quarta-feira, abril 08, 2015

O Atrium por Boticas e Chaves, com um pulo a Verín, iluminado pela geometria sem limites do Mestre Nadir Afonso

Carnide, dezassete horas do dia 20 de Março. A tarde adivinha-se tranquila, o ar fresco da quinta do velho palácio dos Condes de Carnide perfuma o ambiente. Levando no seu bojo os 17 viajantes, o minibus da Barraqueiro arranca suavemente, iniciando a jornada de 462 quilómetros que nos haveria de conduzir até Chaves, mais precisamente ao Hotel Petrus, que seria a nossa residência nos próximos dois dias.
A viagem decorreu sem incidentes a assinalar, e pelas 23 horas chegávamos ao Parque das Termas de Chaves onde se situa aquela unidade hoteleira. Antes da retirada para os quartos, para o merecido descanso dos viajantes, num happening, por sinal muito bem organizado, com champanhe, bolo e respectivas velinhas, tivemos a oportunidade de dar os parabéns ao companheiro José Cardim que hoje completava mais um ano de existência, neste conturbado mundo em que estamos mergulhados.

O sábado amanheceu com o céu limpo. Mais uma vez os deuses estavam com o Atrium e concederam-nos um fim-de-semana livre da chuva, o que iria tornar a nossa estadia por estas terras transmontanas ainda mais agradável.
O primeiro objectivo do dia era o Centro de Artes Nadir Afonso, em Boticas. O fresco da manhã acompanhou-nos na curta deslocação de 25 quilómetros, que percorremos desde Chaves.
Imediatamente fomos atraídos pelas linhas geométricas do edifício, de uma exatidão que nos remete para a obra e para o pensamento de Nadir Afonso: “…é justamente esta qualidade essencial, - a exatidão - impossível de ser alcançada pela razão, que torna a obra de arte misteriosa…” (in “A Arte Tateada”).
Inaugurado em Julho de 2013, este Centro, um espaço de mais de 1.800 metros quadrados projectado pela norte-americana Louise Braverman com a colaboração do português Paulo Pereira Almeida, está dividido em duas partes distintas: um centro cultural e uma galeria de exposições com um parque verde na cobertura.
A escolha de Boticas para a criação do Centro, decorre da ligação de Nadir Afonso a este concelho, de onde era natural a sua mãe.
Ao entrar no Centro, para a visita que foi guiada pela Dr.ª Margarita Alves, e que teve a enriquecê-la a presença valiosa da Dr.ª Laura Afonso, viúva do Mestre Nadir, somos tocados pela amplitude do espaço, repleto de luz, e pelo rigor e equilíbrio das suas linhas arquitectónicas.

A exposição ali exposta, «Nadir Afonso – Sequenzas», é uma mostra da sua criação artística, produzida entre finais de 1940 e princípios de 1960, que reúne cerca de 300 estudos de carácter geométrico e abstracto, e inclui também algumas telas, que permitem compreender a sua evolução, a partir dos estudos iniciais.
Estes estudos estão organizados em três períodos criativos: o Espacillimité (que combina espaço e movimento), o Barroco (com as formas em espiral e dinâmicas) e o período Egípcio (numa evocação desta civilização, em que a recta e a curva se misturam).
Tivemos ainda a oportunidade de visitar o centro cultural, onde são desenvolvidas diversas actividades, bem como o parque verde existente na cobertura da galeria de exposições.

À saída, com os nossos espíritos tocados pela estética nadiriana, as palavras de Nadir Afonso adquiriam o seu verdadeiro sentido: “O homem volta-se para a geometria como as plantas se voltam para o sol; é a mesma necessidade de clareza e todas as culturas foram iluminadas pela geometria, cujas formas despertam no espírito um sentimento de exactidão e de evidência absoluta.”.

A segunda visita da manhã, ao CEDIEC (Centro Europeu de Documentação e Interpretação da Escultura Castreja), levou-nos ao encontro do mundo dos Guerreiros do Outeiro Lesenho, guiados pela Dr.ª Cristina Barros.

Foi um mergulho de muitos séculos atrás, até ao I milénio a.C., quando os castros, povoados fortificados situados em lugares estratégicos, ganhavam uma importância grande no processo organizativo da sociedade de então. Eram posições defensivas, por vezes fortificadas com muralhas de pedra, que para além deste aspecto militar e de vigilância das vias de comunicação, visavam o controlo de zonas propícias à obtenção de recursos alimentares (exploração agrícola e criação de gado), de água, e também da exploração de recursos mineiros.

A cultura castreja, no período final, caracteriza-se pelas monumentais esculturas em granito. Estas esculturas representam heróis ou príncipes guerreiros e, provavelmente, tinham uma função protectora.

E são exactamente as estátuas de quatro guerreiros galaico-lusitanos, encontradas nas imediações do Outeiro Lesenho, no concelho de Boticas, as duas primeiras em 1782 e as outras em 1905, que constituem o ex-libris do CEDIEC. Hoje, com um pouco de imaginação, ainda os conseguiríamos contemplar, no alto dos 1073 metros do monte de Outeiro Lesenho, montando guarda à povoação fortificada e, com a sua admirável imponência, amedrontando as legiões romanas do Cônsul Décimo Júnio Bruto…
Mas infelizmente, aqui em Boticas, pudemos apenas apreciar as suas reproduções (aliás de excelente qualidade), pois os originais encontram-se em Lisboa, no Museu Nacional de Arqueologia.

Este CEDIEC, inaugurado em Agosto de 2012, constitui uma instituição cultural do Município de Boticas, que visa a valorização das expressões artísticas proto-históricas da região, estando as suas instalações integradas no espaço do Ecomuseu do Barroso.
Entretanto a hora do almoço aproximava-se e os nossos prosaicos estômagos, insensíveis às teorias sobre a inexistência do tempo, do Mestre Nadir, começavam a dar mostras de alguma impaciência, pelo que rumámos a Chaves, ao restaurante Casa Costa, onde saciámos os nossos apetites gastronómicos.

A parte da tarde reservava-nos uma muito agradável surpresa, a visita ao Museu Nadir Afonso, e sede da Fundação com o mesmo nome. O edifício do museu, cujo projecto é do arquitecto Sisa Vieira, está concluído mas ainda se encontra vazio e naturalmente ainda fechado ao público.

Foi para nós uma oportunidade excepcional, poder visitá-lo, na companhia da Dr.ª Laura Afonso, do Arquit.º Rodrigo Moreira e do Eng.º Carlos França, e assim admirar a sua qualidade arquitectónica, realçada pelo facto do edifício ainda se encontrar despojado de qualquer espólio artístico.

A dimensão dos espaços, o equilíbrio das linhas e dos volumes, o tratamento da luz, a escolha dos materiais, a colocação das janelas, em diálogo perfeito com o exterior, as formas elementares de círculos, triângulos e quadrados nas paredes que suportam o edifício, protegendo-o das ameaças das cheias do Tâmega, tudo isto resulta numa combinação perfeita com o pensamento estético do Mestre Nadir: “Para o ser sensível que passou uma existência a trabalhar as formas, o rigor geométrico é, ao longo da experiência dos anos, a essência da arte; e essa precisão não está apenas na geometria racionalizada pelos estetas filósofos. Essa precisão geométrica existe para além das formas estudadas pelos geómetras, para além do círculo, do quadrado, ou, do triângulo equilátero, e pode ser sentida e elaborada, mesmo quando o ser hipersensível expressa as formas perfeitas ou originais.” (in “A Arte Tateada”).

De referir que o pintor participou na definição do programa de arquitectura do edifício que, para além das salas de exposições temporárias e permanentes, inclui um auditório, arquivo, biblioteca, cafetaria e um ateliê onde ele iria trabalhar juntamente com outros artistas convidados, mas que infelizmente nunca o pode utilizar. Nascido em Chaves, em 1920, Nadir Afonso Rodrigues veio a falecer em Dezembro de 2013, sete dias depois de ter completado 93 anos.

A tarde já ia a meio quando iniciámos uma visita guiada por Chaves, sendo o nosso anfitrião o Dr. Carlos Silva, da Câmara Municipal de Chaves. Foi um interessante périplo pela cidade, que só terminou já pela noite dentro, e que incluiu os principais pontos de interesse desta acolhedora Aquae Flaviae. Recordemos alguns deles: Forte de S. Francisco, Rua Direita, Igreja Matriz, Câmara Municipal, Castelo de Chaves, Largo General Silveira, Ponte de Trajano e finalmente Termas (onde não faltou um “refrescante” gole de água, que brota a uns simpáticos 72 graus...).

Tinha chegado ao fim um dia cheio e o cansaço acumulado requeria uma refeição leve e um sono reparador. Foi o que aconteceu.

Domingo, nove e meia da manhã. Despachado que foi o pequeno-almoço, embarcámos de novo no minibus da Barraqueiro; a etapa internacional do nosso fim-de-semana iria começar.
O destino era o município de Verín, situado no sudeste da província de Ourense, nas margens do rio Tâmega e que, juntamente com Chaves, constitui a Eurocidade Chaves-Verín, AECT.
(Estes Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial foram criados no contexto da integração da Cooperação Territorial Europeia, e visam promover a cooperação territorial - transfronteiriça, transnacional e interregional, reforçando assim a coesão económica e social no território da União Europeia).

Fomos recebidos pelo Bruno Rúa, um jovem historiador, que nos proporcionou, com a sua simpatia e o conhecimento profundo da realidade e da história desta região, uma enriquecedora jornada que preencheu toda a manhã de domingo.

O percurso iniciou-se pela Praça de Mercede e prosseguiu pelo centro histórico, onde pudemos apreciar as fachadas dos velhos edifícios, ostentando os seus escudos heráldicos, símbolos das famílias poderosas do seu tempo: os Salgado, os Figueroa, os Feijoó e os Fonseca, entre outros. Infelizmente, o estado de abandono de alguns deles, não reflecte a sua importância histórica.

Um dos edifícios que mais chamou a nossa atenção, foi a Casa dos Acevedo, com os seus balcões no alto e cujo magnífico escudo heráldico, merece uma referência especial.
Por ser dia de celebração de São Lázaro, tivemos a oportunidade de nos cruzarmos com a procissão em honra deste santo. Como reflexo da colaboração transfronteiriça, registámos que a banda de música que integrava a procissão, era oriunda da cidade de Chaves.
Uma referência ao Albergue de Peregrinos, ponto importante no Caminho de Santiago, que por aqui passa, e à Capela de São Lázaro que ostenta uma rara representação do diabo, sob a forma de um animal, na imagem de uma santa.

Partimos então à conquista do derradeiro objectivo da visita: o Castelo de Monterrei! Edificado no século XII por Afonso Henriques, passou para o reino de Leão e Castela em 1137 em virtude do Tratado de Tui.

Funcionou não só como fortaleza, mas também como centro urbano, tendo-se instalado nele a primeira prensa de imprimir da Galiza. Teve um papel fundamental nas guerras fronteiriças com Portugal, no século XVII e constitui, ainda hoje, uma imponente fortificação medieval, declarada Monumento Nacional. No seu interior ergue-se a igreja românica, a torre de Menagem e a torre das Damas, em torno da qual cresceu o palácio renascentista.

O acesso a esta área está actualmente interdito, devido às obras que estão a decorrer, e que se prendem com a decisão do município, que tem encontrado uma forte oposição da população, de transferir para as instalações do castelo o parador que existe numa colina próxima.

O passeio chegava ao fim. Para arranjar forças para a caminhada de regresso à nossa Lisboa, à distância de perto de 500 quilómetros, impunha-se um almoço de empanturrar… e nada melhor que um avantajado pernil regado com um tinto da região.

As mais de cinco horas que levámos a percorrer o espaço entre Verín e Lisboa, convidavam a um balanço sobre aquilo que vimos, ouvimos e aprendemos e, inevitavelmente, o pensamento do Mestre Nadir impôs-se nas nossas mentes.

Em jeito de homenagem, e também como desafio à nossa reflexão, fechamos esta crónica com uma citação sua, precisamente sobre o tempo e o espaço: “O tempo não existe a priori na natureza. É uma invenção humana gerada a partir dos movimentos dos corpos e do espaço percorrido por eles”.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabéns por visitarem a nossa região.

Foi muito enriquecedor acompanhar um grupo, tão ilustre.

Obrigado,

C. Silva

29/6/15 10:46  
Anonymous Anónimo said...

Parabéns por visitarem a nossa região.

Foi muito enriquecedor acompanhar um grupo, tão ilustre.

Obrigado,

C. Silva

29/6/15 10:46  
Anonymous Anónimo said...

Excelente narrativa!

A expressividade e a envolvência levam o leitor a participar, com “todos os sentidos”, na viagem do grupo.

Parabéns e os nossos agradecimentos pelo feedback.

Cordiais cumprimentos.

Rodrigo Moreira
(Arquitecto - Guiou o Atrium no Museu do Nadir em Chaves)

17/4/18 15:14  

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