quinta-feira, março 22, 2012

O Atrium pelo Bairro Alto em busca da palavra escrita e dos seus divulgadores

Bairro Alto aos seus amores tão dedicado
Quis um dia dar nas vistas
E saíu com os trovadores mais o fado
Pr'a fazer suas conquistas.

Assim canta o fado popular, e foi mesmo à conquista deste velho bairro de Lisboa, que o Atrium, no passado dia 25 de Fevereiro, se lançou numa descoberta dos divulgadores da palavra escrita que, num passado não muito longínquo, fizeram dele a capital das letras. Foram sobretudo os jornais, os livreiros, os alfarrabistas e as empresas gráficas que aqui se instalaram trazendo uma animação muito especial.
Nas palavras coloridas de um grande lisboeta, José Cardoso Pires, “…subindo, subindo sempre, vieram os grandes jornais que ocuparam o Bairro Alto, paredes-meias com os prostíbulos de navalha e galiqueira…”.
O Bairro resultou da expansão da cidade para fora da muralha Fernandina a partir do século XVI, tendo sido seu impulsionador D. Manuel I. As ruas principais são perpendiculares ao rio e as travessas de menor largura, são paralelas entre si.
A sua toponímia evoca a actividade jornalística, recordando o Diário de Notícias, que de lá saiu em 1940 para se instalar no Marquês de Pombal, o Século, que nasceu em 1880 e relatou o fim da monarquia, a implantação da República, passou pelo Estado Novo e viveu o 25 de Abril. Sem direito a nome de rua, também passaram pelo Bairro, as redações do Correio da Manhã, Diário Popular, Record e d'O Mundo, d'A Capital e do Diário de Lisboa. A Bola, resistente, ainda lá está.
A nossa deambulação iniciou-se no miradouro de S. Pedro de Alcântara, onde existe um monumento a Eduardo Coelho, com um busto deste fundador do DN e uma estátua do popular ardina, o garoto que com os seus pregões espalhava as notícias, e os jornais, pelas ruas e vielas de Lisboa.
No alfarrabista Olisipo, pela voz do seu proprietário, revivemos memórias históricas do mundo dos livros e dos livreiros. Passamos depois pela actual Associação 25 de Abril, hoje instalada no edifício que foi d’O Mundo, jornal da 1ª República, grande arauto da Democracia, que foi apoiado financeiramente pelo filantropo Grandela e que mais tarde sucumbiria às mãos da ditadura militar. Nesse mesmo edifício coexistiram alguns jornais porta-vozes do regime fascista, tais como o Diário da Manhã e a Voz.
Não longe dali, deparamos com o edifício onde esteve instalada a sede d’A República, fundada em 1911 por António José de Almeida, que em conjunto com o Diário de Lisboa, constituíram duas referências incontornáveis na luta contra a ditadura salazarista. Rumamos depois até à rua do Século onde se situava a sede do jornal que lhe deu o nome. Fundado pelo maçon Magalhães Lima, pelas suas páginas passaram as notícias de quase um século da vida portuguesa, tendo a sua publicação sido suspensa em Fevereiro de 1977.
Na Calçada do Combro visitamos a livraria-alfarrabista Nova Eclética, de Alfredo Maria Gonçalves, que nos recebeu com toda a simpatia e nos contagiou com a sua paixão pelos livros que nasceu nos tempos em que ele era “o puto que tirava o pó aos livros”…
Mais abaixo encontramos as antigas instalações de mais dois jornais vespertinos, o Diário Popular e o Diário de Lisboa (lembremos que em Lisboa se chegaram a publicar diversos jornais matutinos, como o DN e o Século, e vespertinos, como A República, Diário de Lisboa, Diário Popular, A Capital – os passos que se deram atrás nos hábitos de leitura…).
Continuando a vaguear pelo Bairro, descobrimos o edifício onde esteve instalado o Correio da Manhã, onde hoje está a Galeria Zé dos Bois, e a antiga sede do Record, hoje ocupada pelo bar Portas Largas. O único jornal que ainda funciona aqui, na rua da Atalaia, é a Bola, o grande resistente, que é o jornal desportivo português de maior divulgação.
A noite já se adivinhava quando a nossa visita chegou ao fim. Nas ruas estreitas do Bairro já se começava a sentir a animação própria de mais um fim-de-semana. No retiro das salas de fado as guitarras já afinavam as suas cordas para mais uma noite vivida ao som da canção de Lisboa, que hoje já é de todo o Mundo. No nosso regresso a casa trazíamos, para além de algum cansaço, a ideia reconfortante de que o Bairro continua vivo!

Tangem as liras singelas,
Lisboa abriu as janelas, Acordou em sobressalto
Gritaram bairros à toa
Silêncio velha Lisboa, Vai cantar o Bairro Alto.