Sophia de
Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena são os dois protagonistas de “Um país
que é a noite”, espetáculo encenado por Martim Pedroso, a que assistimos no
passado dia 20 de março, na Sala Estúdio do Teatro da Trindade.
A peça parte
de um diálogo ficcional entre os dois poetas portugueses, horas antes de Jorge
de Sena partir para o Brasil, dececionado com um país que censura os seus
livros, e para fugir à perseguição da PIDE, que o acusa de ter participado no
golpe da Sé, conspiração que pretendia derrubar o governo de então.
Estamos no
verão de 1959 e Portugal vive em plena ditadura. Jorge de Sena (Rui Melo)
encontra-se clandestinamente com a amiga Sophia de Mello Breyner Andresen
(Maria João Falcão), para se despedirem, quando o encontro é interrompido por
dois agentes da PIDE (João Sá Nogueira e Martim Pedroso), que procuram o poeta sem
resultado.
Os dois
amigos nunca mais se tornariam a ver, restando a correspondência trocada entre eles,
que denuncia um país privado de liberdade, e que preenche a parte final da peça.
Nas palavras
do seu encenador, Martim Pedroso, o espectáculo pretende alertar para o perigo
de a liberdade poder estar em risco nos dias de hoje, e retrata um passado que
pode voltar a ser presente:
“…. É
assumidamente um espectáculo que põe as pessoas a pensarem no momento presente,
no aqui e no agora em Portugal, na Europa, na América, no mundo. Acabámos de
assistir a um retrocesso ideológico com a reeleição do Trump, com a maioria do
eleitorado na América. Vivenciámos, em direto, durante mais de um ano, o
genocídio do povo palestiniano, a indiferença mundial por parte dos grandes
grupos económicos e a consequente subjugação das grandes potências que dependem
desses grupos. No ano passado, sentaram-se na nossa assembleia 50 deputados do
partido da extrema-direita e, desde então, vivemos num circo de ódio e
intolerância, que cresce a cada dia. Então, neste momento, parece que o mundo
se reorganiza para um lado assustador que ameaça, cada vez mais, as nossas
democracias, e há uma sensação clara de impotência relativamente a isso. Como
artista antifascista, não consigo viver este momento da História e silenciar.
(…) Acho fundamental não esquecermos o passado nem as palavras e as ideias
revolucionárias que já foram pensadas antes de nós. É aí que eu sinto que tenho
alguma utilidade neste métier.”
“Um país que
é a noite” é o resultado de uma escrita colaborativa entre as escritoras
Tatiana Salem Levy, Flávia Lins e Silva e o dramaturgo e encenador Martim
Pedroso, e inclui excertos de poemas e de cartas de Sophia de Mello Breyner
Andresen e Jorge de Sena.
Foi um
excelente serão que nos fez pensar nos desafios que enfrentamos, nestes tempos
difíceis que estamos a viver.