terça-feira, janeiro 19, 2016

O complexo industrial da Manutenção Militar. Uma preciosa relíquia transformada em cidade fantasma

A manhã daquele dia 21 de Novembro nasceu triste, cinzenta e chuvosa, bem de acordo com o sentimento que reinava, no final da visita guiada ao Núcleo Museológico da Manutenção Militar, entre os resistentes atriunistas que, arrostando com a intempérie, compareceram na Rua do Grilo, lá para a zona oriental da cidade de Lisboa. 
De facto, este complexo, com as suas fábricas e serviços integrados, ocupando uma extensão de 80 mil metros quadrados, constitui um caso raro de património industrial e um exemplo de arquitectura e design industrial, do melhor que se fez na Europa no seu tempo, final do século XIX e início do século XX, mas que hoje, apesar do excelente estado de conservação de alguns dos seus equipamentos, nos aparece como uma “cidade fantasma”, em riscos de desaparecer como resultado de um qualquer apetecível negócio especulativo.
Estas preocupações foram-nos transmitidas pela Catarina Duarte, a responsável pelo Núcleo Museológico da Manutenção Militar, que nos recebeu e acompanhou durante toda a visita, enriquecendo-a com os seus conhecimentos e também com o seu entusiasmo na luta pela preservação deste património. 
Façamos agora um pouco de história sobre a vida da instituição Manutenção Militar (MM). Em 1861, o Ministro da Guerra, Marquês de Sá da Bandeira, determina o início, a título experimental, do fabrico e fornecimento de pão ao Exército, sob administração directa do Estado, dando assim origem à Padaria Militar, situada junto à Rocha do Conde de Óbidos, o embrião do que viria a ser a actual MM. Cerca de 27 anos mais, em Maio de 1888 foi autorizado o governo a criar no extinto Convento das Carmelitas (vulgarmente conhecido como das Grilas) uma fábrica de moagem, de panificação e de bolacha, depósitos, armazéns, cocheiras e cavalariças. 
Este estabelecimento forneceria o exército, a armada e os corpos e estabelecimentos dependentes dos ministérios do reino, justiça, guerra e marinha. As obras de adaptação concluíram-se em 1896, e a moagem e padaria começaram a funcionar em Agosto desse ano. Em 6 de Março de 1897 foi ordenada a elaboração de um plano para a ampliação das instalações, e em Junho desse ano foi aprovado a legislação que organizou definitivamente a MM, sendo o ambicioso projecto da autoria do capitão de engenharia e professor da Escola do Exército, Joaquim Renato Baptista. 
Assiste-se então a um notável desenvolvimento da sua actividade, sendo de referir a implementação de vários equipamentos e estruturas, tais como: Fábrica de Moagem, Depósito de Trigo, Padaria, Prensas, Amassadores e Laminadores para massas, Via-férrea de resguardo para 10 vagões, Laboratório, Oficinas, Cozinhas e Refeitórios, Banhos, Cocheira e Caserna de Condutores, Fábrica de Panificação e Fábrica de Massas, mecânicas. 
Na década de 60 do século XX, a MM passa a ser responsável pelo serviço de abastecimento de gasolina e óleo às Forças Armadas, e com o eclodir da Guerra Colonial, a necessidade de abastecer os milhares de militares espalhados pelos diversos teatros de guerra em África, exige um enorme esforço na implantação e no dimensionamento da MM. Verifica-se um aumento da sua produção, que se organiza por turnos, principalmente na fabricação de comprimidos e dos componentes das rações de combate, e concretiza-se a abertura de sucursais em Angola, Moçambique e Guiné. 
Em 1974, a Revolução de Abril e o fim da guerra, impõem uma adaptação à nova realidade, através da sua reorganização, segundo parâmetros racionais de economia, eficiência e melhoria técnico-profissional. Finalmente em Janeiro de 2015 é publicado um Decreto-Lei que prevê a criação de uma nova Entidade Pública Empresarial (denominada MM – Gestão Partilhada, EPE), com o Estado a assumir um total de 25,5 milhões de euros de passivos da actual Manutenção Militar. Para alguns o objectivo último desta decisão é criar uma nova entidade, completamente «limpa» e portanto mais apetecível, para posterior privatização.
É pois incerto o futuro deste Núcleo Museológico da Manutenção Militar, que tem nas suas mãos um bem colectivo, um património que encerra uma memória de um período histórico, em parte vivido por alguns de nós, e que a sua destruição significaria um empobrecimento na nossa identidade. 
Pelo seu interesse, incluímos abaixo o link para o programa Visita Guiada, da RTP2, precisamente dedicado à Manutenção Militar.




























1 Comments:

Anonymous Gin said...

Mais um texto e uma colecção de fotografias excelentes de uma visita muito interessante.

22/1/16 18:22  

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