quinta-feira, maio 14, 2020

25 Abril 74 - as memórias do Zé Maria

Cheguei a Lisboa a 21 setembro de 1971, vindo diretamente de Horta num Boeing 727 da TAP.
Um jovem que vinha estudar para o ISE, Instituto Superior de Economia, cheio de vontade para saber, e aberto a perceber alguma coisa de política, entenda-se de tomar consciência das coisas que ouvia nas paragens insulares mas, com uma perceção muito limitada das mesmas.
(Uma nota pitoresca, a minha primeira noite em Lisboa foi passada, parte a jantar na Portugália e outra parte no Ritz Club...AHAHAHAHAH.).
Quando comecei a frequentar o "Velho Quelhas", comecei logo a aprender a vida e a entrar na dinâmica estudantil e a tomar consciência da dimensão do movimento estudantil: da recusa de um ensino anquilosado, da recusa de um corpo docente cheio de velharias e pouco aberto à crítica e do que acontecia fora dos muros da escola, da repressão, etc.
Foram tempos muito intensos e cheios de novidade e de tomada de consciência do estado do país: da repressão, da miséria que se vivia, da guerra colonial da polícia de choque, da pide.
Foi a repressão generalizada na academia, as invasões da polícia, a morte de Ribeiro Santos (estava no auditório onde se deu o assassinato), a expulsão de Pereira de Moura, Professor de referência no ensino da Economia e respeitado pelos alunos. Portanto a consciencialização foi crescendo e a revolta também, estava em ponto rebuçado para o que vinha a seguir.
O dia por que tanto esperei- o "25 de Abril".
Saí de casa cedo e só voltei na madrugada do dia seguinte. Foi como estar noutra "galáxia", é difícil de exprimir todos os sentimentos que vivi naquele dia. Embora não tivesse certeza alguma sobre se os acontecimentos eram ou não no sentido desejado: acabar com o regime.
Eu e outros amigos açorianos (vivia numa espécie de comuna de ilhéus) corremos por todo o lado para tentar desfazer a dúvida, para tentar perceber, afinal o que é que está a acontecer. Fomos da Estrela para a Av. da Liberdade, daqui para o Terreiro do Paço, e para aqui e para ali, para a Chiado, para a António Maria Cardoso (estava a chegar quando houve o tiroteio vindo da sede da Pide, que acabou por matar um açoriano).
Andávamos como doidos de um lado para o outro para ver se percebíamos a situação.
Claro que em todas estas andanças fomos falando, fomos vendo, fomos constatando a euforia generalizada e sempre crescente de todos aqueles que, como nós, andavam a empurrar a "Revolução". E depois, como não podia deixar de ser, fui parar ao Largo do Carmo, fomos todos.
Era como estar a assistir à contagem decrescente para o epílogo, que nós achávamos que só podia ser o desejado fim da cangalhada/poder vigente.
Após a saída do imbecil do Caetano foi um verdadeiro frenesim de alegria. Ficava claro que aquela gente tinha sido derrotada. A partir daquele, inesquecível, momento foi como se já estivéssemos noutro filme, noutra vida, a alegria foi tanta que só vista.
Claro que começávamos a acreditar que alguma coisa mudaria, que a vida ia ser diferente, que a guerra colonial ia acabar que os velhos professores iam para o caraças e que para nós todos, a vida ia mudar.
A partir daqui foi começar a sonhar, foi começar a acreditar que podíamos participar na mudança, que podíamos contribuir para alguma coisa nova, mais fraterna, mais feliz.
Zé Maria, Abril 2020