quarta-feira, dezembro 09, 2015

O Atrium em Tomar, na rota da Ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo e do Templo de Salomão

                                        Selo da Ordem dos Templários

Corria o ano de 1314, naquela fatídica noite de sexta-feira 13 de Março, Jacques DeMolay (o último grão-mestre dos templários) e Guy D'Auvergnuie (o seu preceptor) eram barbaramente executados, queimados vivos na fogueira, por ordem de um fraco rei, Filipe IV de França, conhecido como Filipe o Belo, que para tal conseguiu a conivência do Papa de então, Clemente V. 
A Ordem do Templo, fundada em 1118 no seguimento da Primeira Cruzada, destinava-se inicialmente a proteger os cristãos que faziam a peregrinação aos Lugares Santos do Cristianismo no Médio Oriente, mas ao longo dos anos o seu papel histórico na Europa Cristã medieval veio a ganhar uma importância decisiva, ultrapassando largamente o seu desígnio inicial. Naquela época, as ordens militares constituíam uma verdadeira tropa de elite, temível pelo seu apurado treino bélico e pela sua motivação no combate. 
Os serviços por elas prestados aos reis cristãos, com especial destaque para a Ordem do Templo, foram largamente retribuídos através da doação de bens, terras, castelos e da concessão de outras regalias, o que as converteu em organizações com um poder e uma influência consideráveis na sociedade de então. 
A Ordem do Templo criou e geriu uma vasta infraestrutura económica, utilizando práticas financeiras que constituíam um verdadeiro embrião de um sistema bancário, e a sua importância tornou-se de tal modo grande que, em 1139, o Papa Inocêncio II emitiu uma bula, declarando que os templários não deviam obediência a nenhum poder secular ou eclesiástico, respondendo apenas perante o próprio papa. 
O crescimento deste poder, simultaneamente militar e económico, naturalmente veio a criar ao longo do tempo conflitos e inimizades, e explica em parte o processo desencadeado por Filipe IV, um rei profundamente endividado à Ordem, que culminou na sua extinção. 
Mais adiante abordaremos o papel da Ordem na fundação e na consolidação de Portugal, mas por agora regressemos ao séc. XXI, mais precisamente ao dia 10 de Outubro de 2015.
No Largo da Luz, local de uma peregrinação religiosa desde 1437 e cenário de uma das mais antigas feiras de Portugal, numa manhã chuvosa, cinzenta e pesada, um grupo de destemidos cruzados inicia a sua jornada a bordo de um autocarro da Barraqueiro: O seu objectivo Tomar, a bela e misteriosa Cidade Templária, fundada em 1162 por D. Gualdim Pais. 
À hora aprazada desembarcámos no centro de Tomar, junto ao complexo museológico da Levada. À nossa espera, para além da chuva miudinha que nos acompanhou durante quase todo o percurso, estava o nosso anfitrião, o Dr. António Costa Cabral, que com a sua simpatia e disponibilidade foi o principal responsável pelo êxito deste nosso fim-de-semana pela terra dos Templários. 
A visita ao Museu da Levada de Tomar, guiada pela Drª Graça Filipe, a responsável pelo respectivo projecto, permitiu-nos a descoberta de um interessante conjunto patrimonial, constituído pelas estruturas hidráulicas e pelos três núcleos de edifícios (os Lagares, as Centrais Eléctricas, e as Moagens), construídos no rio Nabão, no centro urbano de Tomar, que remonta ao século XII quando os Templários constroem o Açude dos Frades desviando assim parte das águas do Nabão para um canal, a Levada. 
Com a dissolução da Ordem dos Templários, no século XIV, a posse dos lagares e moinhos associados transitou para a Ordem de Cristo, onde se manteve até ao século XIX, quando foi decretada a extinção das ordens religiosas. 
Iniciámos o percurso pelas Moagens, as mais antigas funcionando com recurso directo à energia hidráulica, e as mais recentes usando a energia eléctrica, produzida numa central hidráulica. De salientar que a actividade de moagem da firma Mendes Godinho, se manteve até finais do século XX. 
Visitamos em seguida o complexo denominado Lagares d’El Rei, que data do século XVI, cuja utilização ao longo do tempo sofreu diversas alterações, desde a produção de farinha e de azeite, até a usos de tipo industrial como serralharia, mecânica, fundição e serração.
Apesar da chuva miudinha que nos acompanhou durante toda a manhã, pudemos apreciar o excelente trabalho de recuperação de todo este conjunto edificado, que no final do século XX passou a propriedade municipal, e que constitui já hoje um importante polo do património cultural da cidade de Tomar. 
Entretanto, com o adiantado da hora, os estômagos dos intrépidos viajantes começaram a dar sinal de si, e a hora do almoço impôs-se. No restaurante Calça Perra tivemos então a oportunidade de apreciar uma excelente refeição num ambiente acolhedor e descontraído. 
A parte da tarde foi preenchida com a visita ao Convento de Cristo, um grandioso complexo que mereceu a classificação de Património da Humanidade pela UNESCO, e que constituiu um bastião português da Ordem do Templo e mais tarde da Ordem de Cristo.
Trata-se de um conjunto monumental constituído pelo Castelo Templário de Tomar, cuja fundação data de 1160, pelo Convento da Ordem de Cristo da época do Renascimento, pela cerca conventual, hoje conhecida por Mata dos Sete Montes, pela Ermida da Imaculada Conceição e pelo aqueduto conventual, também conhecido por Aqueduto dos Pegões. 
A visita guiada foi enriquecida pela Drª Amélia Casanova, nossa anfitriã, que nos conduziu com os seus vastos conhecimentos pelos meandros da história deste local, de grande importância no processo de formação e de consolidação da nação portuguesa.
Influenciados por todo o ambiente, por momentos mergulhamos de novo no século XII, e assistimos à chegada dos Templários às terras da antiga Lusitânia, por volta do ano de 1126, quando, em troca da sua colaboração na reconquista cristã, recebem em doação por D. Teresa, mãe de Afonso Henriques, os terrenos da Fonte Arcada (Penafiel) e o castelo de Soure, onde instalaram a sua sede. 
É o início de uma presença justificada pela referida colaboração na reconquista cristã, mas também pela necessidade de assegurar uma costa segura para os peregrinos e os cruzados oriundos do Norte da Europa, que rumavam à terra santa. 
D. Afonso Henriques, que entretanto tomara o poder no Condado Portucalense, confirma aquelas doações, e elege a cavalaria templária como uma força militar ao seu serviço, integrando a vanguarda do exército real. 
Deste modo os templários participam nas conquistas e batalhas mais relevantes do processo que conduziu à fundação de Portugal, nomeadamente nas conquistas de Santarém, Lisboa, Alcácer do Sal, Silves e na batalha de Ourique. 
Segundo alguns autores, o próprio D. Afonso Henriques, não sendo um membro da Ordem, foi pelo menos “confrade do Templo”. Essa ligação transparece neste excerto da sua carta de doação de Soure aos Templários em 1129: “ (...) esta doação faço, não por mando, ou persuasão de alguém, (...) e porque em a vossa Irmandade [Ordem do Templo] e em todas as vossas obras sou Irmão (...) Eu o Infante D. Afonso com minha própria mão roboro esta carta.”. 
A esta identificação e conjugação de interesses, entre o nosso primeiro rei e a Ordem do Templo não terá sido estranho o facto de S. Bernardo, o Patrono da Ordem, que se deslocou várias vezes a Portugal, ser primo de D. Afonso Henriques. 
A importância dos templários na consolidação e desenvolvimento de Portugal, estendeu-se para além da sua extinção, pois o rei D. Dinis habilmente conseguiu que os bens, os cavaleiros e a sua estrutura organizativa fossem integrados numa nova ordem religiosa militar portuguesa criada em 1318, a Ordem de Cristo, que se tornou assim a herdeira directa da antiga Ordem do Templo. 
Para finalizar este já longo interregno histórico, refira-se a propósito a importância da Ordem de Cristo, no início do processo dos descobrimentos: os capitães das primeiras naus, que nas velas ostentavam a cruz da Ordem de Cristo, eram todos cavaleiros da Ordem, e o objectivo inicialmente traçado pelo seu estratega, o Infante D. Henrique, na época responsável pelas finanças da Ordem, era a “demanda do reino do Preste João”, o lendário soberano de um poderoso reino cristão, com quem as monarquias ocidentais ambicionavam aliar-se, no combate ao inimigo islâmico. 
O dia já ia adiantado quando após um ligeiro descanso na residencial Cavaleiros de Cristo (não poderia ser mais adequada a escolha do local para a pernoita dos bravos cruzados lisboetas…) nos dirigirmos ao restaurante Taverna Antiqua, para um agradável jantar à luz de velas, num ambiente medieval, um final perfeito para um dia cheio de História e de histórias. 
O domingo amanheceu mais claro, e tomado o pequeno-almoço, partimos para o último objectivo da nossa viagem, uma visita à Adega da Encosta do Sobral, com uma prova de vinhos e um almoço. 
Na companhia do Dr. António Costa Cabral, fomos recebidos pelo enólogo Marco Crespo, que com grande simpatia e paciência nos guiou na visita às instalações da adega e nos orientou na prova dos diversos vinhos da produção da Encosta do Sobral. 
Por fim, fomos brindados com uma magnífica sopa de pedra, que aconchegou os nossos estômagos, acompanhada pelos excelentes vinhos da adega, que alegraram os nossos espíritos. 
Foi já com alguma saudade, e algumas garrafas judiciosamente adquiridas, que nos despedimos e iniciámos o regresso a Lisboa. 
Para trás ficou um fim-de-semana cheio, que nos proporcionou, pela amizade e pela disponibilidade dos nossos anfitriões, uma viagem à nossa História e a descoberta de uma cidade rica de tradições e com um património cultural invejável, Tomar a Cidade Templária.

1 Comments:

Anonymous Fatima Neves said...

Aqui vai um comentário: Não fui e tive pena...deve ter sido interessante pelo que li e vi em fotos. Parabéns a quem fez investigação e que bem escreve no blog. Força e continuem beijos

11/12/15 14:36  

Enviar um comentário

<< Home