25 Abril 74 - as memórias do Jorge
Em abril de 1974, eu tinha 25
anos e trabalhava numa metalúrgica na cintura industrial de Lisboa, mais
exatamente na Quinta do Paizinho.
Nessa manhã, como habitualmente ao acordar, liguei o transístor. Estranhei o “aqui comando das forças armadas…” e comentei com a Fátima que algo estava a acontecer. Como quase toda a população também nós fomos apanhados de surpresa. Continuei a rotina e por volta das sete horas já estava na paragem da camioneta. Encontrei lá um operário, conhecido de vista. A excitação venceu e meti conversa:
- Ouviu alguma coisa sobre o que se está a passar no país? Parece que houve um golpe de estado.
A resposta veio rápida e foi mais ou menos isto:
- Oiça, eu não percebo nada de política nem me interessa, a minha política é o trabalho.
Ficámos por ali. Era uma resposta muito comum naqueles tempos.
Na fábrica, pelas oito horas, o ruído das máquinas fez-se ouvir e tudo parecia decorrer com normalidade.
Alguém nos chamou à atenção para uma coluna militar que se deslocava pela Estrada de Sintra em direção a Lisboa. Corremos para as janelas ainda a tempo de ver os camiões. Este facto, alguns rumores e umas poucas notícias que chegavam, iam desestabilizando o ambiente, à medida que o tempo passava.
Recordo que foram as operárias da secção de montagem, as primeiras a expressar sinal de preocupação. Falavam dos filhos e de familiares que tinham deixado em casa. Muitas delas residentes ali perto, no bairro de barracas que ladeava o Estrada Militar de Circunvalação e nas pré-fabricadas do Bairro da Boa Vista.
Já eram poucos os que se mantinham nos postos. As conversas generalizavam-se e as máquinas deixaram de se ouvir. Os mais afoitos começaram a sair e, aos poucos, outros seguiram-lhes o exemplo. Em pouco tempo só restava o guarda da fábrica.
Ainda não tinha acabado a manhã e também eu já estava na Baixa a viver todo aquele alvoroço, no acompanhar dos militares revoltosos para onde quer que fossem. Gente, muita gente, a gritar vitória e a soltar vivas. Não havia informação atualizada ou fidedigna sobre a evolução do movimento, mas ninguém parecia importar-se. Falava-se de rendições, do sucesso do golpe, até de muitas outras coisas que nunca existiram nem aconteceram. A primeira conquista estava assegurada, ali mesmo, na rua, pessoas falavam livremente sem qualquer tipo de receios e sobre o que lhes dava na gana.
Mais à frente, do cimo duma viatura militar, um soldado lançava munições de G3 aos que o rodeavam. Ainda tenho uma que guardo com carinho.
Jorge, em Abril 2020.
Nessa manhã, como habitualmente ao acordar, liguei o transístor. Estranhei o “aqui comando das forças armadas…” e comentei com a Fátima que algo estava a acontecer. Como quase toda a população também nós fomos apanhados de surpresa. Continuei a rotina e por volta das sete horas já estava na paragem da camioneta. Encontrei lá um operário, conhecido de vista. A excitação venceu e meti conversa:
- Ouviu alguma coisa sobre o que se está a passar no país? Parece que houve um golpe de estado.
A resposta veio rápida e foi mais ou menos isto:
- Oiça, eu não percebo nada de política nem me interessa, a minha política é o trabalho.
Ficámos por ali. Era uma resposta muito comum naqueles tempos.
Na fábrica, pelas oito horas, o ruído das máquinas fez-se ouvir e tudo parecia decorrer com normalidade.
Alguém nos chamou à atenção para uma coluna militar que se deslocava pela Estrada de Sintra em direção a Lisboa. Corremos para as janelas ainda a tempo de ver os camiões. Este facto, alguns rumores e umas poucas notícias que chegavam, iam desestabilizando o ambiente, à medida que o tempo passava.
Recordo que foram as operárias da secção de montagem, as primeiras a expressar sinal de preocupação. Falavam dos filhos e de familiares que tinham deixado em casa. Muitas delas residentes ali perto, no bairro de barracas que ladeava o Estrada Militar de Circunvalação e nas pré-fabricadas do Bairro da Boa Vista.
Já eram poucos os que se mantinham nos postos. As conversas generalizavam-se e as máquinas deixaram de se ouvir. Os mais afoitos começaram a sair e, aos poucos, outros seguiram-lhes o exemplo. Em pouco tempo só restava o guarda da fábrica.
Ainda não tinha acabado a manhã e também eu já estava na Baixa a viver todo aquele alvoroço, no acompanhar dos militares revoltosos para onde quer que fossem. Gente, muita gente, a gritar vitória e a soltar vivas. Não havia informação atualizada ou fidedigna sobre a evolução do movimento, mas ninguém parecia importar-se. Falava-se de rendições, do sucesso do golpe, até de muitas outras coisas que nunca existiram nem aconteceram. A primeira conquista estava assegurada, ali mesmo, na rua, pessoas falavam livremente sem qualquer tipo de receios e sobre o que lhes dava na gana.
Mais à frente, do cimo duma viatura militar, um soldado lançava munições de G3 aos que o rodeavam. Ainda tenho uma que guardo com carinho.
Jorge, em Abril 2020.
5 Comments:
Mais um interessante testemunho de como se viveu o 25 abril de 74, desta vez no meio fabril da periferia da Lisboa.
Aos poucos estes depoimentos vão dando as várias visões daquele momento tão importante na nossa história recente.
Um abraço ao Jorge e à comunidade do Atrium
Operário fabril e eu desenhador. Mas vivemos os momentos seguramente com a mesma intensidade. Viva o 25 de Abril
Como se dizia nos momentos mais quentes do dito "PREC", "camaradas operários unidos venceremos". Esta ideia vem de uma vivência politica que tive na zona de Alcântara, muita marcada por um operariado ligado às empresas de forte pendor reivindicativo: Lisnave, CUF, Carris,... Nesse ambiente havia também os estudantes do ISA, que eram maioritariamente ML's.
Então a questão muitas vezes discutida era: quem são os verdadeiros revolucionários? claro que para aquela rapaziada só era revolucionário quem fosse operário, os outros deviam segui-los.
Para além destas pequenas estórias, gostei de saber que o nosso "operário" Jorge viveu , como eu, o dia 25 de abril com grande intensidade e grande esperança.
Abraço.
Jorginho
Como referes “A minha politica é o trabalho...Era uma resposta comum naqueles tempos”
O meu irmão que era mais velho do que eu 15 anos, dizia-me antes do 25 de Abril “não te metas em politicas”, também era uma frase comum naquela época e ainda hoje.
Emocionante teres o privilégio de guardares uma munição de G3 lançada do cimo de uma viatura militar e que ainda guardas. Arrisco dizer que consigo ver a alegria nos teus olhos, quando te lembras desse momento.
Entre muitos momentos desse dia, tiveste esse, que ainda hoje recordas com carinho e que a vida ou a ousadia te ofereceu, ESTARES NO SÍTIO CERTO À HORA CERTA.
...
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
...
Ary dos Santos
A recordar, O BLOGUE NÃO PODE PARAR
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