quinta-feira, março 17, 2016

No Templo da Poesia o Atrium subiu ao convés do Beagle e, na companhia de Darwin, viajou à descoberta da Origem das Espécies


A manhã do dia 27 de Fevereiro apresentou-se fria e chuvosa, pouco convidativa, sequer para sair de casa, quanto mais para arrostar com uma viagem de cerca de 5 anos, que nos iria levar até ao extremo sul do continente americano, contornar o terrível cabo Horn e regressar, atravessando os oceanos Pacífico e Índico…
Mas foi exactamente isso que sucedeu aos intrépidos viajantes que compareceram no Templo da Poesia do Parque dos Poetas, no concelho de Oeiras. O desejo de aventura e de enfrentar o desconhecido, o mesmo que guiou a gesta dos navegadores portugueses de mil e quatrocentos, afinal ainda permanece bem vivo, nesta época dos e-mails, dos facebooks dos twitters e de outras redes, ditas sociais.
Com a competente intermediação do biólogo Fernando Jorge, que nos introduziu junto do célebre naturalista inglês, pudemos viver a extraordinária aventura, aqui recreada neste Templo da Poesia.
A visita iniciou-se com a subida da escadaria na qual o crescimento de Darwin, até à idade da sua partida, aos 22 anos, nos é revelado através de excertos dos poemas de uma sua trisneta, Ruth Padel.
Chegados ao 2º piso, aqui a máquina do tempo fez-nos retroceder a Dezembro de 1831, e lá embarcámos no Beagle, sob o comando do capitão Robert FitzRoy, para a extraordinária aventura: a primeira paragem foi na ilha vulcânica de Santiago no Arquipélago do Cabo Verde, onde Darwin começa a escrever o seu Diário, seguem-se Salvador, Rio de Janeiro, Uruguai, Montevidéu, Argentina, Patagónia, Chile, Ilha Galápagos, Haiti, Nova Zelândia, Austrália, África do Sul, Baía e, finalmente, após uma última paragem para reabastecimento na ilha Terceira nos Açores, o retorno a Inglaterra, 4 anos e 9 meses depois.
Não faremos aqui a descrição detalhada desta insólita aventura, tantos foram os momentos que nos surpreenderam e que enriqueceram o nosso conhecimento sobre a evolução biológica das espécies, pelo que nos limitamos a um breve resumo do percurso de Darwin e das suas contribuições para a evolução da ciência e do modo como vemos o Universo, o Mundo e o Homem.
Darwin nasce em 1809, no condado de Shropshire, Inglaterra, e aos 17 anos ingressa na Universidade de Edimburgo, no curso de medicina. As aulas, excessivamente teóricas, aborrecem-no abandonando o curso pouco tempo depois. Matricula-se então na Universidade de Cambridge, onde conhece John Henslow, professor de Botânica, que iria ter um papel determinante na sua vida. Com ele aprendeu o fundamental sobre as técnicas de observação e amostragem, tornando-se um colecionador obsessivo, e é através do próprio Henslow que tem conhecimento da necessidade de um naturalista para embarcar no Beagle, um navio da Marinha Real Britânica, que iria partir com o objectivo de cartografar as costas da América do Sul.
E é assim que tudo começa. A sua missão a bordo seria a de tirar notas e colher amostras de tudo o que se mostrasse interessante para a história natural, desde a geologia até à botânica ou à zoologia.
Houve três momentos que se mostraram decisivos para despertar em Darwin a ideia daquilo que viria a ser mais tarde sistematizado na teoria da evolução: os fósseis encontrados na Patagónia, a distribuição geográfica da ema e a diversidade da vida animal no Arquipélago de Galápagos.
Aqui constatou as diferenças existentes nos seres vivos, que apesar de serem muito semelhantes, apresentavam características específicas e distintas, de ilha para ilha, o que o levou a pensar que teriam tido origem na mesma espécie. Foi esta constatação que influenciou verdadeiramente Darwin para a elaboração da sua teoria da evolução das espécies.
De volta a Inglaterra desenvolve aí os seus estudos e conclui a teoria da evolução por meio de selecção natural, que consiste resumidamente num mecanismo de competição em que a mutabilidade de certas espécies lhes permite uma melhor adaptação ao meio e, desse modo, as torna mais eficientes e mais capazes a passar os seus genes à descendência, preservando assim essa evolução, de geração em geração. A acumulação dessas diferenças resultará, ao longo de milhões de anos, no aparecimento de novas espécies.
Darwin decide então publicar a sua teoria em livro, e em pouco menos de um ano completa e publica A Origem das Espécies, em Novembro de 1859. O livro com uma tiragem inicial de 1.250 exemplares esgotou-se no primeiro dia de vendas, sendo um sucesso tanto na Grã-Bretanha como no resto do mundo.
O livro desencadeia uma discussão que ultrapassou o âmbito académico, pois chocava com a crença religiosa da criação, que afirmava que Deus tinha criado o homem e todas as espécies animais e plantas e que todos se mantêm iguais, e possuem as mesmas características, desde o início até hoje.
Em jeito de conclusão, podemos pois dizer que Darwin contribuiu para que nós, seres humanos, pudéssemos compreender melhor que, aquilo que somos hoje, foi o produto de um longo processo de desenvolvimento de milhões de anos. Darwin veio a falecer a 19 de Abril de 1882, com 73 anos, e encontra-se sepultado na abadia de Westminster, em Londres.
Stephen Jay Gould, um paleontólogo e biólogo evolucionista dos Estados Unidos, reconhecido como o mais lido e conhecido divulgador científico da sua geração, resume de um modo claro e conciso este nosso percurso, na face do planeta Terra:
“Existimos porque um grupo particular de peixes tinha uma anatomia de barbatanas peculiar, que se pôde transformar em pernas de seres terrestres; porque os cometas atingiram a terra e eliminaram os dinossáurios, dando assim aos mamíferos uma possibilidade, que não a teriam de outro modo; porque a terra nunca congelou completamente durante a era glacial; porque uma espécie pequena e tenaz, vinda de África há cerca de um quarto de um milhão de anos, conseguiu, até hoje, sobreviver por todos os meios. Poderíamos desejar uma resposta mais “elevada”, mas ela não existe.”
A manhã terminou com os viajantes retemperando as forças, abaladas pela longa viajem, num animado almoço de comida cantonesa, bem apropriado à extraordinária e singular aventura que tínhamos acabado de viver.