sábado, novembro 21, 2009

Um Magusto com lume, castanhas e vinho

Mais uma vez a tradição foi respeitada. No passado dia 14 de Novembro, em casa da Teresa, em Caneças, houve convívio, assaram-se castanhas e bebeu-se vinho. Cumpriu-se o verso popular...
Em dia de S. Martinho,
Lume, castanhas e vinho.
Um único senão. Contrariamente ao que sucedeu o ano passado (ver post de Novembro de 2008), as autoridades desta vez não se quiseram associar à nossa comemoração: nem a surpresa de uma operação stop, nem um balão soprado a medo, nem a adrenalina de uma shot-gun apontada. Nada! Que saudades do tempo do governo de maioria absoluta, com músculo, com garra, com rumo. Agora se calhar até já esgotaram a verba para a aquisição das palhinhas dos balões da PSP...
Para compensar, um pouco de cultura. Transcrevemos abaixo um curioso texto extraído de um blogue denominado “Escavar em ruínas” da autoria de Jofre de Lima Monteiro Alves.



MAGUSTOS E FESTEJOS ASSOCIADOS À CASTANHA
A castanha foi alimento primordial na cadeia alimentar humana em tempos idos, quando a miséria era tanta como os piolhos, sendo gradualmente substituída e marginalizada pela introdução de outros produtos, em especial a batata e o milho. Foi mantimento básico, insubstituível, até ao século XVI, importância que se prolongou nalgumas regiões até ao século XVIII.
Dela se fazia o sustento essencial, o caldo substancial, o puré de atulho, a escolta aos demais alimentos e inúmeros pratos, tudo aos punhados. Na mesa do pobre nunca faltava pãozinho de castanhas.
Até ao século XVII consumia-se mais castanhas do que pão de trigo e de milho ou batatas, tanto na alimentação humana, como excelente alimento para certos animais, em especial o porco, o carneiro e a vaca leiteira.
Os soutos abrangiam compactas regiões do Norte, em especial nos terrenos graníticos e xistosos de Trás-os-Montes e das Beiras. Na década de 1930 a maior mancha de castanheiros preponderava em Bragança (22.400 hectares), Guarda (15.200), Castelo Branco (12.700), Viseu (10.700) e Vila Real (10.600).
A colheita da castanha decorre de Setembro a Novembro, sendo a apanha feita por homens que varejam as árvores e rapazes que apanham os ouriços, por vezes ajudados pelas mulheres, a esgadanhar na batalha pela vidinha, o estômago precisa tanta pitança como o espírito.
Se o castanheiro falara
Ele dissera o que viu;
Debaixo da sua sombra
Dois amantes encobriu.

Hoje a castanha encerra, tão-somente, um carácter simbólico e folclórico residual associado às festas do Outono e nas celebrações dos Santos, Fiéis Defuntos e S. Martinho. Já não é festim à tripa-forra em mesa de cristãos e mouros, nem umbigo do mundo.
O vocábulo magusto tem uma origem controversa, sem certa certeza. Mas virá do latim magnus ustus, «grande fogueira, queimado», e tem correspondência no galego e no asturiano magosto. Magusto, que hoje designa tão-só as castanhas assadas, definia antigamente a própria fogueira onde alabaravam as ditas, o que está conforme com a etimologia.
As tradições que ocorriam por esta altura eram variáveis, embora com algumas pontes comuns, verdadeiras refeições cerimoniais. Outrora, ainda no início do século XIX, em algumas regiões do Norte, os festejos associados à castanha principiavam no dia de S. Simão e S. Judas Tadeu, comemorado a 28 de Outubro, ponto de partida para as merendas prazenteiras de castanhas assadas que se prolongavam até ao S. Martinho.
Em dia de S. Simão,
Quem não faz magusto
Não é cristão.

A importância de S. Martinho associado à festa popular das castanhas e como patrono do vinho e dos bêbados cresceu de tal modo e ocupou quase todo o espectro festivo ligado aos magustos, relegando para plano secundário todas as outras tradições e santinhos desta época.
S. Martinho, há que ror de anos, alcançara foros de santo popular com um conteúdo mais profundo pela analogia encavalitada com a vinhaça e a embriaguez.
Do vinho e da mulher
Livre-se o homem se puder.