sexta-feira, julho 03, 2015

(1) Pelas terras do Mundo Helénico ao encontro dos deuses e dos homens

Parte I – À descoberta da cidade da deusa Atena

O dia amanhecera agitado no monte Olimpo. Zeus, o pai dos deuses, convocara com urgência os Doze Deuses gregos. O motivo era a notícia que Hélios, divindade celeste cujo nome significa “o que brilha com a sua própria luz”, trouxera. Numa das suas intermináveis deambulações, sobrevoando a terra e o mar no seu carro puxado por dois cavalos alados, Hélios tinha avistado uma caravana com 27 indivíduos de uma tribo lusitana, oriunda duma longínqua península que existia perdida para ocidente, lá onde a terra acaba e o mar começa, e que aparentemente se preparavam para invadir o território helénico, sem que se percebesse quais eram as suas reais intenções. Eram homens e mulheres, com um aspecto algo estranho, falando alto e rindo muito, por vezes sem motivo aparente, com umas estranhas caixas negras que ora as punham ao ouvido e falavam com elas, ora as encostavam aos olhos e as apontavam uns aos outros.
Respondendo ao apelo de Zeus, um a um, os Doze Deuses iam tomando os seus lugares. O primeiro a chegar, graças às suas sandálias aladas, foi Hermes (o deus do vento e o mensageiro dos deuses), logo seguido de Ares (o da guerra) que vinha em animada cavaqueira com Dionísio (o do vinho), este já um pouco alegre, apesar da hora matutina. Sucederam-se Ártemis (a caçadora), Poseidón (o das águas), Apolo (o da luz) e Hefesto (o artesão, que criou, a partir da argila e da água, a primeira mulher do mundo, Pandora), todos com um ar sonolento, habituados que estavam a um acordar mais tardio e mais tranquilo. As suas provectas idades a isso o aconselhavam.
Entretanto os mais retardatários iam chegando, sob o olhar já um pouco agastado de Zeus. Deméter (o da fertilidade e da agricultura – era habitual nesta altura a acumulação de pastas…), e Héstia (a do lar e da família, sendo a única deusa virgem), esta sempre acompanhada por Afrodite (a do amor e da beleza), que não se cansava de a tentar convencer a perder a virgindade, até então parece que sem grande sucesso. As últimas a aparecer foram Hera (a rainha das deusas, esposa legal de Zeus), porque não saía dos seus aposentos sem fazer o leito e dar uma arrumação na casa, e Atena (da sabedoria), porque já sabia que as assembleias gerais dos deuses do Olimpo, começavam sempre com mais de meia hora de atraso…


Rapidamente Zeus explicou os motivos da reunião, e por proposta de Ares, sempre preocupado com as questões da segurança nacional, foi aprovado que Hermes, no seu papel de mensageiro, contactasse alguém de confiança para ser infiltrado nos estranhos lusitanos, para assim poder controlar os seus movimentos e aperceber-se dos seus desígnios. Nessa altura Atena interveio, informando que conhecia uma mulher de confiança, que até dominava o idioma que se falava lá pela península de onde os viajantes provinham. E é assim que aparece o nome de Aristeia Tsavou, de quem iremos ouvir falar ao longo da história…


Centremo-nos agora na narrativa da viagem dos bravos lusitanos, que sob a bandeira do Atrium, decidiram ir conhecer melhor a terra e as gentes, que espalharam os ideais da civilização e da democracia a toda a humanidade.
São 3 horas da madrugada de sábado, dia 30 de Maio, Lisboa ainda é uma cidade adormecida. No aeroporto da Portela, os sonolentos viajantes vão chegando aos poucos e, após as habituais operações de check-in e de embarque, o Boeing 737 da KLM levanta voo pelas 5 da madrugada. O seu destino Amsterdão, onde será feita a ligação para o objectivo final, a cidade de Atenas.


A curta estadia no aeroporto de Schiphol decorreu sem nada de especial a assinalar. Para alguns viajantes ficou a recordação de um café expresso, lamentavelmente aguado, ao som de algumas “rockadas” do velho Elvis Presley.
As cerca de 3 horas de espera esgotaram-se, entre umas visitas às habituais lojas aeroportuárias e umas dormidelas nos bancos da gare, e pelas 12 horas, um novo embarque para a última tirada que nos iria levar até Atenas, a velha cidade da deusa da sabedoria, uma das mais antigas da Europa, cujo território permanece continuamente habitado, desde há 3400 anos.
Eram 16h30 quando o Boeing da KLM tocou a pista do aeroporto de Atenas; tínhamos feito a nossa entrada no reino dos Deuses do Olimpo, daqui em diante o nosso destino passava a estar nas suas mãos.


Feito o desembarque e a recolha das bagagens, o transfer para o Hotel Presidente decorreu sem problemas. Este hotel situa-se na zona moderna de Atenas, na avenida Kifissias, e do alto dos seus 20 andares, num terraço onde está instalada a piscina, tem-se uma visão de 360 graus pela grande metrópole.
Na linha do horizonte era nítido o desenho do rochedo sagrado da Acrópole, no qual se destacava o templo consagrado à deusa Atena, erguido no tempo de Péricles entre os anos de 447 e 438 a.C. (não estranhem, nas datas a.C. o tempo voltava para trás…), para substituição dos santuários ali existentes, e destruídos pelos persas em 480 a.C.
Após um ligeiro descanso, os luso-viajantes, com o apoio da Teresa Neves, encaminharam-se para a estação de metro mais próxima, Ambelokipi. O objectivo era a praça Syntagma e o bairro de Pláka, o coração histórico de Atenas.


Antes do grupo se diluir pelo dédalo das ruas do velho bairro, cheias de acolhedores restaurantes e esplanadas, tivemos a oportunidade de apreciar a primeira rendição dos soldados da Guarda Nacional (os évzones) junto ao Túmulo do Soldado Desconhecido, com as suas curiosas e marciais evoluções.
Divididos em pequenos grupos, os viajantes, satisfizeram então os seus apetites gastronómicos, numa primeira refeição tomada em terras helénicas.
O regresso ao hotel fez-se de novo de metro. O primeiro dia estava concluído. Restava uma retemperadora noite, sob a serena protecção de Hypnos, o deus do sono, para ganhar forças para os próximos oito dias que se iriam seguir.

O despertar foi cedo, uma prática que se estendeu por toda a viagem, e a saída do hotel fez-se pelas 8h30. Já no bus, que nos conduziria neste primeiro dia, por um périplo pela cidade de Atenas, conhecemos Aristeia, que nos foi apresentada, pela Teresa Neves, como sendo a guia grega, que nos acompanharia durante toda a nossa estadia…
Mal suponhamos nós que, sob o disfarce de guia turística, se escondia a sua verdadeira identidade, de enviada dos Deuses Olímpicos, com a missão de controlar os nossos passos e descobrir as nossas intenções…
Pessoa inteligente e culta, Aristeia, cedo saberia conquistar a nossa simpatia, e assim pôde desempenhar com eficiência a tarefa que lhe fora cometida, de tal modo que, em nenhum momento, algum de nós desconfiou dela. Só mais tarde, já em solo português, este viajante escrevinhador, teve acesso a documentação reservada, que lhe permitiu deslindar toda esta história.


A nossa primeira paragem foi no Estádio Kallimármaro, uma enorme estrutura em mármore pentélico (oriundo do Monte Pentélico, que adquire naturalmente uma cor de mel), com capacidade para 60000 pessoas, construído em 1895, no local originalmente ocupado pelo estádio Panatenaico, no ano 330 a.C..
É uma réplica fiel do estádio utilizado em 114 para os jogos panatenaicos, e nele se realizaram os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em Abril de 1896. Nos Jogos Olímpicos de 2004, o final da prova da maratona foi aqui realizado.  


O percurso prosseguiu, e passámos junto ao Arco de Adriano (ano 131), que marca a fronteira entre a cidade antiga e a nova Atenas deste imperador romano, que tinha por ela uma especial admiração. Junto ao arco pudemos ver as 15 colunas coríntias que restaram das 104 que compunham o Templo de Zeus Olímpico, o maior templo existente na Grécia (96 m de comprimento e 40 de largura), cuja construção se iniciou no séc. VI a.C. e que mais tarde, nas grandes festas pan-helénicas de 132, Adriano dedicou a Zeus (o tal deus que não confiou inicialmente na bondade das nossas intenções, talvez por temer que fossemos agentes dum tal Coelho, homem-de-mão dos germanos, que por processos pouco limpos, se tinha apoderado do governo da nossa cidade-estado).


Seguimos pela
zona da Universidade de Atenas, e chegámos ao nosso segundo objectivo do dia, o Museu da Acrópole. A primeira impressão foi de surpresa pela qualidade do moderno edifício, inaugurado em 2009, que veio substituir o antigo museu, construído entre 1865 e 1874, que já se mostrava insuficiente para a dimensão do espólio existente.
Situado a 300 m do extremo sul do rochedo da Acrópole, combina a extraordinária riqueza do seu conteúdo, que oferece uma imagem global da história da zona da Acrópole, desde a Pré-história até à idade Média, com um magnífico projecto arquitectónico e museológico.


Seria impossível, numa crónica desta natureza, descrever em pormenor todas as valiosas componentes do museu, pelo que apenas destacaremos duas que nos impressionaram mais. A primeira é a sala que reconstitui o Pártenon, com a mesma orientação, as mesmas dimensões e o mesmo número de colunas do templo real. Os diversos elementos originais (frisos, frontões e esculturas) estão colocados nos mesmos locais que ocupavam no templo. Tudo isto é ainda valorizado com uma enorme janela panorâmica, virada exactamente para o Pártenon.
A segunda é o magnífico conjunto das Cariátides, elegantes estátuas-colunas, que suportavam o pórtico sul do Erecthéion, templo que deve o seu nome a Erecteu, um dos reis míticos de Atenas. Aqui no museu encontram-se quatro originais, mais uma quinta, reconstituída a partir de fragmentos. A sexta foi “desviada” pelo Lord Elgin (de quem falaremos mais adiante nesta crónica) em 1816, para o Museu Britânico.


Terminada a visita ao museu, metemos os pés ao caminho, pela ladeira que nos iria conduzir à Colina Sagrada, debaixo de um sol que já começava a pôr à prova a nossa preparação física (seria Euristeu, o rei de Micenas, a ensaiar connosco uma nova versão dos Doze Trabalhos, que o pobre do Héracles - Hércules para os romanos – teve de realizar? Talvez venhamos a saber isso mais adiante…).
Vencida a caminhada, eis-nos perante um dos mais expressivos e impressionantes locais de Atenas, e da própria Grécia, a Acrópole. Aqui justifica-se um olhar sobre os factos mais marcantes da sua história, que se estende desde os tempos do neolítico (3 500 – 3 000 a.C.), quando a ocupação humana já era uma realidade.
Constituindo uma fortificação natural, o rochedo da Acrópole, desde sempre foi um local de implantação para o homem, inicialmente alojado nas grutas naturais da pendente Sul, foi-se estendendo para Norte, havendo aí já traços de ocupação na Idade do Bronze (3000 – 1600 a.C.). No séc. XIII a.C., foi a residência do soberano local, que aí mandou construir uma poderosa fortificação, com o comprimento de 760 m, semelhante às acrópoles micénicas, para se proteger das invasões dos Dórios.  
Segundo a tradição mitológica, Teseu, o primeiro soberano a unir os povos da Ática, fez desta cidade o centro do seu território e consagrou-a ao culto da deusa Atena. É então que a Acrópole adquire o seu carácter de local sagrado (séc. VIII a.C.), tendo sido aí construído o chamado “templo antigo”, consagrado à deusa da sabedoria.


Este templo teve várias reconstruções e no ano de 480 a.C., os persas conquistam a cidade e incendeiam a Acrópole, que mais tarde, quando os atenienses regressam, é fortificada com as muralhas que ainda hoje existem.
É no tempo de Péricles, um estadista que ambicionou uma Atenas como centro cultural e político do mundo grego, que no rochedo sagrado se constrói o Pártenon, o Propileu, o Templo de Atena Nike e o Erecthéion, cujas ruínas são as que chegaram aos nossos dias. Mas a história não fica por aqui. Durante a dominação otomana é construído um aquartelamento na colina e instalado um paiol no Pártenon, que explode durante o cerco montado pelo exército veneziano, em 1687, causando graves destruições no templo.
Mais tarde, em princípios do XIX, o atrás referido Lord Elgin, um embaixador predador de Sua Sereníssima Majestade Britânica no Império Otomano, comprou às autoridades da Turquia, a força então ocupante da Grécia, a maior parte do friso do Pártenon, uma Cariátide e outras obras de grande valor, que mais tarde, em 1816, venderia ao Museu Britânico por 35000 libras.
Para o governo grego, esta venda foi ilegal e por isso tem defendido, sem resultado até hoje, a sua devolução à cidade de Atenas e ao Estado Grego (Uma activa apoiante desta causa foi Melina Mercouri, actriz e política grega, ministra da cultura entre 1981 e 1989, falecida em 1994).
Em 1834, quando Atenas foi proclamada a capital da Grécia independente, a Acrópole era um monte de ruínas e desde então tem-se vindo a desenvolver, com maior ou menor dificuldade, uma actividade de restauro, que ainda prossegue nos nossos dias.


Feita esta breve resenha histórica, voltemos aos dias de hoje. A caminho da Porta de Beulé, a entrada para a Acrópole, tivemos a oportunidade de apreciar o Odéon de Herodes Ático. Este teatro, de estilo romano, foi mandado construir em 161 por Herodes, um político ateniense ao serviço do Império Romano, em memória da sua mulher. Tem uma capacidade para 5000 lugares e é ainda hoje usado para espectáculos de teatro, ópera, bailado e concertos.
E eis-nos chegados ao Propileus, a entrada monumental da Acrópole cuja construção tem a forma da letra grega Pi (3.14159265359…, lembram-se da geometria?), com um edifício central e duas alas laterais. Possuía 5 portas, sendo que a central, só era aberta por ocasião da procissão das Panateneas (as festas religiosas anuais, em honra da deusa Atena).
Já dentro do perímetro da Acrópole, os lusos-viajantes dividiram-se em grupos, cada um deles fazendo o seu percurso pelo rochedo sagrado, procurando captar a magia transmitida por cada pedra, cada ruína, cada templo, deste santuário um dos mais importantes do mundo helénico.
Limitemo-nos pois com a simples enumeração dos seus principais monumentos: O Templo de Atenas Nike (Vitória), construído para comemorar as vitórias dos Atenienses sobre os Persas; O Erecthéion, templo de muitos deuses, famoso pelas suas Cariátides; O Pártenon, considerado o cúmulo da civilização grega antiga, cujo projecto arquitectónico contém soluções com um elevado grau de sofisticação. Para neutralizar as leis da perspectiva, os fustes têm curvaturas, as colunas inclinam-se ligeiramente para dentro, a base do templo é mais alta no meio, resumindo, nenhuma linha do templo é absolutamente recta… e assim a ilusão de perfeição e de simetria, é total.
Passado o momento de encantamento e magia, os nossos estômagos chamaram-nos à realidade comezinha da nossa condição de simples mortais, e lá rumámos até à Pláka, onde nos esperava uma frugal refeição, num simpático restaurante daquele bairro histórico.


Após o almoço, os viajantes dividiram-se em vários grupos, que preencheram a tarde de acordo com os seus interesses, e disponibilidades físicas. Uns voltaram ao hotel, para um merecido descanso, outros ficaram a deambular pela Pláka, até à hora do jantar.
No regresso ao hotel, o cansaço acumulado no primeiro dia inteiro pela pátria dos Deuses do Olimpo, venceu os mais resistentes, e cedo todos recolheram aos seus quartos.
A noite já ia adiantada quando um vulto furtivo, envolto numa enorme túnica negra, entra na recepção, vazia aquela hora, e consulta apressadamente alguns registos de hóspedes. A seguir esgueira-se pelos corredores onde os lusos viajantes estavam instalados, parando diante de dois dos quartos, durante alguns segundos, e desaparece silenciosamente pela escada de serviço.
Na manhã seguinte, a empregada da limpeza notaria, com espanto, as marcas do que pareciam ser duas patas de bovino, vincadas na alcatifa do corredor do 2º piso…    

Próxima crónica: Parte II – Pela ilha de Pélops, enfrentando uma insólita armadilha e competindo na Antiga Olímpia.



1 Comments:

Blogger blogdaverinha said...

Obrigada por esta lição de historia. ADOREI! força para continuar.Bs

3/7/15 18:30  

Enviar um comentário

<< Home