(4) Pelas terras do Mundo Helénico ao encontro dos deuses e dos homens
Parte IV – Da viagem pelo reino de Poseidón ao adeus dos
garbosos évzones.
A saída do Novotel fez-se cedo, e na companhia da Teresa
Neves e de uma guia local, rumámos ao porto do Pireu, onde iremos embarcar no
cruzeiro de um dia que nos levará até às três ilhas do Golfo Sarónico, Hidra, Poros
e Egina.
Antes de iniciar o cruzeiro, um pequeno mergulho na
mitologia e na história dos locais que iríamos visitar.
Comecemos pelo Golfo Sarónico, também conhecido pelo Golfo de
Egina (a sua ilha mais importante). Este golfo, que faz parte do mar Egeu, é o
limite oriental do Canal de Corinto e o seu nome provém do mitológico rei Sarão.
Nas suas águas desenrolou-se a célebre Batalha de Salamina,
que em 480 a.C., opôs a frota grega, liderada por Temístocles, à persa,
comandada por Xerxes. A vitória grega nesta batalha veio influenciar
decisivamente o desenvolvimento do mundo antigo.
A ilha de Hidra, cuja origem do nome é a palavra hidrea, numa
referência às fontes de água ali existentes, desempenhou um papel importante na
Guerra da Independência contra os turcos, tendo sido uma importante base naval
e contribuindo com uma frota de 130 navios para a esquadra grega.
A partir dos anos sessenta passou a ser a residência de
muitos artistas gregos e alguns estrangeiros (Leonard Cohen foi um deles), o
que lhe rendeu o título de “retiro dos artistas”.
Poros é a mais pequena das três ilhas, está apenas a 200
metros da costa do Peloponeso, e estudos recentes indicam que ela foi habitada
desde a idade do bronze, tendo sido descobertos túmulos datados do período
micénico. Nela existem ruínas de um templo dedicado a Poseidón.
Egina, de acordo com o mito, é o nome de uma ninfa, filha do
deus dos rios, Asopos, e da ninfa Metope, por quem Zeus se apaixonou e a levou
com ele para a ilha (este Zeus era fresco... a pobre Hera devia ter um poder
de encaixe…).
Foi uma das cidades marítimas mais importantes da Grécia
Antiga, sendo pioneira na cunhagem de moeda, e de 1827 a 1829 foi a capital
provisória do estado Grego recém-criado.
Possui o importante Templo de Afaia, do séc. V a.C. (Afaia
era uma antiga divindade local, identificada com a deusa cretense Britomartis, a
quem é atribuída a invenção das redes de pesca), que forma, em conjunto com o Pártenon
e o Templo de Poseidón, no cabo do Sounion, um triângulo equilátero perfeito,
denominado “triângulo sagrado” da antiguidade grega.
Egina é também conhecida pelos seus pistachos, cuja cultura
se iniciou por volta de 1860, e que são famosos em todo o mundo, pela sua
qualidade.
Terminada esta breve incursão histórico-mitológica, voltemos
ao cais de embarque no porto do Pireu.
Lá estava à nossa espera o iate que nos iria conduzir, quais
argonautas do séc. XXI, nesta viagem de um dia, pelos domínios de Poseidón. Não
tão grande como o iate Britânia, de suas sereníssimas majestades, mas mesmo
assim, imponente.
A organização, receando até que nos sentíssemos algo
desamparados, dado o tamanho do navio, providenciou que nos disponibilizassem
uns 400 acompanhantes, o que obviamente nos encheu de grande contentamento… são
estas pequenas atenções que fazem os grandes momentos…
O dia luminoso e as águas de um verde transparente, faziam
adivinhar uma jornada náutica muito agradável.
Após cerca de uma hora de navegação, a primeira paragem foi
na ilha de Hidra. A entrada no porto, repleto de coloridas embarcações de
recreio, com o casario branco como cenário, oferece uma visão bem harmoniosa.
Uma das características desta ilha é a ausência de
automóveis, o transporte é feito por burricos e mulas, o que empresta uma agradável
pacatez ao ambiente. Os luso-viajantes distribuíram-se em diversos grupos, e
tranquilamente exploraram, de acordo com as suas preferências, as diversas
ofertas desta bonita ilha.
De regresso ao iate, para iniciar o percurso, que nos iria
levar até Poros, o nosso grupo foi directamente para o restaurante, onde nos
iria ser servido (em boa verdade, nós é que nos servimos, era self-service…) um
almoço. Mais uma vez, para que não nos sentíssemos deslocados, enfiaram no
restaurante mais uns duzentos convivas, bem barulhentos, para nos fazerem
companhia à hora do repasto…
Após mais uma curta ligação náutica, aportámos então a Poros.
Novamente a aproximação à ilha mostrou-nos uma bela panorâmica, característica
destas ilhas gregas. Já em terra, durante cerca de quarenta minutos,
calcorreámos as ruas próximas da marginal, aqui já com circulação automóvel,
para apanhar um pouco o ambiente do burgo, não tão pacato como o da vizinha Hidra.
Esperava-nos o último destino, a ilha de Egina, a mais
importante deste conjunto. De referir que o guardião dos ventos, Éolo, talvez a
pedido do seu superior, Zeus, caprichou em nos fazer companhia nesta parte
final da viagem, o que se traduziu numa valente ventania, que não nos largou
até ao fim da nossa navegação.
Chegados à ilha dos pistachos, os luso-viajantes dividiram-se
e enquanto alguns deles ficaram passeando pela cidade, outros foram fazer um
circuito de bus pelo interior da ilha, passando pelo já referido Templo de
Afaia, e com uma paragem para visitar o Mosteiro de Agios Nectários, um dos
maiores mosteiros dos Balcãs, construído entre 1904 e 1910, e dedicado a
São Nectários (1846 – 1920), um importante santo ortodoxo grego.
A visita à ilha terminou com algumas compras, entre elas os
inevitáveis pistachos, e com a degustação de uma bebida tradicional (uma
aguardente), acompanhada de alguns fritos, peixes e mariscos.
A viagem de regresso ao Pireu fez-se de novo na companhia de
Éolos, que fez questão em não nos abandonar, e também de umas dezenas de
gaivotas que escoltaram o nosso iate em graciosas evoluções, permitindo aos
fotógrafos a obtenção de bons instantâneos.
O desembarque fez-se com algum atraso, e por via disso, o
percurso até ao hotel foi feito debaixo de alguma tensão, tendo o pobre
motorista de suportar o assédio de algumas luso-viajantes (encabeçadas pela
Teresa), que pretendiam uma condução mais agressiva, que lhes desse tempo para
uma adequada “produção” (retoques de fachada…) no hotel, antes de rumar para o
jantar, que assinalaria a nossa última noite em terras helénicas.
E foi numa simpática praça de Atenas, numa noite
convidativa, embalados pela música e pelas danças gregas, executadas por um
grupo de jovens, que nos despedimos, já com alguma saudade, desta terra que
demandámos, ao encontro dos deuses e dos homens.
O último dia aí estava. Antes da partida para o aeroporto,
que teria lugar às 14h30m, houve que aproveitar a manhã para satisfazer os
últimos desejos. De entre os vários destinos, houve um grupo dos luso-viajantes
que rumou ao Museu Benáki, instalado numa elegante mansão neoclássica, a antiga
residência da família Benákis, cuja riquíssima colecção de artes decorativas,
pintura, joalharia, trajes tradicionais e documentos históricos, cobre mais de
5000 anos da história da nação grega.
À saída do museu, quando nos preparávamos para regressar ao
hotel, deu-se o inesperado. Uma companhia de évzones, com os seus trajes de
gala, que estava estacionada na avenida Vasilissis Sofias, quando nos viu
aparecer iniciou um desfile, que nós entendemos como uma despedida da cidade de
Atena para os 27 lusitanos que estavam de partida… Para mais tarde recordar,
aqui fica o filme deste momento tocante.
Feito o reagrupamento no Novotel na hora aprazada, lá
seguimos para o aeroporto e pelas 17 horas, o Boeing da KLM rolava pela pista
descolando suavemente empurrado pela força dos seus reactores. O seu destino
era Amesterdão, a primeira escala no nosso regresso à boa e velha Lisboa.
Alguns minutos depois de levantar voo, ao sobrevoar a zona
do Monte Olimpo (a residência dos Doze Deuses gregos), o copiloto chama a
atenção do comandante para algo de estranho que tinha acabado de observar em
terra. Este com uma ligeira inclinação do aparelho, vê então, numa clareira
vizinha do monte Olimpo, escrita com enormes letras desenhadas no chão, a frase
em grego, “Κρατήστε την επιστροφή Πορτογαλικά φίλους”. Na sua ignorância de
homens do Norte (holandeses…), comentaram qualquer coisa como, “deve ser propaganda
desses tipos do Syriza”… Mas os pobres, mesmo que soubessem grego, nunca
perceberiam o significado daquela mensagem que dizia simplesmente: “Voltem
sempre amigos portugueses”.
Ao encerrar esta crónica, que já vai longa, evocamos um verso
da Odisseia, a obra épica de Homero, que traduz, de um modo muito belo, como só
os poetas o sabem fazer, o essencial desta nossa inesquecível viagem: “Vimos de
muitos homens as cidades e conhecemos o seu espírito”.
Lisboa Julho 2015
1 Comments:
A descrição está muito boa...a repórter que nos acompanhou merece os melhores elogios. Parabéns à equipa!
Bjs e até à próxima
FNeves
Enviar um comentário
<< Home