Na Gulbenkian apreciando a “vaste machine” de Eça de Queirós
Há cerca de
130 anos, foi publicado o romance Os Maias, que o seu autor, Eça de Queirós,
apelidou de “vaste machine” e que, segundo as suas próprias palavras, “nele pôs
tudo o que tinha no saco”.
Foi numa
carta enviada ao seu amigo Ramalho Ortigão, que José Maria d’Eça de Queirós fez
estas confissões, corria o ano de 1881.
Numa
homenagem ao escritor, a Gulbenkian organizou a exposição “Tudo o que tenho no
saco - Eça e Os Maias” onde, através da fotografia, pintura, escultura, música
e filmes, caricaturas, cartas, crónicas e peças do espólio pessoal de Eça de
Queirós, despejou literalmente o saco deste grande vulto da cultura nacional.
Tendo Os
Maias como eixo principal, a exposição transporta-nos através da vida e da obra
de Eça de Queirós, e foi nessa viagem que o Atrium embarcou no passado dia 28
de Janeiro, guiado pela Cristina Campos que, com os seus conhecimentos e
simpatia, a tornou mais enriquecedora.
Por sua
sugestão foi lido um texto do prólogo das Farpas no qual está evidenciada a sua
intemporalidade no diagnóstico de formas de pensar e a sua actualidade na
crítica às questões sociais, algumas delas ainda bem presentes nos nossos dias.
No âmbito do
tema A Norma e o Desejo, através de passagens de algumas obras de Eça de
Queirós, como o Primo Basílio, o Crime do Padre Amaro e Alves e Companhia,
percebemos como o autor retrata os desejos de ascensão social e os desejos
eróticos, e relacionado com estes, o quadro de Paula Rego sobre a Angústia
do padre Amaro, mereceu uma atenção particular.
No que se
refere ao romance Os Maias, que pretende ser um retrato do atraso e da
decadência do país, recorde-se que aquando da sua edição, não recolheu um acolhimento
entusiástico, em grande parte pela crítica implícita às classes dirigentes da
altura, e só mais tarde foi considerado como um clássico da literatura em
língua portuguesa.
Esta
interessante exposição é composta por sete núcleos temáticos, cada um deles com
uma particular visão sobre a obra de Eça de Queirós, são eles: “1888 – A Vasta
Máquina”, “Aprendizagens”, “Guerra ao Romantismo”, “Norma e Desejo”, “Olhares
Cruzados”, “A Arte é Tudo” e “Lugares”.
Eça de
Queirós passou grande parte da sua vida
fora do país, sempre com prolongadas vindas a Portugal. Em 1872 desempenha
funções consulares em Cuba e em Novembro de 1874 é nomeado cônsul em Newcastle.
O resto da sua vida, passou-a no estrangeiro, vivendo em Inglaterra primeiro e
em França depois, pelo que estava numa posição privilegiada para ter um olhar
sobre a sociedade portuguesa, vista de fora.
E é exactamente
esse olhar, fortemente crítico, que podemos captar nos seus escritos, como nesta
carta dirigida ao seu amigo Joaquim de Araújo, escritor, poeta e diplomata, datada
de 25 de Fevereiro de 1878: «Quando chego a Portugal, depois de um ano em
Inglaterra há uma coisa que me deslumbra, e outra que me desola: deslumbram-me
as fachadas caiadas, e desola-me a população anémica. Que figuras! O andar
desengonçado, o olhar mórbido e acarneirado, cores de pele de galinha, um
derreamento de rins, o aspeto de humores linfáticos, a passeata triste duma
raça caquética em corredores de hospital: e depois um ar de vadiagem, de ora
aqui vou, sim senhor, de madracice, olhando em redor com fadiga, o crânio
exausto, e a unha comprida, para quebrar a cinza do cigarro, à catita.».
1 Comments:
Gostei da exposição e do que a guia tinha no “saco".
Boa reportagem
Enviar um comentário
<< Home