25 Abril 74 - as memórias do Pedro Esteves
Tinha 27 anos. Desde meados de 1973 estava em França
como desertor da guerra colonial. Pensava ter partido para sempre.
No entanto esta convicção já começara a ser questionada: no início de 1974 lera, no «Le Monde» (num artigo do Mário Soares?) que o exército português andava descontente.
Penso que na manhã do dia 25 de Abril li, por acaso, na primeira página de um jornal francês afixado num quiosque, um título espantoso; acho que telefonei de imediato para uma das pessoas portuguesas com quem me dava por lá, mas quase nada se sabia. Instalou-se em mim um sentimento de encruzilhada e de esperança.
Entre os meus pertences tinha um pequeno rádio; quando me deitei procurei nele uma emissora portuguesa; a que encontrei tinha um som muito fraquinho e oscilante; o que consegui perceber era demasiado vago, embora parecesse confirmar que acontecera algo de importante. Acabei por adormecer agarrado à expectativa do dia seguinte...
Rapidamente soubemos coisas mais concretas sobre o que tinha acontecido. Os portugueses a que estava ligado achavam que o nosso país só mudaria através de uma «revolução proletária». Lembro-me de, num dos dias seguintes, ter comentado, resignadamente, a um deles: «fomos ultrapassados...».
Regressei no início de Julho, quando as coisas por cá pareciam estar clarificadas. Apanhei boleia num camião TIR; a entrada no País Basco, ainda sob o franquismo, foi um susto; mas em Vilar Formoso os nossos militares estavam mais interessados em ver televisão do que em controlar papéis.
Não fiquei entusiasmado com o que fui vendo aqui. Certamente perdi as iniciativas e lutas que foram mais interessantes, mas a única que conheci melhor, a das operárias da Sogantal, era um bocado triste. Iam lá uns tantos não operários, com um paleio muito enrolado, doutrinar aquelas meninas. E elas precisavam de tudo menos desta conversa.
A malta urbana continuava muito parecida ao que era antes do 25 de Abril; nas associações de que me aproximei mediam-me logo de alto-a-baixo, para saber o que queria eu dali; vi muita vaidade revolucionária expressa publicamente. Pelo que pouco a pouco fui descobrindo gente que ensaiava o que se poderia fazer pela liberdade nas margens do novo regime; para mim, o mais interessante do «25 de Abril» foram os vinte anos seguintes.
Pedro Esteves, em Abril 2020
No entanto esta convicção já começara a ser questionada: no início de 1974 lera, no «Le Monde» (num artigo do Mário Soares?) que o exército português andava descontente.
Penso que na manhã do dia 25 de Abril li, por acaso, na primeira página de um jornal francês afixado num quiosque, um título espantoso; acho que telefonei de imediato para uma das pessoas portuguesas com quem me dava por lá, mas quase nada se sabia. Instalou-se em mim um sentimento de encruzilhada e de esperança.
Entre os meus pertences tinha um pequeno rádio; quando me deitei procurei nele uma emissora portuguesa; a que encontrei tinha um som muito fraquinho e oscilante; o que consegui perceber era demasiado vago, embora parecesse confirmar que acontecera algo de importante. Acabei por adormecer agarrado à expectativa do dia seguinte...
Rapidamente soubemos coisas mais concretas sobre o que tinha acontecido. Os portugueses a que estava ligado achavam que o nosso país só mudaria através de uma «revolução proletária». Lembro-me de, num dos dias seguintes, ter comentado, resignadamente, a um deles: «fomos ultrapassados...».
Regressei no início de Julho, quando as coisas por cá pareciam estar clarificadas. Apanhei boleia num camião TIR; a entrada no País Basco, ainda sob o franquismo, foi um susto; mas em Vilar Formoso os nossos militares estavam mais interessados em ver televisão do que em controlar papéis.
Não fiquei entusiasmado com o que fui vendo aqui. Certamente perdi as iniciativas e lutas que foram mais interessantes, mas a única que conheci melhor, a das operárias da Sogantal, era um bocado triste. Iam lá uns tantos não operários, com um paleio muito enrolado, doutrinar aquelas meninas. E elas precisavam de tudo menos desta conversa.
A malta urbana continuava muito parecida ao que era antes do 25 de Abril; nas associações de que me aproximei mediam-me logo de alto-a-baixo, para saber o que queria eu dali; vi muita vaidade revolucionária expressa publicamente. Pelo que pouco a pouco fui descobrindo gente que ensaiava o que se poderia fazer pela liberdade nas margens do novo regime; para mim, o mais interessante do «25 de Abril» foram os vinte anos seguintes.
Pedro Esteves, em Abril 2020
5 Comments:
Mais um interessante testemunho sobre o 25 de Abril de 1974, desta vez de alguém, o nosso amigo Pedro, que tinha desertado para terras de França numa recusa corajosa de participar na Guerra Colonial.
A importância do acto libertador de Abril de 74, na mudança radical da vida dos homens e das mulheres que se tinham exilado por motivos políticos, ressalta bem na crónica do Pedro, quando ele diz que “pensava ter partido para sempre” e que, passados cerca de dois meses, tinha voltado em liberdade à sua terra e ao nosso convívio.
Abraços ao Pedro e ao colectivo do Atrium
Gostei do teu testemunho Pedro.
Abraço
Fernando Menezes
Importante testemunho. A diversidade dos depoimentos são a sua riqueza . Uma Revolução libertadora como o 25 não podia gerar outra coisa.
Como to dizes o processo que se seguiu não foi fácil. Houve contradições , desconfianças, etc.
Mas numa explosão libertadora que põe em cacos uma velha ordem isso era inevitável.
Grande abraço Pedro
José Carlos, eu não regressei passados 2 meses, mas sim 12 meses!
Foram intensíssimos!
Peço desculpa da falha de 10 meses. De qualquer modo a ideia que eu queria exprimir mantém-se na mesma: era que alguém que "pensava ter partido para sempre", voltou em plena liberdade ao nosso convívio, após 12 meses, e isto graças à Revolução de Abril.
Um grande abraço para o Pedro.
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