Da Lapa a S. Paulo, numa luminosa manhã de Outono
O Atrium retomou, no passado dia 29 de Outubro, os
Itinerários Lisboetas, com um passeio ao longo daquela que foi uma das grandes
vias de entrada na cidade antiga, que se estende à beira do rio Tejo, desde a
Rocha Conde de Óbidos até S. Paulo.
O encontro foi de manhã, no jardim 9 de Abril (designação que homenageia os soldados portugueses que lutaram na tristemente célebre Batalha de La Lys, em 1918, na 1ª Grande Guerra), também conhecido como jardim da Rocha Conde de Óbidos, situado junto ao Museu Nacional de Arte Antiga.
E foi sentados no grande banco corrido e circular, sob a luz quente das folhas douradas pelo Outono, que ouvimos as primeiras explicações dadas pelo Albano, o organizador e o animador desta actividade.
Após um pequeno passatempo acerca de uma instalação existente no local, evocando a memória de todos os postais enviados, visitámos a Galeria do MNAA dedicada à Pintura e Escultura Portuguesas. Aqui tivemos a oportunidade de apreciar o quadro Adoração dos Magos, pintado por Domingos Sequeira em 1828, que foi adquirido por subscrição pública, no âmbito de uma feliz campanha intitulada “Vamos pôr o Sequeira no lugar certo”.
Depois de um retemperador café tomado no bonito jardim do MNAA, lá arrancámos para o percurso que se iniciou no Largo Dr. José de Figueiredo, onde se situa o Chafariz das Janelas Verdes, e prosseguiu pela Rua das Janelas Verdes onde pudemos apreciar, além de outros motivos de interesse, o palácio que inspirou Eça de Queirós para a criação do Ramalhete, a residência da família Maia em Lisboa, no romance Os Maias. Na realidade tratava-se de um antigo palácio urbano da família Taborda, de quem Eça era amigo íntimo, e onde hoje existe um hotel de charme, no número 92 da Rua das Janelas Verdes, que adoptou para si o nome do romance, é o hotel Palácio Ramalhete.
A paragem seguinte foi no Convento dos Marianos onde, desde meados do século XIX, se encontra instalada a Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, de comunhão anglicana. Ligeiramente retirada da face da rua, possui uma aparência discreta que a torna desconhecida à maioria dos lisboetas.
Do livro “Peregrinações em Lisboa” de Norberto Araújo, transcrevemos esta breve descrição: “O Convento dos Marianos, dos religiosos carmelitas descalços, foi fundado neste sítio em 1606, sobre chãos que aqui possuíam Vasco Fernandes César e Francisco Soares, foreiros das comendadeiras de Santos-o-Velho; começado a habitar em 1611, recebeu a invocação de N. Senhora dos Remédios. O Terramoto não o abalou muito. Em 1834, pela extinção das ordens, ficou na Igreja, apenas um capelão, a Cerca foi alugada e depois vendida, e o Convento passou a servir de aquartelamento e depósito militar.
A fachada tem um interesse relativo, mas não é trivial: Pórtico com três colunas que dão para uma pequena galilé, velha torre sineira e ausência de cruz ao alto."
Acrescentaremos que em 1872 o edifício é posto em hasta pública, a igreja, já abandonada e sem o seu recheio, é adquirida pela Igreja da Escócia (Presbiteriana), e parte do convento alugado ao hotel York House, que ainda hoje ali se mantém.
Finalmente em 1898, o conjunto é comprado pela Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, passando a albergar a respectiva catedral e paróquia de S. Paulo.
Prosseguimos até ao largo fronteiriço à Igreja de Santos-o-Velho, onde fizemos uma pausa para apreciarmos o local, situado no final da Rua das Janelas Verdes, com uma privilegiada posição sobre o Rio Tejo. Esta paragem foi também aproveitada para várias intervenções de alguns caminhantes, versando aspectos relacionados com este local.
O Albano forneceu um conjunto de informações sobre a Igreja, que a seguir resumimos: A igreja possui na fachada principal um baixo-relevo com as figuras de três mártires-crianças do Cristianismo, Veríssimo, Júlia e Máxima que, segundo reza a lenda, terão sido condenados à morte no ano de 308 pelo poder político Romano.
O templo original, construído sobre o túmulo dos mártires, serviu para perpetuar a memória destas três antigas crianças lisboetas e foi erigido no período tardo-romano, em pleno Século IV. Destruído posteriormente, possivelmente durante a ocupação Muçulmana da Península Ibérica, foi reconstruído depois da Conquista de Lisboa, em 1147, por Dom Afonso Henriques. O seu filho, Dom Sancho I, ter-lhe-á dado uma nova dignidade, aumentando o templo, elevando-o à condição de igreja e juntando-lhe o edifício do convento, onde hoje funciona a Embaixada de França.
O convento, entretanto entregue à Ordem de Santiago, foi também espaço de relevo em diversos momentos da nossa História, tendo ficado ligado à desgraçada saga Nacional de 1578, quando pela mão do Rei Dom Sebastião, Portugal se perdeu na Batalha de Alcácer Quibir. Diz ainda a lenda que o rei, que muito gostava de passar temporadas neste espaço, ali ouviu Missa pela última vez antes de embarcar para a sua derradeira viagem e que terá sido ali mesmo, algum tempo antes, que tomou a decisão que acabou por resultar na perda da independência de Portugal.
A seguir o José Carlos falou sobre o Aterro da Boa Vista, que constituiu na sua época, uma das maiores obras públicas realizadas. A sua construção iniciou-se em 1855, e consistiu na ligação do Cais do Sodré a Alcântara, através do que é hoje a Av. 24 de Julho, conquistando terrenos ao rio. A zona era anteriormente uma enseada de atracação de embarcações delimitada por um caminho à beira-rio, onde é actualmente a Rua da Boavista. Até ao princípio do séc. XIX, as descrições da Boavista referem a sua insalubridade causada pela acumulação de lodos e detritos urbanos.
Para ilustrar a importância desta obra na sociedade lisboeta, foi recordado que na obra de Eça de Queirós são inúmeras as referências ao Aterro (por exemplo em Os Maias, A Capital, Alves & C.ª), que para o autor constituía um espaço para onde os personagens iam passear, refletir ou viver aquilo que a sociedade da época não lhes permitia, simbolicamente era um espaço de liberdade. No final foram lidas algumas passagens de Os Maias, nas quais o Aterro ocupa um papel relevante.
Por último a Maria leu uns versos do poema O Sentimento dum Ocidental" de Cesário Verde (de 1880), no qual o poeta deambula pela cidade de Lisboa, passando pelo cais junto ao Tejo e pelas ruas limítrofes, descrevendo o espaço, a gente que passa ou que trabalha, ambientes, e enuncia as suas sensações. Nestes versos, que a seguir se transcrevem, a personagem descrita é a varina lisboeta.
A visita terminou, na rua de S. Paulo, junto aos antigos Banhos de São Paulo, onde actualmente está instalada a sede da Ordem dos Arquitectos.
Como o estômago já estava a reclamar, o almoço fez-se numa esplanada da Praça de S. Paulo, sob um convidativo sol de outono, que nos acompanhou durante todo o percurso, tornando ainda mais luminosa esta manhã.
O encontro foi de manhã, no jardim 9 de Abril (designação que homenageia os soldados portugueses que lutaram na tristemente célebre Batalha de La Lys, em 1918, na 1ª Grande Guerra), também conhecido como jardim da Rocha Conde de Óbidos, situado junto ao Museu Nacional de Arte Antiga.
E foi sentados no grande banco corrido e circular, sob a luz quente das folhas douradas pelo Outono, que ouvimos as primeiras explicações dadas pelo Albano, o organizador e o animador desta actividade.
Após um pequeno passatempo acerca de uma instalação existente no local, evocando a memória de todos os postais enviados, visitámos a Galeria do MNAA dedicada à Pintura e Escultura Portuguesas. Aqui tivemos a oportunidade de apreciar o quadro Adoração dos Magos, pintado por Domingos Sequeira em 1828, que foi adquirido por subscrição pública, no âmbito de uma feliz campanha intitulada “Vamos pôr o Sequeira no lugar certo”.
Depois de um retemperador café tomado no bonito jardim do MNAA, lá arrancámos para o percurso que se iniciou no Largo Dr. José de Figueiredo, onde se situa o Chafariz das Janelas Verdes, e prosseguiu pela Rua das Janelas Verdes onde pudemos apreciar, além de outros motivos de interesse, o palácio que inspirou Eça de Queirós para a criação do Ramalhete, a residência da família Maia em Lisboa, no romance Os Maias. Na realidade tratava-se de um antigo palácio urbano da família Taborda, de quem Eça era amigo íntimo, e onde hoje existe um hotel de charme, no número 92 da Rua das Janelas Verdes, que adoptou para si o nome do romance, é o hotel Palácio Ramalhete.
A paragem seguinte foi no Convento dos Marianos onde, desde meados do século XIX, se encontra instalada a Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, de comunhão anglicana. Ligeiramente retirada da face da rua, possui uma aparência discreta que a torna desconhecida à maioria dos lisboetas.
Do livro “Peregrinações em Lisboa” de Norberto Araújo, transcrevemos esta breve descrição: “O Convento dos Marianos, dos religiosos carmelitas descalços, foi fundado neste sítio em 1606, sobre chãos que aqui possuíam Vasco Fernandes César e Francisco Soares, foreiros das comendadeiras de Santos-o-Velho; começado a habitar em 1611, recebeu a invocação de N. Senhora dos Remédios. O Terramoto não o abalou muito. Em 1834, pela extinção das ordens, ficou na Igreja, apenas um capelão, a Cerca foi alugada e depois vendida, e o Convento passou a servir de aquartelamento e depósito militar.
A fachada tem um interesse relativo, mas não é trivial: Pórtico com três colunas que dão para uma pequena galilé, velha torre sineira e ausência de cruz ao alto."
Acrescentaremos que em 1872 o edifício é posto em hasta pública, a igreja, já abandonada e sem o seu recheio, é adquirida pela Igreja da Escócia (Presbiteriana), e parte do convento alugado ao hotel York House, que ainda hoje ali se mantém.
Finalmente em 1898, o conjunto é comprado pela Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, passando a albergar a respectiva catedral e paróquia de S. Paulo.
Prosseguimos até ao largo fronteiriço à Igreja de Santos-o-Velho, onde fizemos uma pausa para apreciarmos o local, situado no final da Rua das Janelas Verdes, com uma privilegiada posição sobre o Rio Tejo. Esta paragem foi também aproveitada para várias intervenções de alguns caminhantes, versando aspectos relacionados com este local.
O Albano forneceu um conjunto de informações sobre a Igreja, que a seguir resumimos: A igreja possui na fachada principal um baixo-relevo com as figuras de três mártires-crianças do Cristianismo, Veríssimo, Júlia e Máxima que, segundo reza a lenda, terão sido condenados à morte no ano de 308 pelo poder político Romano.
O templo original, construído sobre o túmulo dos mártires, serviu para perpetuar a memória destas três antigas crianças lisboetas e foi erigido no período tardo-romano, em pleno Século IV. Destruído posteriormente, possivelmente durante a ocupação Muçulmana da Península Ibérica, foi reconstruído depois da Conquista de Lisboa, em 1147, por Dom Afonso Henriques. O seu filho, Dom Sancho I, ter-lhe-á dado uma nova dignidade, aumentando o templo, elevando-o à condição de igreja e juntando-lhe o edifício do convento, onde hoje funciona a Embaixada de França.
O convento, entretanto entregue à Ordem de Santiago, foi também espaço de relevo em diversos momentos da nossa História, tendo ficado ligado à desgraçada saga Nacional de 1578, quando pela mão do Rei Dom Sebastião, Portugal se perdeu na Batalha de Alcácer Quibir. Diz ainda a lenda que o rei, que muito gostava de passar temporadas neste espaço, ali ouviu Missa pela última vez antes de embarcar para a sua derradeira viagem e que terá sido ali mesmo, algum tempo antes, que tomou a decisão que acabou por resultar na perda da independência de Portugal.
A seguir o José Carlos falou sobre o Aterro da Boa Vista, que constituiu na sua época, uma das maiores obras públicas realizadas. A sua construção iniciou-se em 1855, e consistiu na ligação do Cais do Sodré a Alcântara, através do que é hoje a Av. 24 de Julho, conquistando terrenos ao rio. A zona era anteriormente uma enseada de atracação de embarcações delimitada por um caminho à beira-rio, onde é actualmente a Rua da Boavista. Até ao princípio do séc. XIX, as descrições da Boavista referem a sua insalubridade causada pela acumulação de lodos e detritos urbanos.
Para ilustrar a importância desta obra na sociedade lisboeta, foi recordado que na obra de Eça de Queirós são inúmeras as referências ao Aterro (por exemplo em Os Maias, A Capital, Alves & C.ª), que para o autor constituía um espaço para onde os personagens iam passear, refletir ou viver aquilo que a sociedade da época não lhes permitia, simbolicamente era um espaço de liberdade. No final foram lidas algumas passagens de Os Maias, nas quais o Aterro ocupa um papel relevante.
Por último a Maria leu uns versos do poema O Sentimento dum Ocidental" de Cesário Verde (de 1880), no qual o poeta deambula pela cidade de Lisboa, passando pelo cais junto ao Tejo e pelas ruas limítrofes, descrevendo o espaço, a gente que passa ou que trabalha, ambientes, e enuncia as suas sensações. Nestes versos, que a seguir se transcrevem, a personagem descrita é a varina lisboeta.
Vazam-se
os arsenais e as oficinas
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm
sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Descalças!
Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
Depois de visitado o interior da Igreja, rumamos até ao Chafariz
da Esperança, passando pelo bairro do Mocambo, que constitui um caso raro de um
bairro com um nome africano, numa cidade europeia (Mocambo em umbundo significa
“pequena aldeia, lugar de refúgio”). Ele foi criado por alvará régio no final
do séc. XVI, e nele se misturavam negros e pescadores.
A paragem seguinte foi no Bairro da Bica, mais precisamente
no pátio onde se situa a bica que dá o nome ao bairro, que infelizmente está
bastante escondida e num triste estado de degradação.A visita terminou, na rua de S. Paulo, junto aos antigos Banhos de São Paulo, onde actualmente está instalada a sede da Ordem dos Arquitectos.
Como o estômago já estava a reclamar, o almoço fez-se numa esplanada da Praça de S. Paulo, sob um convidativo sol de outono, que nos acompanhou durante todo o percurso, tornando ainda mais luminosa esta manhã.
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