sexta-feira, março 24, 2017

… E no dia Mundial da Poesia o Atrium disse presente!



Respondendo ao desafio que lhes foi lançado, neste dia Mundial da Poesia, alguns atriunistas embelezaram a caixa do correio do Atrium com uma selecção de poemas que agora divulgamos neste espaço, para poderem ser partilhados por todos.
O primeiro poema a chegar foi da Maria Teresa Horta, enviado pela Celeste.
Morrer de amor
ao pé da tua boca
Desfalecer
à pele
do sorriso
Sufocar
de prazer
com o teu corpo
Trocar tudo por ti
se for preciso.

Seguiu-se a Natália Correia, pela mão do Zé Maria.
O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.
É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.
Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.
E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.

A Teresa Sousa escolheu esta quadra do António Aleixo.
Após um dia tristonho,
de mágoas e agonias
vem outro alegre e risonho:
são assim todos os dias.

Depois veio a poesia do Pedro Abrunhosa numa escolha do Jorge Neves.
Quem Me Leva Os Meus Fantasmas
Aquele era o tempo
Em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes as palavras voavam,
E eu via que o céu me nascia dos dedos
E a ursa maior eram ferros acesos.
Marinheiros perdidos em portos distantes,
Em bares escondidos,
Em sonhos gigantes.
E a cidade vazia,
Da cor do asfalto,
E alguém me pedia que cantasse mais alto.
Aquele era o tempo
Em que as sombras se abriam,
Em que homens negavam
O que outros erguiam.
E eu bebia da vida em goles pequenos,
Tropeçava no riso, abraçava de menos.
De costas voltadas não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha no muro.
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta.
De que serve ter o mapa
Se o fim está traçado,
De que serve a terra à vista
Se o barco está parado,
De que serve ter a chave
Se a porta está aberta,
De que servem as palavras
Se a casa está deserta?


A Fátima Neves presenteou-nos com um poema da irmã, a Maria do Carmo Branco.
Se as margens do silêncio me envolverem,
esconderei nelas as minhas mágoas!
Inventarei novo dia, sulcarei meus sonhos,
limparei a memória lavrada pela vida,
num constante disfarce...
Não quero ser mágoa de nada,
quero apenas libertar-me
desta aridez, sem manhã...
Perder-me na brisa que sopra
do poente
onde o sol se dobra
na sombra difusa do entardecer...



A grande Sophia de Mello Breyner não poderia faltar, e foi a escolha da Marina.
Não se perdeu
Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.


E o Fernando Pessoa, ou melhor, o Alberto Caeiro, veio evocar a Primavera, à sua maneira, trazido pela Guida.
Quando vier a Primavera
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada
A realidade não precisa de mim
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no meu tempo?
Gosto que tudo seja real é que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar a volta dele.
Não tenho preferências, para quando já não puder ter preferências
O que for, quando for, é que será o que é.


Lisboa também esteve presente, num poema do Eugénio de Andrade que o Albano selecionou.
Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes..."
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.
Eu sei. E tu, sabias?



Por último o Zé Carlos elegeu um poema da amiga São Barradas, uma das fundadoras do Atrium, para esta evocação poética.
Quando a viagem se inicia
há sempre um porto,
uma costa, uma rocha
um rosto, que se torna
cada vez mais pequeno,
onde as cores todas se misturam,
onde tudo fica mais sentido,
fazendo cada vez menos sentido,
ficando cada vez
mais parecido com um poema.