terça-feira, agosto 19, 2014

Irlanda 2014 - (2) O Atrium à descoberta da Ilha Esmeralda


Parte II – Até Galway, com uma chamada especial ao “whiskey” Jameson e aos Penhascos de Moher.

O dia amanheceu claro e sem ameaças de chuva, com uma temperatura convidativa à viagem. O poderoso Finn MacCool e os seus terríveis guerreiros Fianna, pela tradição os defensores da Irlanda dos inimigos estrangeiros, caprichavam em acolher de braços abertos os viajantes lusitanos, por certo reconhecendo neles os descendentes dos longínquos antepassados celtas, oriundos das terras ibéricas…
A jornada começou cedo. Pelas oito e meia, já nos despedíamos da cidade de James Joyce, atravessando o rio Liffey, por uma das suas inúmeras pontes, rumo aos verdejantes campos do Lower Shannon, onde se situa o primeiro objectivo do dia de hoje, o Rock of Cashel, do qual falaremos mais adiante.
Por agora a nossa atenção ficou presa pelos prados verdes, divididos por muros de pedra (o paralelo com a paisagem açoriana foi inevitável), onde pastam rebanhos de ovelhas “irish black face” e pachorrentas vacas. É fácil de perceber que, com estas condições naturais, esta região possua uma importante indústria de lacticínios.
Os vales férteis do rio Shannon, o maior rio da Irlanda que deu o nome a esta região, foram desde muito cedo um local de fixação das populações, como mostram os vestígios existentes, datados da Idade da Pedra. No séc. X os viquingues chegam aqui, e posteriormente, durante o período normando, foram erigidos importantes castelos, como o de Bunratty, que visitaremos no dia de amanhã.
Vencidos os 163 quilómetros da jornada, eis-nos chegados ao Rock of Cashel. Erguido sobre o rochedo de Cashel, este castelo serviu como residência para os reis de Munster durante centenas de anos, até à Invasão Normanda. Embora muito pouco das primitivas estruturas tenha sobrevivido até aos nossos dias, a maioria das edificações no actual sítio histórico, datam dos séculos XII e XIII.
A beleza deste conjunto arquitectónico e a vista soberba sobre a planície de Tipperary, com os nossos olhos a perderem-se no infinito, pintado de verde-esmeralda, transmitiram-nos uma sensação de tranquilidade e de uma certa magia, ampliada pela existência no exterior de um cemitério, com bonitas cruzes adornadas de motivos celtas. Talvez influenciados pelo ambiente, por momentos, deixamos o pensamento viajar alguns séculos atrás, e imaginar o quotidiano dos nossos antepassados celtas, vivendo neste local.    
Nos primórdios da Idade Média, tinham surgido na Irlanda quatro províncias célticas: eram elas: Munster (no sudoeste), Leinster (no sudeste), Connaught (no noroeste) e Ulster (no nordeste). O Rock of Cashel foi o local da conversão do rei de Munster, por St. Patrick, no século V, existindo aqui uma cruz com gravações atribuídas a este santo feitas aquando da sua estadia.
Este complexo medieval é constituído por vários edifícios: A catedral gótica, a capela de Cormac, com uma admirável talha românica, o dormitório dos monges, o salão do coral dos vigários, onde hoje está instalado o museu, e a torre redonda. Deste conjunto de construções, a mais alta e mais antiga, é a torre redonda. Muito bem preservada, data do início do séc. XII, e eleva-se a 28 metros de altura, dominando toda a planície envolvente. Constituía por isso um posto de vigia privilegiado, para a segurança dos ocupantes do castelo.
Com os olhos mais cheios e o espírito mais leve, regressámos à crua realidade dos nossos estômagos, que já ansiavam por algum aconchego… descemos então por um bucólico caminho pedonal e passados alguns minutos deparámos com uma magnífica residência em estilo Queen Anne, datada de 1730, o Cashel Palace Hotel, que foi outrora o palácio de um bispo. Hoje é um hotel de charme e um restaurante, e é neste ambiente requintado que o nosso almoço se irá realizar… os deuses celtas não param de nos surpreender.
Depois do repasto, ainda houve tempo para dar uma mirada rápida pela vila de Cashel. Com o grupo já instalado no Pinto Lopes’s bus, lá arrancámos rumo ao objectivo seguinte, a Old Midleton Distillery, a destilaria do famoso Jameson, um dos ex-libris desta Irlanda, que nos vai conquistando aos poucos.
Esta Old Distillery, instalada num edifício do séc. XVIII, é hoje um excelente museu no qual tivemos oportunidade de apreciar os equipamentos e as máquinas autênticas, que pararam de laborar há bem pouco tempo, em 1975.                         
Foi uma visita guiada por uma jovem espanhola que, de um modo descontraído e bastante eficiente, nos introduziu no mundo da fabricação deste “whiskey”. Ficámos peritos na moagem, na maltagem, na tripla destilação, característica que distingue definitivamente o “whiskey” irlandês, do “whisky” escocês e do “bourbon” americano. Aliás, no final da visita, dois dos nossos valentes luso-atriunistas ofereceram-se para participar numa difícil prova para identificação destes três tipos de bebidas, e tiveram um sucesso total, não falharam uma… são muitos anos a virar copos…
Foi com a alma aquecida e os humores mais soltos (todos os visitantes tiveram oportunidade de provar um trago de Jameson), que nos lançámos à estrada na direcção de Cork, o último destino deste dia. Antes de nos instalarmos no Atrium Clarion Hotel (o nosso Atrium também chegou a estes locais, talvez pela mão de algum dos nossos antepassados celtas…), fizemos um pequeno tour, no Pinto Lopes’s bus, pela cidade, que seria completado por um passeio pedonal, antes e depois do jantar.
O pouco tempo que tivemos para conhecer esta cidade, não foi suficiente para ter uma ideia sobre os seus motivos de interesse. Passeámos um pouco ao longo do rio Lee que a atravessa, vagueámos pela sua principal artéria, a rua de St. Patrick e, para além de uns bonitos edifícios, alguns com varandas de ferro estilo “arte nova”, o que nos chamou mais a atenção foram os originais candeeiros que faziam lembrar guindastes de cais.
Por leituras paralelas, ficamos a saber que Cork (cujo nome em irlandês significa pântano e é devido às terras alagadiças das margens do rio Lee), no séc. XIX, foi uma base do movimento denominado “Irish Republican Brotherhood”, que desenvolvia a luta pela independência da Irlanda e contra o domínio britânico. Ainda hoje os seus habitantes têm fama de uma certa rebeldia política.
De novo a alvorada foi cedo, e depois do habitual pequeno-almoço, fizemo-nos à estrada na direcção Norte, à conquista de um castelo. Não de um qualquer castelo, mas sim de uma preciosidade construída no séc. XV, e que constitui um belo exemplar da construção do período normando, o Castelo de Bunratty.  
Este castelo, como se verifica aqui na Irlanda, não é apenas um edifício militar mas é também uma residência de ilustres irlandeses. Aqui viveram cerca de 150 anos os O’Brien, condes de Thomond. O castelo tem uma planta quadrada com quatro torres, e o seu interior desenvolve-se em altura, com quatro pisos e com magníficas salas em todos eles. Destacam-se o “Great Haal”, o salão de audiências e banquetes que era a principal divisão, a “Main Guard”, onde os soldados viviam e onde hoje se realizam os banquetes medievais, e o “South Solar”, alojamentos para convidados com uma decoração típica do período Tudor, com belos painéis de madeira e elaborados tectos, hoje extremamente bem reconstituídos.
Já com as pernas em franca tremedeira, por tanto subir e descer escadas, deixámos a modesta residência dos O’Brien e após um breve repouso para recuperação de forças, dirigimo-nos ao “Bunratty Folk Park”, um curioso parque que fica junto ao castelo, e que procura reconstituir a vida rural na Irlanda, em finais do séc. XIX. É uma autêntica aldeia de Astérix, onde estão representadas as diversas actividades e são reproduzidas as habitações e as lojas da época. Pudemos apreciar as casas de pedra com telhado de colmo, típicas da região de Burren, assim como elegantes moradias georgianas.
Uma referência especial ao ferreiro que na altura desenvolvia uma intensa actividade, na fornalha, para a qual obteve a ajuda de uma assustada luso-atriunista, que se desenvencilhou da tarefa airosamente…
Voltámos então à estrada para vencer os 65 quilómetros que nos separavam das falésias dos Cliffs of Moher, um dos pontos de maior beleza natural do litoral de Clare. Ao longo de 8 quilómetros, estes penhascos chegam a atingir uma altura de mais de 200 metros acima do mar, oferecendo uma vista espectacular sobre o oceano. No ponto mais elevado das falésias encontra-se a Torre de O'Brien, uma torre de pedra redonda construída em 1835 para servir como ponto de observação. Toda a zona constitui um ponto importante de nidificação de aves marinhas (mais de 30 mil pares de aves na época da nidificação), e está incluída numa área especial de protecção ambiental. Aqui podem-se observar o Papagaio-do-mar, Mergulhões, Fulmares, gralhas-de-bico-vermelho, uma espécie rara conhecido como corvo celta e também Falcões peregrinos.    
Percorrer estas falésias, formadas há mais de 300 milhões de anos atrás, num dia em que a luminosidade nos presenteou com uma visão magnífica sobre o Atlântico, ao som de uma melodiosa harpa, tocada por uma jovem celta, é uma experiência rara que nos deixou num estado de feliz quietude… mas, de repente, o nosso sossego foi quebrado por uns gritos estridentes que ecoaram dos penhascos, e de uma das cavernas vimos surgir, em grande correria, Harry Potter e Dumbledore perseguindo o maléfico Voldemort que se precipitou por um atalho que descia a pique pelas falésias… esfregámos os olhos, estaríamos a sonhar? Não, afinal não era nada de transcendente, tratava-se simplesmente de uma cena do filme “Harry Potter e o Príncipe Misterioso”, aqui rodado em 2009. Já nos vamos habituando, neste terra de duendos, de fadas, de lendas e de mitos, o passado e o presente, a magia e a realidade dão-se as mãos com a maior das simplicidades...
Mais tranquilos e para finalizar a visita, fomos conhecer o Centro de Acolhimento, um edifício subterrâneo com uma estrutura estilo caverna, que minimiza o impacto visual, e no qual existe uma exposição e diversos materiais de divulgação.

De novo instalados no Pinto Lopes’s bus, lançámo-nos nos últimos 78 quilómetros do dia, na direcção de Galway onde pernoitaremos. Pelo caminho atravessámos bonitas aldeias e belos panoramas em que as montanhas contrastavam com os extensos prados verdes e as tranquilas baías. Numa delas, na baía de Galway, o nosso olhar, e a objectiva da nossa Lumix, ficaram presos a uma visão magnífica de um castelo. Mais tarde, a partir de leituras e pesquisas, verificámos que se tratava de um dos mais visitados castelos da Irlanda, o Castelo de Dunguaire, uma casa torre do século XVI que deve o seu nome ao rei Guaire of Connaught (uma das quatro províncias célticas), cuja corte acolhia numerosos poetas e trovadores. Hoje em dia é o palco de banquetes medievais, enriquecidos por recitais de música celta e de poesia irlandesa.   
Finalmente chegámos a Galway, a quarta maior cidade da Irlanda, que é o centro das regiões de língua gaélica, onde cerca de metade da população fala irlandês como primeira língua. Hoje é uma animada cidade universitária, tendo sido um importante entreposto comercial no séc. XIV, sob o domínio dos anglo-normandos.
Fomos directos ao hotel Imperial, um curioso hotel que parece ter-se desenvolvido inspirado num projecto do célebre Dédalo, tal a confusão de corredores e de portas que tivemos de percorrer para atingirmos os nossos quartos… só faltou mesmo que esbarrássemos com o Minotauro ao virar de uma esquina.
Já instalados, com o sol ainda alto, houve tempo para um passeio pela cidade. Numa primeira impressão ficámos agradavelmente surpreendidos pela animação de rua, com músicos, malabaristas, contorcionistas, mímicos e outros artistas, que se estendiam pelas pedonais Shop street, High street e Mainguard street. A população muito jovem confirmava o estatuto de cidade universitária.
Deambulámos pelas ruas do centro histórico, até às margens do rio Corrib, e percorremos a zona portuária que encerra ainda alguns vestígios da sua importância, dos quais destacamos o “Spanish Arch”, que data de 1584 e que tinha por missão proteger o porto onde os mercadores espanhóis descarregavam os seus barcos.
Já depois do jantar, tivemos a oportunidade de voltar a mais um contacto directo com Galway, desta vez o passeio foi até à Catedral de St. Nicholas de recente construção, data de 1965, e sob a ponte “Salmon Weir”, já com a noite a cair assistimos ao curioso exercício da pesca ao salmão e à truta por parte de uns teimosos pescadores que não desistiam na sua tarefa, apesar do adiantado da hora.

E por fim foi o regresso ao labiríntico hotel para mais uma noite, que irá retemperar as nossas forças para o dia seguinte, que nos irá levar até à Irlanda do Norte, mais concretamente à cidade de Derry (Londonderry para os anglófilos).