quinta-feira, dezembro 13, 2018

Um sábado no sul, em terras alentejanas de Ferreira

  
Folheia-se o caderno e eis o sul
E o sul é a palavra. E a palavra
Desdobra-se
No espaço com suas letras de
Solstício e de solfejo
Além de ti
Além do Tejo.

 E foi mesmo para o sul - a palavra neste inspirado verso do Manuel Alegre - que as viaturas partiram de Lisboa, bem cedinho no passado sábado, 27 de Outubro, levando os atriunistas e amigos até à vila bem alentejana de Ferreira do Alentejo.
O encontro com o Francisco Horta, que nos iria guiar na visita, foi junto ao edifício da Câmara Municipal, na Praça do Comendador Infante Passanha.
Mas antes de iniciar a crónica da visita, uma pequena introdução à história desta simpática vila, cujo topónimo está relacionado com uma tradição popular, segundo a qual, por volta do século V, uma valente mulher, casada com um ferreiro, chefiou a defesa do povoado dos invasores bárbaros.
Os vestígios arqueológicos encontrados apontam para o povoamento do sítio já na época dos Romanos, tendo mesmo aqui existido um importante núcleo urbano, a cidade romana de Singa. Em 1233, no reinado de D. Sancho II, o concelho foi doado à Ordem de Santiago da Espada, como recompensa pelo seu papel na reconquista cristã da Península.
A Ordem promoveu o desenvolvimento e o cultivo das terras, que se encontravam então praticamente desertas, e construiu na zona alta de Ferreira um imponente castelo. Posteriormente, o domínio das terras passou para os duques de Aveiro e, depois da conspiração destes contra o rei D. José, passou para a Coroa.
Em 1838, o castelo, já em adiantado estado de ruína, foi demolido tendo sido construído no seu lugar o cemitério público.
O Património edificado de Ferreira do Alentejo possui uma forte componente religiosa, destacando-se a Igreja Matriz, do século XIV, no interior da qual se encontra uma imagem Nossa Senhora da Conceição, imagem essa que acompanhou o navegador português Vasco da Gama na descoberta do Caminho Marítimo para a Índia (ela apenas se encontra na igreja matriz por questões de segurança, pois é propriedade da Igreja de Nossa Senhora da Conceição), a Igreja da Misericórdia, do século XVI, com um bonito pórtico Manuelino, e onde está hoje instalado o Núcleo de Arte Sacra do Museu Municipal de Ferreira e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
A visita, valorizada pelos conhecimentos e pela simpatia do Francisco Horta, depois de se iniciar na Praça do Comendador Infante Passanha, uma agradável e tranquila praça com um bonito piso em calçada portuguesa, prosseguiu até à igreja Matriz após o que nos dirigimos até ao Museu Municipal de Ferreira.
Este museu, que ocupa parte da Casa Agrícola Jorge Ribeiro de Sousa, um interessante edifício com características arquitetónicas da segunda metade do século XIX, foi inaugurado em Outubro de 2004, e encerra um rico espólio que documenta a evolução da ocupação humana deste território, desde o 4.º milénio até ao século XIX, promovendo a divulgação dos bens culturais representativos do modo de vida das gentes do Concelho.
O objectivo seguinte foi o Núcleo de Arte Sacra do Museu Municipal de Ferreira, inaugurado em Dezembro de 2014, que se encontra instalado na antiga Igreja da Misericórdia, ocupando ainda parte das  instalações do antigo hospital.
O primeiro piso é dedicado, à ação religiosa e espiritual desenvolvida pela Santa Casa da Misericórdia de Ferreira do Alentejo, desde o ano de 1516, altura em que recebeu o seu compromisso das mãos do rei D. Manuel I, enquanto o segundo piso documenta a atividade assistencial e hospitalar, desde o século XV até aos nossos dias.
O nosso périplo por Ferreira concluiu-se na Casa do Vinho e do Cante, a antiga Adega do Lélito.
Com o objectivo de recuperar e preservar a memória das antigas tabernas tradicionais, a Câmara Municipal criou este núcleo museológico, na antiga Adega do Zé Lélito, fechada há cerca de 10 anos.
Inaugurada em Setembro de 2017, esta Casa do Vinho e do Cante pretende valorizar as manifestações culturais como a arte do vinho de talha, produzido em Portugal desde a época dos romanos, a poesia popular e o cante alentejano.
E foi neste ambiente único que tivemos oportunidade de um agradável convívio ao qual não faltou a bebida de um “branqueal”, termo que designa um pequeno copo de vinho branco, gentilmente oferecido pelo Francisco Horta.
Foi um final em beleza para esta nossa visita, que nos deu a conhecer uma realidade viva com uma actividade meritória, na preservação da memória coletiva e na salvaguarda e divulgação do Património Cultural do Concelho de Ferreira do Alentejo e das suas gentes.
O almoço foi no restaurante O Chico, onde pudemos encher o bandulho (a fome já apertava…) com a boa cozinha alentejana, devidamente regada com o inevitável DOC...
A parte da tarde estava reservada para a visita ao Vale da Rosa, que é actualmente o maior produtor nacional de uva de mesa, com uma área de produção de cerca de 250 hectares e 13 variedades de uva.
A sua actividade constitui já um importante pólo de desenvolvimento económico da região, colaborando com o município, em inúmeras iniciativas de carácter social, como a promoção do desporto e a cooperação com instituições de solidariedade social.
Fomos recebidos com uma sessão de apresentação, na qual pudemos apreciar algumas das variedades de uvas aqui produzidas, com destaque para as uvas sem grainha que, ficamos a saber, se trata de um fruto 100% natural, cuja ausência da grainha resulta do não desenvolvimento do embrião.
Aqui tivemos uma surpresa bem agradável, pois viemos aqui encontrar o Nuno e a esposa, que foram os nossos simpáticos anfitriões na visita a Vila Velha de Ródão, que efectuámos em 3 de Outubro de 2014, e que agora aqui trabalham.
Foi o próprio Nuno que nos guiou num giro, de trator e atrelado, pelas vinhas, onde pudemos apreciar in loco a qualidade das uvas aqui produzidas.
Já o sol se começava a esconder no horizonte pintado de vermelho, quando iniciámos o regresso à capital, depois de um dia enriquecedor e bem preenchido, nestas terras de Além do Tejo.