segunda-feira, abril 05, 2021

O Ano em que nasci – Parte I (1941 e 1942)

Como ficou acordado, iniciamos hoje a publicação das colaborações dos atriunistas no âmbito da actividade O Ano em que nasci.

Iremos fazer esta publicação por ordem cronológica, dos anos mais antigos para os mais recentes, e assim esta primeira parte conta com as participações do Alberto Magalhães (Ano de 1941) e do Albano Pereira (Ano de 1942).


1941 – NO MEIO DA 2ª GUERRA MUNDIAL

Nasci, na Cidade do Porto, em 26 de Julho de 1941.

O meu pai era Tenente de Engenharia, foi mobilizado para os Açores e embarcou para o Faial no Navio Niassa em 15 de Julho desse ano.

(30 anos depois, em Abril 1971, fui eu para a guerra de Angola no Navio Vera Cruz).

A minha mãe, os meus irmãos e eu partimos para o Faial no Navio Carvalho Araújo onde chegámos a 30 de Dezembro.

Os Açores devido à sua localização geográfica eram de importância fulcral para ambos os lados do conflito.

É de salientar algumas notícias importantes dadas por jornais e rádios no ano de 1941:

- De 7 a 10 de Maio de 1941, num combate entre navios de guerra Alemães e Britânicos, um navio alemão portador da máquina Enigma, foi capturado o que permitiu aos aliados decifrar o código de transmissões alemão. Este facto contribuiu muito para a vitória dos aliados

- A 22 de Junho a URSS, entrou na guerra, ao lado do Reino Unido contra a Alemanha, quando o seu território foi invadido de surpresa pelas tropas de Hitler.

- A 7 de Dezembro a base americana de Pearl Harbour, nas ilhas Havai no Pacífico, é bombardeada por aviões japoneses provocando a morte de 400 pessoas e a destruição de 14 navios de guerra e de 343 aviões. Este facto determinou a entrada da guerra dos EUA ao lado do Reino Unido.

- Em Dezembro de 1941 uma força conjunta de tropas holandesas e australianas ocupou calmamente Timor apesar dos protestos do Governador local. Portugal anunciou então o envio de tropas portuguesas para substituir as forças aliadas, mas os japoneses já tinham ocupado a ilha em Fevereiro de 1942.

Em 1941 Lisboa era uma cidade cheia de refugiados que aguardavam uma viagem para a América. Muitos destes refugiados vestiam-se descontraidamente e faziam-se notar nas praias com os seus fatos de banho mais leves. Os Lisboetas nunca tinham visto mulheres de calças, sentadas nas esplanadas e a fumar…

Portugal atraiu os serviços de propaganda e espionagem dos principais campos beligerantes. Aqui actuaram os serviços secretos alemães, britânicos, italianos, franceses, norte americanos, polacos, checos, romenos e até soviéticos que se moviam com relativa impunidade.

Em Portugal houve um grande ciclone, de 14 a 16 de Fevereiro com chuva e vento muito fortes que provocaram grandes cheias. Mais de 100 pessoas morreram, muitas habitações, estradas e linhas de caminhos de ferro sofreram grandes destruições. (Creio que os efeitos deste ciclone ficaram muito marcados nos portugueses de então pois quando era muito novo -5 ou 6 anos- muitas vezes os meus primos mais velhos e os meus tios quando me viam diziam: olha aqui está o miúdo que nasceu no ano do ciclone).

Termino com uma das grandes preocupações de Salazar durante a guerra: as medidas dos fatos de banho dos homens e das mulheres usados nas praias e piscinas, como se pode ver na fotografia junta.

 

Março de 2021

Alberto Magalhães




O ANO EM QUE EU NASCI – 1942

Este meu depoimento foi feito a partir de pequenas histórias/memórias relatadas por meus pais e familiares ou factos encontrados   em leituras posteriores referentes a esse ano 1942.

Elencarei a seguir algumas dessas situações que são o meu imaginário de 42.

- A GUERRA – A BATALHA DE ESTALINEGRADO

A guerra foi o acontecimento que marcou 1942. Teve consequências terríveis em todo o mundo. Consequências que anos depois fui descobrindo nas leituras que fazia de um tema que sempre me interessou.   Houve, no entanto, um acontecimento passado em 1942, que me marcou profundamente quando na Faculdade me chegou às mãos o livro “Dias e noites de Estalinegrado”. A heroica luta, durante o cerco da cidade, do povo e soldados soviéticos, empolgou-me. Foi a primeira grande derrota da Alemanha nazi.

Percebi que o rumo da Guerra tinha mudado nesse ano de 1942. A vitória dos Aliados parecia possível. E. segundo alguns autores, Portugal foi assim poupado a uma ocupação alemã.

- OS EFEITOS DA GUERRA EM PORTUGAL

A falta de géneros alimentares – O Racionamento.

Embora os malabarismos de Salazar tenham evitado a entrada de Portugal na Guerra, não nos livrámos dos seus efeitos.  A fome atinge as famílias operárias das grandes concentrações industriais e sobretudo os assalariados rurais.

Por isso desencadeiam-se em fins de 1942 as maiores greves e outras manifestações de protesto de que há memória na ditadura.

O racionamento afetava também a classe média. Facto de que tomei conhecimento por relatos dos meus pais.

À espera do invasor

Em início de 1942 instala-se em Portugal a psicose de uma invasão alemã/espanhola, em resultado da anunciada concessão da Base das Lajes aos aliados. Cria-se nesse ano a Defesa Civil do Território (DCT). O meu pai contou-me a histórias das tiras de papel coladas nas janelas e outras como os alertas, as corridas para os abrigos, a proteção dos monumentos, etc.

A propaganda 


Em 42 por todo o lado bombardeava-se a opinião pública com a denominada “guerra da propaganda”.  Do Governo, dos aliados e da Alemanha. Eram publicações, cartazes, rádio e cinema que tentavam ganhar adesões. Muitas das publicações aliadas, guardadas por meu pai, foram as minhas primeiras leituras da adolescência.

 PORTUGAL 1942

A REPRESSÃO

Dois acontecimentos ocorridos em 42 marcaram-me muito, quando mais tarde deles tomei conhecimento.  São a morte de Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP, no campo de concentração do Tarrafal e o assassinato a tiro pela PVDE do médico comunista Ferreira Soares no seu consultório (14 balas).

Uma foto, de 1942 (28 de julho), fica também para mim como exemplificativa destes tempos duros. Uma foto que diz mais do que mil palavras. Na foto ( F5 ) tirada , na travessa do Baluarte, pôr um repórter  de “O Século” que se tinha deslocado á zona operária de Alcântara para cobrir a greve de trabalhadores da  fábrica Sol /CUF , pode-se  observar a PSP a carregar sobre um grupo de mulheres e uma criança , familiares dos operários em greve.

Todos os relatos desses acontecimentos referem o importante papel das mulheres nessas lutas.

 O AEROPORTO DA PORTELA

Projetado pelo arq. Keil do Amara, foi inaugurado em outubro de 1942. Tornou-se desde logo um dos lugares favoritos dos lisboetas para os passeios nos fins-de-semana. Ir “ver os aviões “levantar voo ou aterrar com enormes intervalos de tempo, era o programa para as tardes de domingo.

Tendo ido morar para o Bairro da Encarnação em 45, as idas ao aeroporto com amigos do bairro passaram a ser muito frequentes, nos anos 50.

 O CINEMA PORTUGUÊS EM 42


Nesse ano estraram-se dois filmes portugueses que embora muito diferentes marcaram o cinema nacional. Refiro-me a “O Pátio das Cantigas “de Francisco Ribeiro e “Aniki-Bóbó” de Manuel de Oliveira. No primeiro caso um sucesso de audiências com os primeiros ídolos cinematográficos. No segundo um filme de crianças abre caminho para um novo cinema português, embora passando desapercebido do público e da maioria da crítica. São filmes que revi muitas vezes.

 OS BAIRROS ECONÓMICOS – O BAIRRO DA ENCARNAÇÃO

Lançados em 1933, como obra emblemática do regime, estes bairros implantados geralmente em zonas afastadas relativamente ao tecido urbano da cidade, pretendiam de certa forma copiar o modelo da aldeia portuguesa.

O Bairro da Encarnação teve a entrega das primeiras casas em 1942, tendo para lá ido morar em 1945.A nossa juventude foi passada nesse bairro, o que nos marcou profundamente. As brincadeiras nos quintais e nos terrenos envolventes são recordadas com agrado.

Março de 2021

Albano Pereira