quarta-feira, junho 26, 2013

O Atrium pelos trilhos do Monte Santo

Tudo se passou no domingo, 16 de Junho do ano 2013 d.C.. O dia amanheceu brilhante, a temperatura amena convidava para uma caminhada revigorante que recuperasse os corpos viciados na imobilidade das secretárias do trabalho, ou das mesas dos cafés, consoante a situação laboral de cada participante.
Pelas 10 horas da manhã, os 16 caminhantes, assessorados por uma cadela à trela, confluíram para o local previamente combinado para o encontro com o druida que nos iria conduzir pelas sendas misteriosas deste monte sagrado. Orientado com precisão pela sua ampulheta ancestral, lá estava pontualmente o druida Carlos, com os seus calções aos quadrados e um chapéu ao jeito dos pescadores do bacalhau… enfim um druida já evoluído, perfeitamente integrado nos padrões estéticos da nossa sociedade globalizada.
Depois de alguma momentânea confusão, criada por alguns viajantes, que ainda não tinham tomado a sua poção mágica (vulgo café…) e que se sentiam por isso sem forças para iniciar a caminhada, lá nos embrenhamos finalmente nos trilhos do monte sagrado iniciando uma aventura que iria durar cerca de duas horas e meia.     
Nesta andança, aconteceu um pouco de tudo. Observamos bonitos panoramas sobre os locais circundantes, com destaque para as vistas para o rio Tago. Caminhámos por perigosos trilhos à mercê dos ataques de alguns cavaleiros medievais, de couraça e tudo, que trocando os seus alazões de 4 patas por uns velocípedes de 2 rodas, nos ameaçavam, aparecendo de rompante dos locais mais imprevistos, pondo à prova a experiência do nosso guia druida e a destreza das nossas enferrujadas articulações. Vivemos, não sem algum pânico, um momentâneo engano no sinuoso percurso, originado por um pequeno deslize no GPS do druida Carlos (talvez devido à proximidade do solstício de Verão que se vai comemorar no dia 21…). Tomámos contacto com a destruição de inúmeras árvores, provocada pelo recente vendaval que assolou a nossa Olissipo (o tal que provocou a queda do PIB, no douto dizer do ministro da Fazenda…), o que nos obrigou a arriscados exercícios de equilibrismo para ultrapassar esses obstáculos. Surpreendemo-nos com extensos canteiros enfeitados com bonitas flores que perfumavam o ar.
Enfim, foi um dia bem passado que revigorou os nossos corpos e os nossos espíritos e que foi rematado com um repasto ao ar livre numa tenda em pleno Monsanto. Boas sardinhas, uns grelhados de porco preto (o javali estava esgotado, pois ontem o temível Obelix tinha jantado por aqui…), tudo regado com um bom vinho da pipa. Felizmente não apareceu nenhum bardo para nos atormentar com as suas cantigas!…
Agora um pouco de história sobre este local. O nome de Monsanto preserva alguma espiritualidade, embora as origens dessa espiritualidade se tenham perdido definitivamente no tempo. A denominação Monsanto provém do latim “mons sacer”, monte sagrado ou monte santo. Refira-se, de forma a justificar essa possível espiritualidade ancestral, a existência de vestígios de necrópoles, quer pré-históricas, quer da época romana, dentro do perímetro da Tapada da Ajuda.
Desde cedo foi o conjunto de condições naturais a razão principal para a ocupação humana na zona. Quer a morfologia acidentada do terreno – concedendo protecção nas elevações, além de espaço rico para a actividade recolectora – quer a proximidade do estuário – também uma rica fonte de alimentos e numa fase posterior via de ligação com outras regiões.
A existência de sílex em Monsanto teve também especial importância. Esta rocha era um dos recursos mais importantes para os povos paleolíticos, dada a sua dureza e elevada densidade. Apresenta arestas afiadas quando é fracturada, o que para culturas que não sabiam fundir minério nem construir objectos metálicos, era a melhor forma de confeccionar armas (pontas de seta, por exemplo) e utensílios de corte.
Os arqueólogos encontraram tantas peças em sílex na Serra de Monsanto que admitem a existência de várias oficinas de talhe durante o Paleolítico.
A sedentarização do homem em pequenos núcleos rurais desde a Pré-História, é atestada pela sobrevivência de achados arqueológicos, destacando-se aqui os restos de um povoado fortificado do Calcolítico (cerca de 2700 AC) no sítio do Moinho do Alferes.
A floresta original terá começado a ser destruída, no momento em que a cidade de Lisboa iniciou o seu desenvolvimento. A partir do período de dominação romana, por força do aumento das necessidades de abastecimento de lenhas e produtos agrícolas, a floresta deu lugar a campos cerealíferos, pastagens e pedreiras.
A prosperidade regressou com a conquista de Lisboa pelos mouros. Durante o período de domínio muçulmano (711 – 1147), a serra de Monsanto tornou-se uma espécie de celeiro da cidade, composta por olivais, campos de trigo, hortas e campos de criação de cavalos.
No século XVIII, a Serra de Monsanto foi atravessada por uma imponente construção - o Aqueduto das Águas Livres - que abasteceria Lisboa com a água proveniente de Belas. Também nesta época, a zona norte da Serra assistiu à construção de numerosas quintas de recreio da aristocracia lisboeta. A Quinta dos Marqueses de Fronteira, embora anterior, é neste período ampliada, tornando-se numa das mais luxuosas da região de Lisboa. Destaca-se, igualmente, a Quinta de Gerard Devisme, um rico comerciante estrangeiro, que, na sua propriedade de S. Domingos de Benfica, aclimatou numerosas plantas e animais exóticos, criando um magnífico jardim (actual Quinta da Infanta).
A Serra de Monsanto é constituída por um núcleo central de calcário, envolvido por um manto de basalto. Tanto os calcários como os basaltos, foram explorados em diversas pedreiras, tendo os primeiros dado origem ao famoso Lioz e cantarias e os segundos sido utilizados para a pavimentação de muitas ruas de Lisboa.
O Palácio da Ajuda, o Teatro de S. Carlos e a Basílica da Estrela foram edificados com pedras e inertes extraídas de várias pedreiras de Monsanto.
A reflorestação da Serra de Monsanto foi da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa. Foi um processo longo e penoso pois foi quase feita sem ajuda de máquinas tendo sido utilizados muitos trabalhadores rurais e até prisioneiros. Também se salienta a pouca diversidade das plantas existentes nos viveiros da época, assim como a pobreza dos solos exaustos.
Foi em 1868 que surgiu a ideia de arborizar esta zona, que deveria seguir o exemplo do Bosque de Bolonha em Paris. Só muito mais tarde, em 1938, por acção de Duarte Pacheco, é chamado o Arquitecto Keil do Amaral para desenvolver o projecto, começando este Parque a ser uma realidade.
É o maior manto verde da cidade, com cerca de 900 ha, sendo a arborização que hoje o caracteriza, bastante recente, visto que, até 1938, quando começou a ser plantado, o local era praticamente inóspito. Baseado numa arborização densa, com pinheiros, eucaliptos, sobreiros e carvalhos, o projecto definia-se como um bosque selvagem, opondo-se assim às anteriores concepções de parque à inglesa ou francesa.