sexta-feira, maio 29, 2020

25 Abril 74 - as memórias da Hirondina


Jovem açoriana de 22 anos, em plena Lisboa, a estudar Finanças no ISCEF, numa escola com forte movimento estudantil onde coexistiam variadas correntes politicas, PC´s, MRPP´s, e movimentos influenciados pelo Maio de 68,... tornava-se para a polícia política e para os governantes um sítio a "abater".
Era quente a atmosfera onde diariamente se questionava as aulas, alguns professores foram expulsos pela direção da escola, como o Professor Pereira de Moura, grande referência na Economia, também houve tentativas de banir outros como o Professor Cavaco Silva, que desmaiou na aula de Análise Económica quando confrontado com os alunos - Ferro Rodrigues e outros... onde também se encontrava o nosso atriunista Zé Maria Duarte. Também por um triz não fomos apanhados pela intervenção da Polícia nas instalações de Económicas, pois os polícias iam a sair e o Zé Maria a entrar, eu estava a fazer um trabalho de grupo num café.
Com este sentimento, ouvir ás 7 da manhã, vindo do corredor da casa onde vivia, que tinha havido uma revolução de militares, saltei da cama, acordei a minha colega de quarto e fomos tentar saber mais pela rádio, quis sair, diziam-me que estavam a anunciar que ficassem recolhidos em casa, que havia revoltas na rua.
Na altura morava em Campolide, junto ao agora edifício Amoreiras, e segui de imediato para a ”residência” de estudantes açorianos, a maioria alunos de Económicas, que viviam junto à Basílica da Estrela. Fiz o percurso a pé pela rua Ferreira Borges, sozinha muito pouca gente na rua , um pouco amedrontada e também curiosa, pois não sabia de que lado eram estes revoltosos, quando ao passar pelo Quartel, os soldados estavam em grande algazarra, enviaram-me  piropos gentis e então aí achei que com aquela alegria, simpatia, euforia, era de certeza uma "Boa Revolução".
Pelo caminho, comprei pão e bananas e fui acordar os rapazes, grande confusão, todos davam os seus palpites, eram 6 residentes mas dormia por lá quase sempre o dobro. Eram de vários quadrantes políticos, do PC, MRPP..., isto é uma revolução de direita? De esquerda? Daí a pouco desapareceram todos.
Fiquei eu, namorada do Zé Maria, e outra, namorada de um deles, que entretanto apareceu e fomos à mercearia da esquina comprar mais alguns mantimentos para complementar o meu pão e as bananas, pois pela rádio já se informava que iria haver racionamento de comida.
Éramos todos frequentadores diários das cantinas universitárias... Esperámos, esperámos, nada de rapazes.
No fim do dia lá apareceu outro açoriano que trabalhava nas Finanças e que tinha carro e fomos percorrer as ruas de Lisboa, já sem receios e com uma enorme felicidade. E depois seguiu-se a euforia, os dias estonteantes, as aulas suspensas e o regresso à ilha para férias escolares.
Regresso para concluir o curso, pois ficou decidido em reunião geral de curso que faríamos o 4º e o 5º ano no ano seguinte, prolongando-se até Dezembro de 1975, nada de passagens administrativas. Algum pessoal de Finanças teria gostado que a revolução fosse outra e as empresas de alguns papás estavam à espera dos seus filhotes, mas com um curso como deve ser, nada como os meninos de Economia, esses eram muito políticos!
E eis que regresso para concluir o curso, com quarto na “residência” da Estrela e de aliança, sim! Porque com Revolução, menina solteira, sózinha em Lisboa, namorada, mesmo sendo ele lá da ilha, não convenceu!
Hirondina, em Abril de 2020