Um sábado bem preenchido entre os Olivais e o Bairro da Encarnação
O encontro
dos atriunistas e amigos foi de manhã cedo, junto à Igreja de Santa Maria dos
Olivais (ou Igreja Matriz), mais exactamente na esplanada do restaurante
Palmeira, onde mais tarde iríamos almoçar.
Foi aí que o
Albano, o organizador e o principal animador desta actividade, fez uma breve
introdução à história da Freguesia dos Olivais, após o que apresentou o
programa da visita que iríamos efectuar e distribuiu um desenvolvido dossier
com a documentação de apoio.
Esta
freguesia foi criada há mais de sete séculos, mais exactamente em Maio de 1397
por D. João Anes, arcebispo de Lisboa, e a sua existência foi confirmada em
1400 por uma bula do Papa Bonifácio IX. O seu nome deveu-se ao facto de nela
existirem oliveiras em abundância. Ao longo dos séculos os seus limites foram
variando em resultado das transformações de carácter económico, social e
político chegando mesmo a ser sede de concelho entre os anos de 1852 e 1886.
A visita
iniciou-se na Igreja de Santa Maria dos Olivais, que é o monumento mais antigo
da freguesia, datando do início do século XIV. Ao longo do tempo foi sujeita a
diversas remodelações, a principal após o Terramoto de 1755.
Trata-se de
um edifício de construção discreta, onde a fachada é caracterizada pela
sobriedade, destacando-se a torre sineira com dois relógios de sol. O interior
apresenta alguma riqueza decorativa, nomeadamente nos altares com retábulos de
talha dourada e colunas salomónicas, e no seu adro destaca-se o Cruzeiro,
oferecido em 1636 pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
Saídos da
igreja, prosseguimos pela Rua Alves Gouveia, cujo nome evoca a memória de
Francisco Alves Gouveia, o industrial que em 1874 criou uma estamparia de
tecidos, com tinturaria e branqueamento de algodões que gradualmente se foi
expandindo para fora dos limites da primitiva quinta onde foi construída, sendo
que três anos depois do início da laboração, em 1877, empregava já mais
de 200 operários.
E foi ao
longo desta rua, então denominada Rua das Casas Novas, que Alves Gouveia mandou
construir um bairro operário, para os trabalhadores da fábrica.
A
deambulação prosseguiu com a visita à Quinta da Fonte do Anjo, à qual tivemos
acesso, devido à relação familiar dos seus donos com o nosso companheiro Pedro
Moniz.
Foi uma
visita interessante que nos permitiu conhecer directamente a história desta
quinta, cuja referência mais antiga data de 1384 no testamento feito pelo Padre
Martins Esteves. É um dos melhores exemplos de casa rústica pombalina, com
entrada por um portão, ao fundo do qual se encontra a capela com a data de
1762, dedicada á Nossa Senhora da Conceição.
No final da
década de 60, os herdeiros da quinta decidem promover o loteamento de parte dos
terrenos que foram vendidos a particulares para construção de prédios e
moradias. O essencial mantém-se, a casa, a capela e uma área verde com 1
hectare.
À saída da
quinta realizaram-se dois apontamentos: a leitura, a cargo da Maria Viegas, de dois
textos que evocavam a memória dos Olivais das Quintas (…as quintas que se espreguiçam
na margem do aurífero Tejo…), da autoria de Camilo Castelo Branco e Eça de
Queirós, e uma referência histórica aos dois aeroportos internacionais que
coexistiram nesta freguesia dos Olivais entre os anos de 1940 e 1958, o
Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo e o Aeroporto da Portela de Sacavém (hoje
Aeroporto Humberto Delgado), ligados estrategicamente pela então denominada
Avenida Entre Aeroportos (hoje Avenida de Berlim). Este apontamento foi apresentado
pelo José Carlos.
O núcleo
seguinte foi o Rossio dos Olivais, hoje Praça da Viscondessa dos Olivais, que
constituía a praça pública da primitiva povoação, local privilegiado para as
reuniões da população. Nela existe um Chafariz, datado de 1891, um Urinol
público em ferro (que foi muito apreciado e fotografado…), e um Coreto, onde a
Filarmónica Capricho Olivalense abrilhantava os bailes de domingo.
Num
apontamento “revolucionário”, refira-se a existência de um barrete frígio na
base do Coreto, certamente ali gravado numa manifestação republicana do maçon
que o construiu, e que serviu de desafio aos presentes para encontrarem a sua
localização.
Numa
vertente mais explosiva, acrescentaremos o facto de na Travessa dos Buracos,
próxima desta praça, ter vivido José Maria Nunes, anarquista republicano autor
de um livro intitulado precisamente “A Bomba Explosiva”, e que aqui tinha o seu
laboratório, onde inventou e fabricou o modelo de bombas utilizado pelos
revolucionários civis no 5 de Outubro de 1910.
Uma última
referência à Casa da Viscondessa dos Olivais, antigo Asilo e hoje sede da
Fundação Pedro IV.
O último
núcleo a ser visitado antes do almoço foi a Sociedade Filarmónica União e
Capricho Olivalense (a SFUCO), a mais antiga e importante colectividade da
freguesia, fundada em 1886, na qual tivemos a oportunidade de conhecer as suas
actividades e de ver uma exposição de pintura da autoria de A O S, intitulada
“Inocências”.
O almoço
realizou-se no restaurante Palmeira, onde pudemos restaurar as forças para o
ataque à segunda parte da jornada, que iria incluir a zona de Olivais Norte e o
Bairro da Encarnação.
A paragem
seguinte foi junto da Varina, uma estátua de bronze da autoria do escultor José
Laranjeira Santos, de 1965, colocada na Praça Norte de Bairro da Encarnação.
Aqui o José
Cid fez uma pormenorizada e rica intervenção, abordando os diversos aspectos da
arquitectura modernista que caracteriza os Olivais Norte, por alguns
considerada uma experiência revolucionária na Lisboa salazarista, que procurou construir
uma urbe virada para o futuro, com preocupações em termos vivenciais e em
termos culturais.
Esta
experiência, que se desenvolveu nos anos sessenta do século passado,
influenciada pela Carta de Atenas, rompeu definitivamente com as práticas
habituais da época, e nela tiveram um papel decisivo os principais arquitectos
de então: Abel Manta, Nuno Teotónio Pereira, Braula Reis, João Esteves, Pires
Martins, Palma de Melo, Vitor Palla e Pedro Cid, curiosamente (ou talvez não)
muitos deles opositores ao regime ditatorial de Salazar.
Por fim, a
tarde já ia longa, abordámos o último núcleo da nossa visita, o Bairro da
Encarnação, projectado em 1940, começando pela igreja de Santo Eugénio um
templo de linhas sóbrias, com um interior um pouco soturno, onde se destaca um
fresco da autoria do pintor Lino António e a imagem de bronze de Santo Eugénio.
À saída da
igreja, à sombra das árvores que ladeiam a alameda e em frente da Escola
Primária 114 (hoje baptizada de Paulino Montez, o arquitecto que projectou o
bairro), onde pontificava o “terrível” director Pinhão, foi a vez dos “meninos
da Encarnação” (o Albano, o Tozé e o Zé Carlos) evocarem os seus tempos de
infância e adolescência, vividos aqui neste Bairro da Encarnação, numa época em
que a cidade de Lisboa terminava lá para as bandas do Areeiro, e aqui se vivia
na paz de um arrabalde, benéfica para o desenvolvimento dos seus jovens moradores.
Antes de nos
dirigirmos para o último momento da deambulação, a estátua de João Ferreira do
Amaral, plantada no início da Alameda, fizemos uma romagem (para alguns de
saudade) pela já “célebre” Rua 3, local onde os referidos “meninos da
Encarnação” passaram os anos da sua meninice e de onde saíram já adultos.
Finalmente
perante a estátua de Ferreira do Amaral, ouvimos as explicações do Fernando
Veríssimo sobre a vida e as aventuras deste militar e político, que chegou a
ser governador de Macau, onde foi assassinado no ano de 1849.
O porquê de
instalarem o pedestal desta figura da época colonial portuguesa (cuja versão
original o representava sobre cabeças humanas decepadas…), aqui neste lugar
nobre do bairro, é um mistério para o qual não há resposta, dada a inexistência
de qualquer relação da personagem com este lugar.
E assim
terminou esta jornada, um pouco cansativa mas enriquecedora por nos ter
mostrado uma parte da nossa cidade, permitindo um maior conhecimento do seu
passado, do seu presente e das suas gentes.
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