quinta-feira, novembro 25, 2021

Na Rota do Românico o Atrium reencontrou a alegria da viagem, que culminou numa extraordinária visita à casa de Manhufe, do mestre Amadeo de Souza-Cardoso

Tudo começou pelas 8h30 do dia 23 de setembro (uma quinta-feira) quando o bus arrancou da Avenida do Colégio Militar. Uma data a assinalar pois o Atrium ia regressar à estrada, para mais uma actividade cultural, após exactamente 566 dias (?) de uma longa interrupção motivada pelo aparecimento do estranho vírus, contra o qual a luta, embora difícil, parece estar a ser ganha.
Recorde-se que a última saída tinha sido no já longínquo dia 7 de março de 2020, todo passado na beira Tejo, visitando o Forte da Casa em Vila Franca de Xira, vagueando pelos passadiços dos avieiros da Póvoa de Santa Iria e terminando com um repasto em Alhandra.
Mas voltemos ao presente, no momento em que chegamos ao Centro de Interpretação do Românico, em Lousada, Vale do Sousa, onde somos recebidos pelo nosso anfitrião, o José Augusto Costa, que nos iria acompanhar durante os 3 dias da viagem pela Rota do Românico, enriquecendo-a sobremaneira com os seus conhecimentos e a sua simpatia.
Este centro, inaugurado no dia 27 de setembro de 2018, possui arrojada arquitetura e encerra diversas experiências interativas distribuídas por seis salas temáticas: Território e Formação de Portugal; Sociedade Medieval; O Românico; Simbolismo e Cor; Os Monumentos ao longo dos Tempos; Os Construtores.
Recorrendo a modernas técnicas museológicas ofereceu-nos uma visão abrangente desta Rota do Românico, um projeto turístico-cultural, que reúne 58 monumentos - distribuídos por 12 municípios dos vales do Sousa, Douro e Tâmega - que testemunham a arte e simbolismo que marcaram Portugal e a Europa durante vários séculos da Idade Média.







O primeiro monumento que visitámos foi o Mosteiro do Salvador de Travanca, em Vila Meã. Situado no vale do Tâmega a sua fundação é atribuída a Garcia Moniz (1008 – 1066) sendo considerado o exemplo mais acabado do “plano beneditino português” com uma igreja de três naves. No exterior destaca-se a sua torre, uma das mais elevadas torres medievais em território português, cujo aspecto militarizado é apenas simbólico.







A segunda paragem foi no Mosteiro de São Martinho de Mancelos, que se ergue nas proximidades de Amarante, também no vale do Tâmega, num lugar onde ainda hoje prevalece a agricultura como principal actividade, sendo a sua fundação anterior a 1120. Embora tenha sofrido diversas transformações ao longo dos séculos, conserva parcelas significativas da época românica. Uma referência ao túmulo de Amadeo de Souza-Cardoso, que se encontra no cemitério junto ao mosteiro.





O primeiro dia tinha chegado ao fim e rumámos até à bonita cidade de Amarante onde pernoitámos no Hotel Navarras, depois de um jantar que foi resolvido em pequenos grupos, dada a dificuldade de juntar muitas pessoas num único espaço, tudo culpa do maldito vírus que nos anda a ensarilhar a vida.

A sexta-feira amanheceu luminosa, convidando a um passeio matinal pelas margens do Tâmega antes do primeiro objectivo deste dia, a visita guiada ao Museu Amadeo de Souza-Cardoso.

Foi uma interessante visita que nos permitiu mais uma vez apreciar a obra deste genial artista, modernista por natureza, que não seguia padrões sociais nem escolas de pensamento. As suas obras continham referências a estilos tão diversos como o impressionismo, o cubismo ou o abstracionismo. Estes traços de vanguardismo marcaram o trabalho do pintor, que não receou pôr em causa toda a estética cultural vigente à época em que viveu, de tal modo que as duas exposições que apresentou ao país – uma no Porto, outra em Lisboa – representaram, para o público, um verdadeiro escândalo, culminando, no caso da primeira, em agressões físicas.

O seu percurso foi fulgurante, aos 19 anos vai para Paris e aos 25 expõe ao lado de Picasso, Van Gogh e Amedeo Modigliani (com o qual estabelece uma forte amizade), em cidades como Paris, Nova Iorque, Berlim ou Londres. Aos 26 regressa a Portugal, devido à I Guerra Mundial, morrendo de pneumónica com 30 anos. Em menos de dez anos a sua obra coloca-o num lugar de destaque na História da Arte Moderna.








Foi exactamente no decorrer da visita ao museu que tivemos conhecimento de uma surpresa extra-programa, que viria a ser o ponto alto deste fim de semana, já tão rico de conteúdo: Iriamos ter o privilégio de poder conhecer a Casa de Manhufe, em Vila Meã, onde Amadeo nasceu a 14 de Novembro de 1887, e onde se encontra o seu atelier, na Casa do Ribeiro.

À chegada à Casa de Manhufe fomos recebidos pela sua sobrinha bisneta, Cândida de Sousa-Cardozo, e pelo seu marido, que com uma imensa gentileza, nos conduziram nesta visita proporcionando-nos momentos inesquecíveis ao mergulhar no universo de Amadeo.

Para além do ambiente bucólico, carregado de história e de histórias, que rodeia a casa, destacamos a célebre cozinha da casa, eternizada num dos mais conhecidos quadros de Amadeo, pintado em 1913.

Aqui socorremo-nos da expressiva descrição desta cozinha, que Mário Cláudio fez no seu livro “Amadeo”: “O ocre terno do reboco, que o castanho húmido das madeiras povoa de uma confidência temperada de seriedade, a negra crosta dos potes de três pés, onde se confeccionam riquíssimas substâncias ora gomosas ora enxutas, ora papudas ora rechinantes de gordura que a si mesma rapidamente se come, tudo faz parte dessa geografia vital.”

Tivemos ainda a oportunidade de visitar a Casa do Ribeiro, que serviu de atelier para muitas das telas de Amadeo. E foi já com alguma pena que nos despedimos dos nossos anfitriões, no final de uma visita que nos deixou mais enriquecidos com o conhecimento directo de alguns aspectos da vida de um dos nossos grandes vultos da pintura.









Tomámos então a estrada para percorrer os cerca de 20 quilómetros que nos separavam de Felgueiras, onde chegámos debaixo de uma valente chuvada e onde o grupo se dividiu para resolver o melhor possível a questão do almoço, que a hora já ia adiantada.

Após o repasto, o (re)encontro teve lugar na Praça da República. O objectivo foi o de visitar a Casa Museu do Pão de Ló de Margaride, onde se fabrica há mais de 300 anos aquele famoso doce regional.

No início do século XVIII uma mulher, de nome Clara Maria, começou o fabrico deste Pão de Ló, feito à base de ovos, açúcar e farinha, cozido em forno de lenha em formas de barro não vidrado. Estas formas são formadas por três tigelas, duas iguais e uma mais pequena, sendo esta colocada invertida no centro de uma das outras tigelas formando um cano que origina o buraco central do bolo. Uma referência especial aos fornos de lenha, ainda em uso, construídos em 1730, ano da fundação da casa.

Foi uma visita interessante que culminou da melhor maneira, com uma prova deste Pão de Ló e também das Cavacas, tudo acompanhado de um cálice de vinho do Porto.  A designação de “Margaride” resulta do facto da casa estar situada na freguesia com o mesmo nome, no centro da atual cidade de Felgueiras.




Feitas as inevitáveis (e doces) compras pusemo-nos a caminho do nosso próximo objectivo, o Mosteiro de Santa Maria do Pombeiro. Situado no fértil Vale do Sousa, é um bom exemplo de como as comunidades monásticas procuraram as melhores terras agrícolas, onde havia abundância de água, para a sua fixação.

Considerado um dos mais importantes mosteiros beneditinos, foi fundado cerca do ano de 1100. Como curiosidade refira-se que em 1 de agosto de 1112, D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, concede carta de couto ao Mosteiro, tornando-o terra privilegiada com justiça própria na pessoa do seu abade.

Uma referência ao seu portal, um notável exemplo de escultura românica, com os capitéis de inspiração vegetalista e de magnífica execução no granito.








Foi também em Felgueiras que fizemos a última visita do dia, a Igreja de São Vicente de Sousa. Constituída por uma planta longitudinal de nave única, na sua fachada pudemos apreciar o seu portal, composto por quatro arquivoltas, em arco de volta perfeito, que assentam sobre três colunas. Uma inscrição comemorativa da dedicação da igreja encontra-se gravada na face externa da parede da nave, e indica o ano da sua sagração, 1214.




E assim chegámos ao fim do segundo dia deste nosso périplo, com um jantar livre, que foi de novo realizado em pequenos grupos separados (covid oblige…).

O sábado amanheceu chuvoso e depois dos preparativos matinais, pusemo-nos a caminho de Paços de Ferreira, percorrendo os cerca de 35 quilómetros que nos separavam da primeira visita deste terceiro e último dia, o Mosteiro de São Pedro de Ferreira.

A fundação do mosteiro tem origens ainda não completamente esclarecidas, por volta de 1182, embora a sua igreja seja muito anterior, devendo recuar ao século X como mostra a referência que lhe é feita no testamento de Mumadona Dias, datado de 959.

O que faz desta igreja uma obra singular, é o facto de se conjugarem desenhos arquitetónicos da autoria de três mestres oriundos de regiões diferentes: um proveniente de Zamora, outro de Coimbra e outro do Vale do Sousa.






A última paragem da nossa rota foi o Mosteiro de São Pedro de Cête, em Paredes também no Vale do Sousa.

A sua fundação remonta ao século X, mais rigorosamente ao ano de 924, no entanto a sua igreja não corresponde a épocas tão recuadas, sendo a sua construção já da época gótica, como testemunham o arranjo da fachada, as suas dimensões e a escultura dos capitéis e dos cachorros que apresenta, tudo apontando para o final do século XIII.

Apenas uma referência ao vestígio de uma pintura mural existente no interior da nave da igreja, representando São Sebastião cravejado de setas. É considerado um dos santos mais populares em Portugal, como por toda a Europa, durante a Idade Média, essencialmente pelo poder anti-pestífero que lhe era atribuído (um verdadeiro vice-almirante Gouveia e Melo dos tempos antigos…).






E aqui chegámos ao final dos três dias, em que deambulámos numa viagem, por lugares e monumentos únicos, que encerram a história das origens de Portugal.

Restava o almoço no restaurante A Taberna do Careca, aqui em Paredes, que nos haveria de reservar um momento aziago, com a queda da amiga Maria que resultou numa fratura que lhe iria causar bastantes aborrecimentos durante algumas longas semanas.

Com a ajuda dos bombeiros de Paredes lá embarcámos, com a acidentada, para o autocarro que nos iria conduzir atá à capital.

 Nota: Quem tiver interesse poderá aceder ao programa “Visita Guiada”, dedicado à Casa de Manhufe, no link abaixo indicado:

Visita Guiada a Amadeo de Souza Cardoso - Portugal - YouTube