segunda-feira, julho 13, 2015

(2) Pelas terras do Mundo Helénico ao encontro dos deuses e dos homens

Parte II – Pela ilha de Pélops, enfrentando uma insólita armadilha e competindo na Antiga Olímpia.

O dia nasceu límpido. O azul do céu irradiava uma claridade que realçava o casario branco da cidade e o ar parado, transmitia uma sensação de tranquilidade. Nada fazia prever as surpresas que este primeiro dia do mês de Junho nos reservava.
Após o pequeno-almoço, que decorreu em ambiente descontraído, embarcámos no bus, que nos iria levar até ao Peloponeso. Esta enorme península teve um papel determinante na luta pela criação do moderno estado grego, pois foi aqui que, em 1821, com a eclosão da revolta dos militares gregos, se deu início à Guerra da Independência, que viria a libertar o país do domínio do Império Otomano.

No Peloponeso, cujo termo significa “ilha de Pélops” (segundo a lenda, Pélops foi dado a comer aos deuses pelo seu próprio pai, Tântalo, e depois de ressuscitar inaugurou uma dinastia que promoveu o desenvolvimento da região), situam-se alguns dos mais importantes locais da história Grega, como Micenas (centro da cultura micénica que se expandiu entre 1700 e 1100 a.C.), Esparta (a poderosa cidade-estado da Grécia Antiga), Olímpia (o santuário de grande influência religiosa e política onde nasceram em 776 a.C. os jogos olímpicos), Nafplio (a cidade mais elegante da Grécia continental, que foi a primeira capital do país depois da independência) e Epidauro (mais conhecido pelo seu teatro, este santuário foi um importante centro terapêutico, dedicado a Asclépio, deus da medicina).

A primeira paragem do dia deu-se junto ao Canal de Corinto, uma obra cuja construção começou no tempo do imperador Nero, mas só veio a ser concluída entre 1881 e 1893. Atravessámos a pé a ponte sobre o canal, e pudemos admirar as dimensões (comprimento 6343m; largura 24,6m; altura das paredes 79m) desta obra espantosa, que teve um importante papel na prosperidade de Corinto, e que, teoricamente, teria transformado o Peloponeso numa ilha…

Micenas, uma das primeiras cidades que se tornaram culturalmente independentes da hegemonia cretense, foi o objectivo seguinte. Ali chegados, iniciámos a visita pelo museu que possui uma preciosa colecção de objectos da arte micénica, dos quais se destaca uma máscara mortuária de ouro, inicialmente atribuída a Agamémnon, embora posteriormente tenha sido abandonada essa pertença.

Terminada a visita, pusemo-nos a caminho das ruínas da cidade, descobertas em 1874 pelo arqueólogo alemão Heinrich Schliemann. A parte final da subida, que nos conduziu à entrada principal da cidade, a famosa Porta dos Leões (séc. XIII a.C.), foi feita já com alguma dificuldade, dado o calor que se fazia sentir. Com o cansaço, poucos, ou mesmo nenhum dos viajantes, se aperceberam de um vulto corpulento, envolto numa túnica negra que lhe cobria a cabeça, escondido atrás de um dos portais desta magnífica porta.

A caminhada pelas ruínas prosseguiu, pela rampa grande, passando pelo Templo Circular e pelo Palácio Real, e nela pudemos apreciar o que resta das Ciclópicas Muralhas que envolviam todo o complexo. Terminada a caminhada, já no regresso algo inesperado aconteceu.

O Mito do tributo anual que Atenas tinha de pagar ao rei Minos de Creta, e que consistia na entrega de sete jovens (os mais esbeltos) e sete donzelas, para serem sacrificados num jogo mortal com os touros, no Labirinto do Palácio de Cnossos, e finalmente devorados pelo Minotauro, esteve quase a repetir-se aqui em Micenas, embora numa forma mais aligeirada (em vez dos tais sete esbeltos mancebos, foram só dois os que foram alvo de uma tentativa de rapto, para pagamento do tal tributo, e as donzelas, desta vez ficaram isentas do imposto…).

Passamos a contar: Dois dos luso-viajantes, Jorge e José, entretidos em amena cavaqueira, atrasaram-se um pouco em relação ao resto do grupo, e quando pretendiam dirigir-se para a saída, foram surpreendidos pelo tal vulto de capa negra, (já referenciado nesta crónica por duas vezes), que lhes surgiu de rompante por detrás de uma rocha e num gesto teatral se desapossou da capa, mostrando a sua terrível cabeça de touro e revelando assim a sua verdadeira identidade: era o Minotauro em pessoa (ou para ser mais rigoroso, em meia pessoa, a outra meia era touro…).

Os dois jovens, já habituados a lidar com situações difíceis, não perderam a calma e acelerando o passo procuraram escapar, mas foi nessa altura que tudo se complicou. A um gesto do Minotauro, acompanhado por um terrível urro, como num mau filme de ficção científica, todos os caminhos circundantes se transformaram num imenso labirinto, um verdadeiro dédalo, que tornava impossível qualquer fuga.

Jorge e José não hesitaram, e em passo de corrida dirigiram-se para a zona do museu, procurando aí uma saída. Mas foi em vão. Depois de umas 3 ou 4 voltas ao museu, feitas sob o olhar meio desconfiado, meio irónico, do funcionário da recepção, decidiram tomar outra direcção, sempre perseguidos à distância pelo Minotauro, que no entanto não se atrevia a aproximar dos dois luso-viajantes, receando uma reacção violenta destes destemidos lusitanos, habituados que estavam às lides da festa brava…
Os minutos iam passando, e a tensão aumentava à medida que as tentativas de Jorge e José esbarravam nas paredes do labirinto, incapazes de encontrar a saída. Tomaram então a decisão que se impunha: “Vamos pegar o touro pelos cornos!”. E se bem pensaram, melhor o fizeram, arremetendo contra o Minotauro, que assustado com tamanha audácia, escapuliu-se desaparecendo de vez.

Agora punha-se a questão de como sair do emaranhado em que se tinham envolvido. Então de novo a riquíssima Mitologia Grega inspirou uma resposta, por sinal bem actualizada, para a situação. Em vez do fio do novelo da princesa Ariadne, filha do rei Minos, que ajudou Teseu a sair do Labirinto, foi a linha telefónica, do telemóvel da princesa Marina que conduziu os dois jovens lusos para fora da armadilha montada pelo Minotauro, e tudo acabou em bem, com Jorge e José a serem acolhidos pelos seus companheiros de viagem de uma forma entusiástica.
Um pouco afastada, Aristeia presenciou toda a cena e não conseguiu evitar um sentimento de admiração pelo sucedido, sentimento esse que iria sendo desenvolvido ao longo da viagem, afastando as suspeitas sobre a bondade das intenções dos viajantes vindos da longínqua península lusitana.

Voltemos de novo à realidade (ou áquilo que pensamos ser a realidade, é difícil perceber na Mitologia Grega, onde acaba a ficção e começa a realidade…). No extremo sul das ruínas de Micenas, fomos a seguir visitar a chamada Câmara do Tesouro de Atreu (Atreu, segundo a Mitologia, foi rei de Micenas, filho de Pélops e pai de Agamémnon), que constitui um notável tholo (Tumba abobadada destinada aos soberanos), construído no séc. XIV a.C. e considerado o mais monumental que se conhece na Grécia.

Não se trata exactamente de uma Câmara do Tesouro, mas foi apelidada desse modo devido à riqueza dos objectos fúnebres que lá se encontraram (ao contrário dos gregos, seus contemporâneos, que cremavam os mortos, os micénicos sepultavam-nos em túmulos, juntamento com os utensílios e os mantimentos necessários para a viagem até ao outro mundo). Com mais de treze metros de altura, esta é a maior construção abobadada pré-romana conhecida, tendo na abóbada, em consola, a sua principal característica.
De novo o empreendedor Lord Elgin aparece ligado ao saque das obras de arte gregas, ao levar desta vez as colunas da entrada da Câmara, vendidas mais tarde ao museu Britânico.

Já no bus, iniciámos a viagem de cerca de 55 km, que nos iria levar até ao Santuário de Epidauro, um grande centro terapêutico e religioso, dedicado a Asclépio, um médico mortal, deificado por Zeus após a morte, devido às muitas curas que realizou, tornando-se assim o deus da medicina.

Este santuário situado na Argólida, nas margens do mar Egeu, conheceu o seu esplendor nos séculos VI, V e IV a.C., atraindo doentes de todo o mundo. Com o domínio romano sobre a Grécia a sua importância foi diminuindo.
O seu teatro, construído no séc. IV a.C., chegou até aos nossos dias em excelente estado de conservação, e é famoso pela sua notável acústica, o menor som é ouvido claramente na última fila das bancadas. Possui uma capacidade para cerca de 14000 lugares, e nele ainda hoje se realizam diversos espectáculos de teatro, música e dança.
Uma última referência histórica: foi no dia 12 de Janeiro de 1822, que a Assembleia Nacional da Grécia, reunida aqui na cidade de Epidauro, proclamou a independência do país, então dominado pelo Império Otomano. Os gregos começavam assim a sua Guerra da Independência.

A jornada estava a chegar ao fim. O nosso último destino era a cidade de Náfplio, situada no golfo Argólico, a primeira capital da Grécia independente, de 1829 a 1834.
A história desta cidade está intimamente ligada às várias ocupações de que foi vítima, dada a sua posição estratégica. Foram os turcos, por duas vezes (1540-1686 e 1715-1822), e os venezianos (1686-1715). Destes períodos chegaram até hoje as diversas fortalezas e castelos que ocupam as colinas que rodeiam a cidade (a sul as fortalezas de Akronafplía e Palamídi e a norte o castelo de Boúrtzi, num ilhéu frente ao cais de Náfplio), bem como mesquitas, hoje convertidas noutras funções (uma delas deu origem à catedral de Agios Geórgios).

A herança veneziana é especialmente bem visível no bairro medieval, com os seus passeios de mármore e elegantes palacetes.
Ainda o sol ia alto, quando o nosso bus estacionou na marginal, na Plateia Iatrou, junto ao cais. Os viajantes puderam então esticar as pernas, embrenhando-se pelas simpáticas ruas e largos de Náfplio, saboreando o ar fresco da tarde que soprava do golfo.

A harmonia da arquitectura, a claridade dos passeios em mármore, a profusão de lojas com coloridas decorações, as confortáveis esplanadas e os arranjos de flores ornamentando as ruas emprestam um encanto especial a esta cidade, cujo centro da vida pública é a Plateia Syntágmatos.
Foi pois com alguma pena que os viajantes regressaram ao bus para rumarem ao hotel onde jantariam e pernoitariam esta noite. Este foi o primeiro hotel da cadeia Amalia onde ficámos instalados, todos eles de excelente qualidade e implantados em agradáveis espaços naturais.

Após o jantar os luso-viajantes organizaram-se segundo os seus interesses. Houve leitura, uma mesa de king e um grupo não resistiu ao chamamento de Náfplio à noite, e voltou à cidade para desfrutar de uma repousante deambulação pela marginal e pelas ruelas, que ganharam um encanto especial com a iluminação noturna, enquanto a lua os espreitava lá do alto, encavalitada na velha fortaleza veneziana de Palamídi (cujo nome homenageia o herói homérico Palamedes, filho de Náfplios).
O dia tinha chegado ao fim, o episódio da tentativa de rapto dos dois lusitanos já estava esquecido, a boa disposição imperava, a noite foi tranquila. Esperava-nos um dia olímpico...

E entrámos no segundo dia pela península do Peloponeso. A saída do hotel fez-se pelas 9 horas e o destino era a Antiga Olímpia.
Talvez pela impressão positiva causada pelo desfecho da aventura de ontem, Aristeia apresentou-se de excelente disposição, ainda mais conversadora, brindando-nos com os seus profundos conhecimentos da História e da Mitologia Grega.

Fomos directos às ruínas do Santuário de Olímpia, que foi durante mais de mil anos um dos mais importantes centros religiosos e desportivos do mundo helénico. Ficam aqui alguns dados sobre os mais importantes jogos pan-helénicos, que aqui eram celebrados.

Situado na confluência dos rios Alfeu e Cladeos, este calmo santuário era, de quatro em quatro anos, em pleno Verão mediterrânico, invadido por uma multidão que se reunia para venerar Zeus e para assistir aos Jogos Olímpicos, admirando os feitos dos seus atletas. Os vencedores recebiam uma simples coroa de oliveira, mas eram considerados verdadeiros heróis e tinham um acolhimento triunfal nas suas cidades de origem, onde eram alvo de grandes regalias (eram imortalizados em estátuas, depois da sua morte ascendiam à categoria e deuses e, mais importante que tudo isso, nalgumas cidades ficavam até isentos do pagamento de impostos até ao fim da sua vida…).

Originalmente havia uma única prova, a corrida masculina, e os participantes eram todos da região, mas nos anos seguintes as provas foram aumentando, e no século V a.C. o programa já compreendia 15 provas e tinha a duração de 5 dias. Podiam participar todos os cidadãos gregos livres, isentos de qualquer condenação, regra que foi suspensa na época do domínio romano. Os primeiros jogos de que há registo foram em 776 a.C. e os últimos no ano 393, quando são proibidos pelo imperador romano Teodósio. De referir que durante o período da celebração dos jogos, estendendo-se ao período necessário para a chegada e para a partida dos participantes, aplicava-se a Trégua Sagrada, que proibia todo o acto de violência, guerra ou mesmo as execuções de penas de morte. 

Os atletas disputavam as suas provas nus, exceptuando nas corridas dos carros, esfregavam os corpos com azeite e espalhavam areia sobre os membros. Talvez por isso (?) às mulheres estava interdita a entrada no recinto desportivo, com a única excepção da sacerdotisa de Deméter, que presidia, no seu trono, às competições.

Voltemos então à nossa visita às ruínas, amplamente documentada e explicada pela Aristeia, com o auxílio precioso de uma planta do local. Entrámos no recinto pelo Pórtico de Eco e, avançando pela via principal, fomos visualizando os edifícios mais emblemáticos: A Palestra, onde funcionava um centro de treinos para o boxe, a luta e o salto em comprimento; A Oficina de Fídias, onde este escultor famoso realizava os seus trabalhos; O Leonidaion, destinado a acomodar os hóspedes distintos; O Philippeion, que homenageia os reis da Macedónia; O Templo de Hera (a esposa de Zeus), cuja construção se iniciou no séc. VII a.C. e é um dos mais antigos da Grécia; O Templo de Zeus, este templo dórico do séc. V a.C., é o mais imponente de todo o recinto e possuía uma enorme estátua do deus; As Câmaras dos Tesouros, onde se guardavam as oferendas das cidades-estado; O Estádio, onde se desenrolavam as provas de atletismo.

No final da nossa visita, exactamente aqui no Estádio, mais um insólito acontecimento sucedeu. Talvez influenciado por todo o ambiente, carregado de magia e de história, Fernando decidiu tentar a sua sorte numa imaginária prova de velocidade, e saltou para a pista de 192 m, disposto a ganhar a sua coroa de oliveira (ou talvez a ficar isento de impostos na sua cidade-estado…). Em grande velocidade, e em bom estilo, não percorreu totalmente os 192 metros (talvez tenha percorrido uns 10 ou 15 metros), mas chegou destacado à linha da meta.
Mas os regulamentos são para cumprir, e a sacerdotisa de Deméter do alto do seu trono foi implacável. O luso-atleta não tinha competido devidamente equipado (todo nu), e assim ela não tinha podido avaliar, com rigor, a dimensão e o peso dos seus atributos atléticos, logo o veredicto não podia ser outro: Estava excluído. O Fernando lá teria de continuar a pagar o seu IRS como sempre…
Acabada, de forma um pouco inglória, a visita às ruínas da Antiga Olímpia, dirigimo-nos ao museu, edificado perto das escavações e inaugurado em 1982. Nele estão expostos todos os tesouros descobertos na área.

Do riquíssimo espólio, destacamos o conjunto de armas e capacetes, que eram uma oferenda usual feita a Zeus, aqui em Olímpia, por peregrinos e atletas. Desse conjunto a nossa atenção foi atraída pelo capacete de Milcíades, o vencedor de Dário, o rei dos Persas, na célebre batalha da Maratona, em 490 a.C..
Uma referência também a uma estátua de terracota, do séc. V a.C., que representa Zeus e Ganimedes, e aos excelentes frontões que pertenceram ao Templo de Zeus.
O dia estava a chegar ao fim. Foi com toda a propriedade uma jornada olímpica que nos permitiu um conhecimento vivo e mais profundo de uma realidade, que tendo a sua origem na Grécia Antiga, veio a ganhar uma dimensão mundial, após 1896, com os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna. 

Próxima crónica: Parte III – Das profecias do oráculo de Delfos aos mosteiros suspensos da Meteora.   



3 Comments:

Blogger Unknown said...

Ficamos a aguardar, ansiosamente, a III parte. O conto é de tal forma empolgante e rico em pormenores,que nos faz transportar até àquelas paragens ... Até parece que lá estivemos ... Muito Bom!

13/7/15 17:58  
Blogger blogdaverinha said...

Caro Amigo luso-viajante e investigador
Percebi, agora, a história do "vulto"....terei de voltar a ler para melhor entender!
Obrigado pela lição de historia grega e pela discrição da n/ viagem.
Fartei-me de rir sozinha, a historia dos luso-viajantes está demais.
Bjs

14/7/15 00:34  
Blogger Unknown said...

Marina e josé Carlos:
É um retrato atento , fiel e exaustivo de um dia memorável (já tenho saudades ) e onde não falta a ironia a propósito
de uma fuga que , segundo constou , visava o ataque às muralhas micénicas e a tomada do reino ( pela astúcia. . . . claro! ) e , ainda ,
a tentativa da obtenção dos mínimos para os Olímpicos.
Perfeito.
Documento a guardar.
Bem hajam e obrigado.
Alberto Brás

14/7/15 15:53  

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