quarta-feira, janeiro 27, 2016

O Atrium a bordo de um navio da armada soviética, dividido entre a anarquia e a ordem revolucionária


Foi em Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite, na noite de 13 de Janeiro, que subimos a bordo de um navio de guerra soviético, algures num porto do mar Negro, para assistir ao embate entre uma tripulação de marinheiros anarquistas - que se opõem à autoridade do partido bolchevique, no poder após a Revolução de Outubro de 1917 - e a jovem comissária política do Exército Vermelho, enviada com a missão de restabelecer a ordem, e de pôr os mari­nheiros ao serviço da causa revolucionária.
Ao longo da peça assiste-se a um debate ideológico, no qual se discutem, e se põem em causa, os ideais da Revolução, em oposição a uma certa ideia de anarquismo, aqui apresentado não como uma perfeita e completa ordem social (como defendem os teóricos deste corrente), mas antes como um bando, dominado por um influente cabecilha, que se rege por instintos bastante primários e despidos de qualquer preocupação de justiça (recorde-se da cena do pretenso roubo de uma velha por um marinheiro, que acaba com os dois atirados borda fora) ou de respeito pela mulher (as tentativas de violação da comissária, que terminam com o agressor devidamente baleado pela sua potencial vítima).      
Esta tragédia optimista, aparentemente muito datada, terá de ser vista e interpretada à luz da realidade política e social dos nossos dias, pois pensar o comunismo bolchevique no contexto da antiga União Soviética é uma tarefa que se afigura destituída de interesse.
Trata-se fundamentalmente da eterna discussão acerca da contradição entre a liberdade individual (e individualista) e a consciência colectiva, ou seja, entre o interesse individual e o interesse colectivo.
O seu autor é Vsevolod Vichnievski (1900-1951), um dramaturgo e escritor russo que celebrou a revolução russa nas suas obras. Para além da sua carreira literária, também se distinguiu como militar, tendo participado no cerco a Leninegrado. Foi correspondente de guerra do jornal Pravda. A tragédia optimista é a sua obra mais conhecida, tendo sido levada à cena pela primeira vez em 1933.