segunda-feira, dezembro 22, 2014

E na despedida de 2014, o Atrium navegou pelas Maresias, uma exposição sobre Lisboa e o Tejo

Foi numa tarde chuvosa que rumámos ao Torreão Poente do Terreiro do Paço, para uma visita guiada à exposição “Maresias Lisboa e o Tejo 1850 – 2014”. Conduzidos pela Margarida Almeida Bastos, que integra o co-comissariado da exposição, fizemos uma viagem pela história recente da frente ribeirinha do cidade, desde meados do século XIX até aos nossos dias, onde se regista um notável esforço para devolver o Tejo aos lisboetas.
Os seis núcleos da exposição - Cais dos Aventureiros, Terreiro do Paço, Barcos do Tejo, Cais do Sodré, Arsenal da Marinha e Fantasias Lisboetas – retratam os diversos marcos no processo de modernização da beira-rio, desde o início da industrialização e da implantação do caminho-de-ferro, até à nossa bem conhecida Expo 98.
Talvez influenciados pelas recordações que esta interessante visita nos despertou, e pela magia que emana desta zona ribeirinha, não resistimos a enriquecer este post com alguns textos de poetas e escritores, tendo como tema a Cidade e o seu Rio.
Vamos começar por aquele que é, para nós, o mais lisboeta dos escritores portugueses, José Cardoso Pires, que começa com estas palavras o seu “Lisboa Livro de Bordo”:
“Logo a abrir, apareces-me pousada sobre o Tejo como uma cidade de navegar… O convés, em praça larga com uma rosa-dos-ventos bordada no empedrado, tem a comandá-la duas colunas saídas das águas que fazem guarda de honra à partida para os oceanos. Ladeiam a proa ou figuram como tal, é a ideia que dão; um pouco atrás, está um rei-menino montado num cavalo verde a olhar, por entre elas, para o outro lado da Terra e a seus pés vêem-se nomes de navegadores e datas de descobrimentos anotados a basalto no terreno batido pelo sol. Em frente é o rio que corre para os meridianos do paraíso. O tal Tejo de que falam os cronistas enlouquecidos, povoando-o de tritões a cavalo de golfinhos.”
A seguir propomos a leitura destes belos versos de David Mourão-Ferreira, ele também um ilustre lisboeta, extraídos do poema “Romance da Beira-Tejo”:

Certa manhã na ribeira
do Tejo, com maresia,
fragatas, e o que trazia
do mar a brisa ligeira…
- essa graça, enfim, senti-a,
à beira do Tejo, à beira,
com fragatas, maresia…

Bela! a cidade, serena...
Longe o tempo, desolado…!
Perto, só tu, a meu lado,
lírica barca pequena
que a Vida enfim há deixado
junto de mim, na serena
cidade bela do fado!

De um outro poeta, Miguel Torga, um transmontano rendido aos encantos de Lisboa e do seu rio, este poema:

O rio, ao lado, corria
A querer fugir do abraço;
Numa vela que se abria,
E onde um sorriso batia,
O mar já era um regaço.

Sophia de Mello Breyner Andresen, com a sua sensibilidade poética, escreveu:

Aqui e além em Lisboa – quando vamos
Com pressa ou distraídos pelas ruas
Ao virar da esquina de súbito avistamos
Irisado o Tejo:
Então se tornam
Leve o nosso corpo e a alma alada

Alexandre O’Neill, o poeta surrealista lisboeta, no seu “O Tejo corre no Tejo”, deixou-nos estes versos:

Tejo desta canção, que o teu correr
não seja o meu pretexto de saudade.
Saudade tenho sim, mas de perder,
sem as poder deter,
as águas vivas da realidade!

Por fim, de Manuel Alegre, um extrato da sua “Balada de Lisboa”:

Em cada esquina te vais
Em cada esquina te vejo
Esta é a cidade que tem
Teu nome escrito no cais
A cidade onde desenho
Teu rosto com sol e Tejo

No final da visita a chuva intensa que caía sobre Lisboa, impediu-nos de cumprir o passeio pelo recém-inaugurado percurso pedonal pela zona do Arsenal. Desta vez Zeus tinha-nos trocado as voltas… mas na primeira oportunidade havemos de voltar, o apelo das maresias será mais forte…