quinta-feira, março 03, 2016

Do ambiente luminoso do Teatro Romano à escuridão sufocante dos curros da Prisão do Aljube


Foi uma jornada que, na manhã do dia 6 de Fevereiro, nos conduziu desde as novas instalações do Museu do Teatro Romano, até ao Museu da Resistência, recentemente inaugurado no antigo edifício da Prisão do Aljube.
O Teatro de Lisboa, uma das primeiras obras de monumentalização da cidade romana, foi edificado nos inícios do séc. I d.C., provavelmente na época do Imperador César Augusto. Ocupava a vertente sul da colina do castelo, e constituía um espaço nobre e imponente, com uma capacidade para cerca de 4000 espectadores.
Abandonado no século IV d.C., permaneceu soterrado até 1798, ano em que as ruínas foram descobertas durante a reconstrução da cidade de Lisboa, após o terramoto de 1755.
Hoje, com um conhecimento mais completo da extensão do conjunto edificado, em resultado das recentes escavações arqueológicas, pode-se concluir que estamos perante um importante projecto de engenharia, só possível de ser realizado com a participação directa do poder de Roma, e cujo objectivo seria a criação de uma marca simbólica do novo poder na cidade de Olisipo.
A recente descoberta de um enorme muro, que teria a função de suportar a fachada cénica, bem como a de sustentar a colina onde o teatro se implantou, permitiu compreender a complexa solução que foi adoptada para vencer o enorme desnível topográfico existente neste local.
O Museu reabriu em Setembro de 2015, depois de ter encerrado em Maio de 2013 para obras de ampliação, e constitui um interessante e luminoso espaço que, para além do Teatro Romano, a sua principal atracção, nos mostra também a história desta zona da cidade, antes e depois da ocupação romana, através da exposição de diversos objectos da Idade de Ferro, bem como das épocas Medieval e Moderna, distribuídos pelos três andares do edifício.
Uma última referência a um curioso painel vertical, existente no piso inferior do museu, que nos mostra o perfil estratográfico do local, através dos materiais extraídos das escavações, constituindo como que um retrato dinâmico das diversas ocupações que se sucederam ao longo dos tempos. Entre esses materiais podemos ver, por exemplo, vestígios de centeio queimado, provenientes do grande incêndio que se seguiu ao terramoto do 1755.
(Para complemento, poderão ver no link a seguir indicado, um pequeno filme de animação que recria em desenhos de três dimensões, a cidade romana, dando especial destaque ao Teatro Romano:
https://www.youtube.com/watch?v=h4psKuL6qqQ#t=353 ).
A segunda visita da manhã, foi mais sombria e remeteu-nos para a lembrança dos tristes anos em que Portugal viveu sob um regime ditatorial, que perseguia, prendia, torturava e matava, aqueles que ousavam lutar pela liberdade do povo. Foi uma viagem a um passado não muito distante, que realizámos pelos quatro pisos do novo Museu do Aljube - Resistência e Liberdade.  
Dentro daquelas paredes, ao percorrer os corredores escuros e sufocantes, sobretudo no segundo piso onde se situavam os tristemente célebres curros, salta à nossa memória, com uma terrível nitidez, o exemplo daquelas mulheres e daqueles homens, vítimas-heróis, que aqui sofreram as piores brutalidades, em total isolamento, apenas amparados pela força das suas convicções. E é então que, por desnecessárias, nos faltam as palavras para prosseguir esta crónica.
Em jeito de modesta homenagem, recordemos apenas o testemunho, na primeira pessoa, de um desses resistentes que por aqui passaram: “…Fui preso no Barreiro, em 11 de Janeiro de 1962, dentro do recinto das fábricas da CUF, tendo sido conduzido de imediato para a sede da PIDE onde se iniciou, pouco depois, uma primeira sessão de contacto directo com a violência. Já de madrugada, fui levado para o Aljube, para os “curros”… onde acabei por ficar 127 dias, sendo que eu sabia que a maior parte dos presos não iam para ali e que raramente ficavam mais de umas semanas. Neste período estive “ausentado” três vezes num total de 23 dias e noites sem dormir, na sede da PIDE. “ (extracto do depoimento de José Hipólito dos Santos).
Mas ao transpor a porta do Museu, desfez-se a penumbra e fomos invadidos pela luminosa claridade da manhã lisboeta, que nos veio recordar que, afinal, o dia inicial inteiro e limpo, das palavras de Sophia, já tinha transformado os “Aljubes” em espaços de uma memória, que não deverá ser esquecida para que nunca mais se possa repetir.
A jornada terminou então num animado e descontraído almoço na Churrasqueira de Stº. António, na rua dos Bacalhoeiros.
































1 Comments:

Blogger Jorge said...

Foi isso mesmo. Bom texto.

3/3/16 21:03  

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