quarta-feira, abril 24, 2019

Um sábado bem preenchido entre os Olivais e o Bairro da Encarnação


O encontro dos atriunistas e amigos foi de manhã cedo, junto à Igreja de Santa Maria dos Olivais (ou Igreja Matriz), mais exactamente na esplanada do restaurante Palmeira, onde mais tarde iríamos almoçar.
Foi aí que o Albano, o organizador e o principal animador desta actividade, fez uma breve introdução à história da Freguesia dos Olivais, após o que apresentou o programa da visita que iríamos efectuar e distribuiu um desenvolvido dossier com a documentação de apoio.
Esta freguesia foi criada há mais de sete séculos, mais exactamente em Maio de 1397 por D. João Anes, arcebispo de Lisboa, e a sua existência foi confirmada em 1400 por uma bula do Papa Bonifácio IX. O seu nome deveu-se ao facto de nela existirem oliveiras em abundância. Ao longo dos séculos os seus limites foram variando em resultado das transformações de carácter económico, social e político chegando mesmo a ser sede de concelho entre os anos de 1852 e 1886.
A visita iniciou-se na Igreja de Santa Maria dos Olivais, que é o monumento mais antigo da freguesia, datando do início do século XIV. Ao longo do tempo foi sujeita a diversas remodelações, a principal após o Terramoto de 1755.
Trata-se de um edifício de construção discreta, onde a fachada é caracterizada pela sobriedade, destacando-se a torre sineira com dois relógios de sol. O interior apresenta alguma riqueza decorativa, nomeadamente nos altares com retábulos de talha dourada e colunas salomónicas, e no seu adro destaca-se o Cruzeiro, oferecido em 1636 pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
Saídos da igreja, prosseguimos pela Rua Alves Gouveia, cujo nome evoca a memória de Francisco Alves Gouveia, o industrial que em 1874 criou uma estamparia de tecidos, com tinturaria e branqueamento de algodões que gradualmente se foi expandindo para fora dos limites da primitiva quinta onde foi construída, sendo que  três anos depois do início da laboração, em 1877, empregava já mais de 200 operários.
E foi ao longo desta rua, então denominada Rua das Casas Novas, que Alves Gouveia mandou construir um bairro operário, para os trabalhadores da fábrica.
A deambulação prosseguiu com a visita à Quinta da Fonte do Anjo, à qual tivemos acesso, devido à relação familiar dos seus donos com o nosso companheiro Pedro Moniz.
Foi uma visita interessante que nos permitiu conhecer directamente a história desta quinta, cuja referência mais antiga data de 1384 no testamento feito pelo Padre Martins Esteves. É um dos melhores exemplos de casa rústica pombalina, com entrada por um portão, ao fundo do qual se encontra a capela com a data de 1762, dedicada á Nossa Senhora da Conceição.
No final da década de 60, os herdeiros da quinta decidem promover o loteamento de parte dos terrenos que foram vendidos a particulares para construção de prédios e moradias. O essencial mantém-se, a casa, a capela e uma área verde com 1 hectare.
À saída da quinta realizaram-se dois apontamentos: a leitura, a cargo da Maria Viegas, de dois textos que evocavam a memória dos Olivais das Quintas (…as quintas que se espreguiçam na margem do aurífero Tejo…), da autoria de Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, e uma referência histórica aos dois aeroportos internacionais que coexistiram nesta freguesia dos Olivais entre os anos de 1940 e 1958, o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo e o Aeroporto da Portela de Sacavém (hoje Aeroporto Humberto Delgado), ligados estrategicamente pela então denominada Avenida Entre Aeroportos (hoje Avenida de Berlim). Este apontamento foi apresentado pelo José Carlos.
O núcleo seguinte foi o Rossio dos Olivais, hoje Praça da Viscondessa dos Olivais, que constituía a praça pública da primitiva povoação, local privilegiado para as reuniões da população. Nela existe um Chafariz, datado de 1891, um Urinol público em ferro (que foi muito apreciado e fotografado…), e um Coreto, onde a Filarmónica Capricho Olivalense abrilhantava os bailes de domingo.
Num apontamento “revolucionário”, refira-se a existência de um barrete frígio na base do Coreto, certamente ali gravado numa manifestação republicana do maçon que o construiu, e que serviu de desafio aos presentes para encontrarem a sua localização.
Numa vertente mais explosiva, acrescentaremos o facto de na Travessa dos Buracos, próxima desta praça, ter vivido José Maria Nunes, anarquista republicano autor de um livro intitulado precisamente “A Bomba Explosiva”, e que aqui tinha o seu laboratório, onde inventou e fabricou o modelo de bombas utilizado pelos revolucionários civis no 5 de Outubro de 1910.
Uma última referência à Casa da Viscondessa dos Olivais, antigo Asilo e hoje sede da Fundação Pedro IV.
O último núcleo a ser visitado antes do almoço foi a Sociedade Filarmónica União e Capricho Olivalense (a SFUCO), a mais antiga e importante colectividade da freguesia, fundada em 1886, na qual tivemos a oportunidade de conhecer as suas actividades e de ver uma exposição de pintura da autoria de A O S, intitulada “Inocências”.
O almoço realizou-se no restaurante Palmeira, onde pudemos restaurar as forças para o ataque à segunda parte da jornada, que iria incluir a zona de Olivais Norte e o Bairro da Encarnação.
A paragem seguinte foi junto da Varina, uma estátua de bronze da autoria do escultor José Laranjeira Santos, de 1965, colocada na Praça Norte de Bairro da Encarnação.
Aqui o José Cid fez uma pormenorizada e rica intervenção, abordando os diversos aspectos da arquitectura modernista que caracteriza os Olivais Norte, por alguns considerada uma experiência revolucionária na Lisboa salazarista, que procurou construir uma urbe virada para o futuro, com preocupações em termos vivenciais e em termos culturais.
Esta experiência, que se desenvolveu nos anos sessenta do século passado, influenciada pela Carta de Atenas, rompeu definitivamente com as práticas habituais da época, e nela tiveram um papel decisivo os principais arquitectos de então: Abel Manta, Nuno Teotónio Pereira, Braula Reis, João Esteves, Pires Martins, Palma de Melo, Vitor Palla e Pedro Cid, curiosamente (ou talvez não) muitos deles opositores ao regime ditatorial de Salazar.
Por fim, a tarde já ia longa, abordámos o último núcleo da nossa visita, o Bairro da Encarnação, projectado em 1940, começando pela igreja de Santo Eugénio um templo de linhas sóbrias, com um interior um pouco soturno, onde se destaca um fresco da autoria do pintor Lino António e a imagem de bronze de Santo Eugénio.
À saída da igreja, à sombra das árvores que ladeiam a alameda e em frente da Escola Primária 114 (hoje baptizada de Paulino Montez, o arquitecto que projectou o bairro), onde pontificava o “terrível” director Pinhão, foi a vez dos “meninos da Encarnação” (o Albano, o Tozé e o Zé Carlos) evocarem os seus tempos de infância e adolescência, vividos aqui neste Bairro da Encarnação, numa época em que a cidade de Lisboa terminava lá para as bandas do Areeiro, e aqui se vivia na paz de um arrabalde, benéfica para o desenvolvimento dos seus jovens moradores.
Antes de nos dirigirmos para o último momento da deambulação, a estátua de João Ferreira do Amaral, plantada no início da Alameda, fizemos uma romagem (para alguns de saudade) pela já “célebre” Rua 3, local onde os referidos “meninos da Encarnação” passaram os anos da sua meninice e de onde saíram já adultos.
Finalmente perante a estátua de Ferreira do Amaral, ouvimos as explicações do Fernando Veríssimo sobre a vida e as aventuras deste militar e político, que chegou a ser governador de Macau, onde foi assassinado no ano de 1849.
O porquê de instalarem o pedestal desta figura da época colonial portuguesa (cuja versão original o representava sobre cabeças humanas decepadas…), aqui neste lugar nobre do bairro, é um mistério para o qual não há resposta, dada a inexistência de qualquer relação da personagem com este lugar.
E assim terminou esta jornada, um pouco cansativa mas enriquecedora por nos ter mostrado uma parte da nossa cidade, permitindo um maior conhecimento do seu passado, do seu presente e das suas gentes.