes de pessoas que trabalharam no fabrico da "neve'".
Quando chegava o mês de Setembro, enchiam-se os tanques rasos de água e durante a noite esperava-se que o frio a congelasse. Quando o gelo se formava, o guarda da fábrica ia a cavalo até à aldeia de Pragança e, com uma corneta, acordava as pessoas para que, antes do nascer do sol, num trabalho árduo e duro, partissem as placas de gelo, amontoando os fragmentos e depois os carregassem para os silos de armazenamento, onde era conservado até à chegada do Verão.
Na época do calor, era toda a saga do transporte até à capital do reino. Primeiro era o dorso dos animais que transportavam a preciosa carga, para vencer o acentuado desnível da serra, depois as carroças faziam chegar o mais rápido possível o gelo aos "barcos da neve", ancorados na Vala do Carregado que por sua vez o levavam para Lisboa.
É curioso observar que o cargo do Neveiro Real era sempre ocupado por militares, talvez por lhes ser mais fácil a organização e a obtenção dos meios para prover o transporte do gelo até ao Paço em Lisboa.
A visita foi completada com um alegre (e demorado…) almoço na aldeia de Pragança.