sábado, fevereiro 02, 2019

Na Gulbenkian apreciando a “vaste machine” de Eça de Queirós


Há cerca de 130 anos, foi publicado o romance Os Maias, que o seu autor, Eça de Queirós, apelidou de “vaste machine” e que, segundo as suas próprias palavras, “nele pôs tudo o que tinha no saco”.
Foi numa carta enviada ao seu amigo Ramalho Ortigão, que José Maria d’Eça de Queirós fez estas confissões, corria o ano de 1881.
Numa homenagem ao escritor, a Gulbenkian organizou a exposição “Tudo o que tenho no saco - Eça e Os Maias” onde, através da fotografia, pintura, escultura, música e filmes, caricaturas, cartas, crónicas e peças do espólio pessoal de Eça de Queirós, despejou literalmente o saco deste grande vulto da cultura nacional.
Tendo Os Maias como eixo principal, a exposição transporta-nos através da vida e da obra de Eça de Queirós, e foi nessa viagem que o Atrium embarcou no passado dia 28 de Janeiro, guiado pela Cristina Campos que, com os seus conhecimentos e simpatia, a tornou mais enriquecedora.
Por sua sugestão foi lido um texto do prólogo das Farpas no qual está evidenciada a sua intemporalidade no diagnóstico de formas de pensar e a sua actualidade na crítica às questões sociais, algumas delas ainda bem presentes nos nossos dias.
No âmbito do tema A Norma e o Desejo, através de passagens de algumas obras de Eça de Queirós, como o Primo Basílio, o Crime do Padre Amaro e Alves e Companhia, percebemos como o autor retrata os desejos de ascensão social e os desejos eróticos, e relacionado com estes, o quadro de Paula Rego sobre a Angústia do padre Amaro, mereceu uma atenção particular.
No que se refere ao romance Os Maias, que pretende ser um retrato do atraso e da decadência do país, recorde-se que aquando da sua edição, não recolheu um acolhimento entusiástico, em grande parte pela crítica implícita às classes dirigentes da altura, e só mais tarde foi considerado como um clássico da literatura em língua portuguesa.
Esta interessante exposição é composta por sete núcleos temáticos, cada um deles com uma particular visão sobre a obra de Eça de Queirós, são eles: “1888 – A Vasta Máquina”, “Aprendizagens”, “Guerra ao Romantismo”, “Norma e Desejo”, “Olhares Cruzados”, “A Arte é Tudo” e “Lugares”.
Eça de Queirós  passou grande parte da sua vida fora do país, sempre com prolongadas vindas a Portugal. Em 1872 desempenha funções consulares em Cuba e em Novembro de 1874 é nomeado cônsul em Newcastle. O resto da sua vida, passou-a no estrangeiro, vivendo em Inglaterra primeiro e em França depois, pelo que estava numa posição privilegiada para ter um olhar sobre a sociedade portuguesa, vista de fora.
E é exactamente esse olhar, fortemente crítico, que podemos captar nos seus escritos, como nesta carta dirigida ao seu amigo Joaquim de Araújo, escritor, poeta e diplomata, datada de 25 de Fevereiro de 1878: «Quando chego a Portugal, depois de um ano em Inglaterra há uma coisa que me deslumbra, e outra que me desola: deslumbram-me as fachadas caiadas, e desola-me a população anémica. Que figuras! O andar desengonçado, o olhar mórbido e acarneirado, cores de pele de galinha, um derreamento de rins, o aspeto de humores linfáticos, a passeata triste duma raça caquética em corredores de hospital: e depois um ar de vadiagem, de ora aqui vou, sim senhor, de madracice, olhando em redor com fadiga, o crânio exausto, e a unha comprida, para quebrar a cinza do cigarro, à catita.».









1 Comments:

Blogger CelesteMC said...

Gostei da exposição e do que a guia tinha no “saco".
Boa reportagem

2/2/19 23:30  

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