terça-feira, junho 05, 2018

O Atrium makavenkando, lá para as bandas dos Restauradores…




E tudo começou naquela manhã do dia 12 de Maio, na Fábrica da Nata dos Restauradores, onde os atriunistas e amigos, quais Makavenkos experientes e cumpridores, deram largas à alegria e elasticidade à tripa
Já com os apetites mais pacificados, o grupo dirigiu-se ao ponto de encontro, onde se iniciaria a visita, e onde o nosso simpático anfitrião, o Jorge Augusto, já nos esperava.
Antes da entrada no magnífico vestíbulo, ao qual nos referiremos mais adiante, fomos presenteados com uma introdução à história deste edifício, que passamos a resumir.
Projetado no início do século XVIII, o Palácio Foz, inicialmente chamado de Palácio Castelo Melhor, possui uma fachada de estilo setecentista, já liberta da influência barroca, enquanto o interior, que foi remodelado posteriormente, tem uma decoração de caráter revivalista, típico da segunda metade do século XIX, época em que a sua construção foi concluída.
Em 1755, o sismo que abalou Lisboa, danificou seriamente o edifício então existente, tendo sido necessário proceder-se à construção de um novo palácio.
Não há a certeza sobre quem projetou o novo palácio, no entanto sabe-se que o arquiteto italiano Francisco Xavier Fabri, por solicitação do Marquês de Castelo Melhor, dirigiu as obras até à ocasião da morte do Marquês. Nessa altura, os trabalhos ficaram suspensos sendo retomados anos mais tarde, e concluídos em 1848, ano da sua inauguração.
Em 1889 a 6ª Marquesa de Castelo Melhor, D. Helena de Vasconcelos, vendeu o Palácio a Tristão Guedes, um nobre de grande fortuna, na altura administrador da Companhia Real do Caminho-de-Ferro, e que mais tarde seria distinguido com o título de Marquês da Foz.
Documentos da época parecem indiciar que o negócio foi pouco transparente e que Tristão Guedes se aproveitou das suas funções nos Caminhos-de-ferro, para comprar o Palácio por uma pechincha, alegando que a construção do túnel do Rossio implicaria a expropriação daqueles terrenos. Propositadamente, não iremos adiantar mais nada sobre o caso, com receio que o Correio da Manha (a falta do til foi voluntária… soa mais verdadeiro) e a sua associada, a Procuradoria-Geral da República, venham a abrir mais um mega-processo que, com toda a propriedade, poderia ser intitulado “Operação Marquês – Parte II".

Mas deixemos a História e passemos à visita, propriamente dita. Ela iniciou-se exactamente pelo magnífico vestíbulo, que referimos atrás, cuja beleza e harmonia nos deixaram surpreendidos. Aqui, para elevar um pouco o nível desta crónica, vamos socorrer-nos da descrição feita pelo Fernando Pessoa - esse mesmo, o do Livro do Desassossego - numa publicação inédita de 1925, intitulada “Lisboa: o que o turista deve ver”.
“…A entrada faz-se por um amplo vestíbulo, sóbrio e cheio de dignidade, onde se encontram excelentes telas do italiano Manini, uma bela figura de mármore representando uma mulher sobre uma concha e um baixo-relevo grego de mármore branco emoldurado por mármore negro. Dali parte a bela escadaria de mármore italiano, sumptuosa e clara, por onde se vai para a galeria circundante, apoiada sobre colunas também do mesmo magnífico mármore. O corrimão ricamente decorado de cobre aço, abre com uma cabeça de carneiro de cobre reluzente. Outros motivos decorativos se seguem, com o timbre da nobre família dos Marqueses da Foz. Este admirável corrimão foi executado em Paris e custou então cerca de 9000 libras. É um espécime mais sumptuoso que o do Castelo de Chantilly, dos Duques de Aumale, que é tido como o mais belo do mundo. As colunas da galeria apoiam-se sobre pedestais de mármore, e as bases e capitéis são de cobre. Na galeria superior encontram-se duas belas telas de Snijders, O Vendedor de Fruta e O Vendedor de Peixe, uma de Bruyère, O Triunfo de Luís XIV, e as armas da família Foz, de Francisco Vilaça.”
Prosseguimos a visita percorrendo as diversas salas do palácio, admirando a sua decoração, os entalhes em madeiras exóticas do Brasil, os trabalhos em ferro forjado, onde se podem observar vários símbolos associados ao Rei Sol, e as esculturas executadas pelos artistas da Flandres.
Um destaque especial para as pinturas de José Malhoa e Columbano Bordalo Pinheiro e para o rutilante Salão Nobre, ou Sala dos Espelhos - inspirado na sala dos espelhos do Palácio de Queluz - já conhecido de alguns de nós através dos diversos concertos que ali se realizam.
Passámos depois ao pátio interior do palácio, que dá acesso ao Museu Nacional do Desporto, aberto ao público em 2012, por altura da comemoração dos 100 anos de participação de Portugal nos Jogos Olímpicos.
E foi neste pátio que fomos confrontados com um fantasma, que hoje não é mais do que um quadrado negro no empedrado do chão, mas que nos atormentou durante uma longa noite, igualmente negra, de mais de 36 anos. A sua estátua, de borla e capelo, em boa hora foi arrumada num qualquer armazém, no rescaldo daquele dia inicial inteiro e limpo, não restando mais do que este triste fantasma para nos lembrar um tempo que pretendemos enterrado para sempre.
E após esta breve paragem ao ar livre, regressámos ao interior do palácio, onde nos esperava uma surpresa, com uma componente algo esotérica. Escondido na profundeza das caves do edifício, o templo dos Makavenkos esperava por nós…
Guiados pelo Jorge Augusto, lá descemos as estreitas escadas de acesso às caves, e subitamente aos nossos olhos surge um espaço com uma decoração incrível, cuja exuberância de elementos revivalistas transmite uma atmosfera algo extravagante.
Acabávamos de penetrar na Abadia, um dos espaços onde os Makavenkos realizavam as suas reuniões – o outro eram as caves do edifício do antigo cinema Condes - dedicadas à boa comida, à boa bebida e ao culto da beleza feminina, tudo isto acompanhado por uma fraternidade iniciática, que passou pelo seu envolvimento na conspiração que conduziu ao movimento revolucionário do 5 de Outubro de 1910.
Mas o que era a Sociedade dos Makavenkos? Em traços gerais poderemos dizer que era uma associação filantrópica, com preocupações sociais, que existiu em Lisboa entre os anos de 1884 e 1919, e que integrava personalidades Maçónicas tais como Francisco de Almeida Grandella, considerado o seu fundador, e que ele próprio se definia como, “maçon, republicano, comerciante, industrial, especialista em marketing, avalista de revoluções, regimes livres e bom-vivant", António Lopes, historiador, professor e diretor da Revista Grémio Lusitano e o  artista Rafael Bordalo Pinheiro, além de outros aristocratas.
Numa agremiação em que uma das prioridades era dar largas à alegria e elasticidade à tripa, não admira que tenham adoptado para patrono a personagem bíblica de Noé, pois foi ele que plantou uma vinha após o dilúvio. A divisa escolhida para a sociedade foi a da britânica Ordem da Jarreteira, "honni soit qui mal y pense", e consta que todos se esforçavam arduamente no exercício das suas queixadas, de forma a evitarem o dito por Aristófanes, “os dentes dão móveis inúteis se não mastigam”.
Nas suas reuniões gastronómicas, eram admitidas mulheres, sobretudo bonitas actrizes, e rezam as crónicas que ali reinava um genuíno espírito democrático, pois: "Todos eram iguais perante a sopa, o copo e as makavenkas, e nenhum podia namoriscar com a mesma por mais de quinze dias. Findo esse período, ela seria declarada "praça aberta" e ele, se insistisse, levava o título de lamechas…”.
Posto este introito eminentemente histórico, voltemos à Abadia, admiremos as suas colunas com capitéis dourados, as representações das fábulas de La Fontaine, as naves góticas de colunatas policromadas, os encordoados manuelinos, os grifos, os dragões e os elefantes, em duplicado, para simbolizar a sabedoria do espírito e a virtude da alma. Uma última referência ao poço, que supostamente liga aos subterrâneos de Lisboa, e que está sob uma fonte de corais, simbolizando a Fonte da Sabedoria.
Esta Abadia está dividida em três partes, o Claustrum (com a sua “taberna vínica”, como se pode ler num dístico em ferro forjado), o Refectorium (inspirado nos claustros do românico cisterciense peninsular) e o Coro (agrupando pequenas dependências de carácter reservado).
No Refectorium, no cimo dos pilares, a representação dos bustos de 24 Makavenkos, alguns ostentando símbolos maçónicos, e lá estava vigilante, de esquadro e compasso ao peito, Francisco de Almeida Grandella.
E por estes intrigantes espaços nos perdemos, minutos sem conta, dando voltas á nossa imaginação, tentando captar o espírito ao mesmo tempo boémio, libertário e revolucionário, destes amantes do prazer da boa mesa e da “alegre rapioqueira”, que procuravam a compensação dos seus pecados, com a realização de actos de benemerência…
No final da deambulação, perto do Refectorium, pareceu ouvir-se uma voz grave e arrastada, vinda do local onde se encontrava o busto do Grandella, que sussurrava repetidamente: “Lamechas, vós não passais de uns reles lamechas…”.
Para evitar quaisquer outros comentários menos abonatórios das capacidades dos atriunistas e amigos, presentes na visita, encerramos aqui mesmo esta crónica sobre uma visita deveras interessante, enriquecida pela preciosa colaboração do nosso anfitrião, Jorge Augusto.























1 Comments:

Blogger CelesteMC said...

Finalmente consegui visitar o museu. A vista foi muito animada e enriquecedora.

A reportagem descreve ao pormenor algumas peças de arte e também algumas curiosidades muito interessantes e divertidas.
Mas, a descrição “cabeça de carneiro reluzente” até me faz sentir o “reluzir”.
Bons momentos, boa visita e boa reportagem.

6/6/18 00:37  

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