sexta-feira, abril 05, 2013

O Atrium à descoberta de Lisboa – O sítio de Restelo / Belém

Arrostando com a chuva, que nestes últimos meses tem sido uma constante que nos tem acompanhado nas nossas actividades de ar livre, cerca de 30 ensonados atriunistas e amigos, lá se arrastaram até ao café do Restelo, local onde se iria iniciar uma maratona por este sítio de Restelo / Belém, que se iria prolongar para lá das 17 horas.
Aqui fomos presenteados com uma bem documentada introdução histórica ao local, que nos foi oferecida pelo Albano, o grande dinamizador desta iniciativa.
Nela tomámos contacto com a complexa e encantadora história do sítio de Belém que se sustentou ao longo dos séculos num equilíbrio entre o chique e o genuíno, a pacatez e o tumulto, a discrição e a grandeza e monumentalidade.
Alguns factos dessa história: É do Restelo que parte a expedição a Ceuta (110 navios com 20.000 homens), e é do Restelo que parte, em 1497, Vasco da Gama para a descoberta do caminho marítimo para a Índia. Foi também aqui que Cristóvão Colombo, regressado das Américas, fundeou em 1493.
Foi neste local que em 1495 D. Manuel I decidiu erguer um panteão para a casa real – o mosteiro dos Jerónimos. Jerónimos porque foi esta a Ordem a quem fez doação régia em detrimento da Ordem de Cristo que sai do local para a igreja da Conceição Velha.
A primeira visita da manhã foi à recém-construída (em 2012) igreja de S. Francisco de Xavier, um projecto polémico do arquitecto Troufa Real, que por falta de verbas (até agora foram gastos 3 milhões de euros) não foi concretizado na totalidade. O projecto baseou-se na vida do apóstolo do Oriente, S. Francisco de Xavier, daí a presença no projecto de referências orientais, tais como a casa paroquial pintada em cor de laranja berrante rematada no topo por pequenas pirâmides no lugar do telhado e do seu bojo que faz lembrar uma nau do período dos descobrimentos.
Em seguida rumámos à Urbanização do Alto do Restelo ou Bairro EPUL do Restelo. Após várias versões, em 1970 os arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas (com João Paciência e Pedro Botelho), elaboram um plano que retoma a ideia de cidade constituída primordialmente por ruas e quarteirões, de baixa e média altura, trazendo para primeiro plano a valorização da relação entre vias e edifícios, procurando referências ancoradas na memória lisboeta, neste caso da malha pombalina em encosta, privilegiando vistas de enfiamento sobre o rio.
O local seguinte de paragem, foi junto ao Estádio do Restelo, e aqui recordou-se um pouco da história do Clube de Futebol os Belenenses, um velho e popular clube lisboeta, fundado em 23 de Setembro de 1919, com um longo historial de sucessos desportivos em diversas modalidades. Houve ocasião também de evocar a figura de Pepe, uma lenda e um mito do futebol português e do Belenenses, tragicamente desaparecido aos 23 anos.
A memória deste torneiro mecânico das oficinas da Aviação Naval em Belém, que se estreou a jogar pelo Belenenses aos 18 anos e pela Selecção Nacional aos 19 anos (num memorável encontro com a França, em que marcou 2 dos 4 golos com que derrotámos a selecção gaulesa), é lembrada no baixo-relevo, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida, aqui existente no Estádio do Restelo.
Após esta incursão pela história desportiva, rumámos até à Ermida do Santo Cristo, construída no início do século XVI, e que fazia parte da cerca do Mosteiro de Santa Maria de Belém (Mosteiro dos Jerónimos). Apesar das reduzidas dimensões e da sobriedade exterior, esta ermida que esteve soterrada muitos anos, constitui-se, especialmente no interior, como uma construção de proporções elegantes e equilibradas. Tal como a ermida de São Jerónimo, foi desenhada João de Castilho.
Seguiu-se a visita à Ermida de São Jerónimo, interessante construção, também existente na antiga cerca pertencente os frades do Mosteiro dos Jerónimos. De planta semelhante à do Santo Cristo, apresenta, no entanto, dimensões mais vastas que aquela, destacando-se no exterior os típicos elementos manuelinos da decoração dos vãos, os pináculos torsos da terminação dos gigantes e o cordão que remata os dois corpos. O arranjo paisagístico da zona envolvente, de elevada qualidade, foi da autoria do arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles. Diz a lenda que ali ”…se quedavam os frades do Mosteiro dos Jerónimos à espera que chegassem as naus da Índia, cujos direitos de especiarias (vintena) eles cobravam...”.
Dirigimo-nos depois até ao Bairro do Restelo Sul, onde visitámos o Centro Comercial do Restelo, classificado como Monumento de Interesse Público em Dezembro de 2012. Trata-se de um conjunto arquitectónico de grande qualidade, construído entre 1949 e 1956, projectado por Raul Chorão Ramalho.
O Centro Comercial do Restelo é possivelmente o primeiro centro comercial ao ar livre do nosso pais e é uma das mais significativas obras do Movimento Moderno em Portugal, sendo constituído por quatro blocos idênticos, distribuídos em dois grupos simétricos em relação à rua que atravessa o conjunto, formando um quarteirão que dá continuidade à malha habitacional envolvente, na qual se insere com elegância e sobriedade, embora assuma uma linguagem diferenciada, claramente moderna.
Antes do almoço, realizado num restaurante local, passámos pelo Largo da Princesa, no sítio da antiga quinta da Infanta D. Maria Francisca Benedita, irmã da rainha D. Maria I. O projecto do chafariz deve-se ao arquitecto Malaquias Ferreira Leal. A obra foi inaugurada em 1851 tendo a sua construção resultado da necessidade de água potável no local onde tinha surgido um surto epidémico.
Mais abaixo apreciámos a agora reabilitada a Casa do Arco da Torre ou do governador do forte do Bom Sucesso.
A tarde iniciou-se com a visita guiada ao Museu Centro Cultural Casapiano, onde tomámos contacto com a importante obra desta instituição, ao longo dos seus quase 232 anos de existência, em diversas áreas, tais como a educação especial, o ensino artístico, o ensino musical e o jornalismo.
A Casa Pia de Lisboa surgiu inicialmente como uma resposta formativa para um problema social, que era a falta de trabalho que se fazia sentir em finais do século XVIII, e que se traduzia no aumento da mendicidade e da vadiagem nas ruas da cidade de Lisboa. O objectivo era o de ministrar instrução e a aprendizagem de um ofício.
Mais tarde transforma-se numa grande Instituição de Solidariedade Social, uma escola moderna, com mais de um milhar de alunos. Ali se ensina os ofícios, os rudimentos literários, línguas vivas, anatomia, farmácia, obstetrícia, etc.
Saindo da Casa Pia dirigimo-nos à zona denominada “ Chão Salgado”, lugar onde no século XVIII se viveu um dos dramas da nossa história.
Em 3 de Setembro de 1758 D. José I, depois de um encontro amoroso com D. Leonor de Távora, sofre um atentado. O resto da história é bem conhecido: prisão dos conspiradores, rápido julgamento e cruel execução dos principais implicados num cadafalso erguido em frente ao palácio de Belém.
Foi ordenada também a demolição do palácio do Duque de Aveiro, presumível cabecilha da conjura, e a salga do terreno para que nada aí crescesse. É esta justificação da identificação do lugar que chegou aos nossos dias.
Visitámos em seguida a ermida de Nossa Senhora da Conceição, que hoje é uma galeria de arte, e na rua de Belém observámos o prédio onde hoje se localiza a pensão Setubalense. Aí existiram as famosas “Mercearias” de Belém até 1834, data em que foram destruídas para a construção do actual edifício. A instituição das “Mercearias”, anterior à das Misericórdias, data do século XIII. Os seus benefícios foram grandes, embora se destinassem apenas a pessoas de “bom nascimento ou de insuspeito porte”, o que limitava a sua missão de caridade.
Pelo Jardim Vasco da Gama e Praça do Império dirigimo-nos até ao Padrão dos Descobrimentos onde concluímos a nossa deambulação. Aqui visitámos uma exposição denominada “Fotógrafos do Mundo Português – 1940”. Trata-se da primeira de uma série de mostras temáticas dedicadas a diferentes intervenções e áreas artísticas que integrara a Exposição do Mundo Português.