segunda-feira, março 15, 2021

As nossas Fotos com História - Parte III

Prosseguindo a publicações das colaborações no âmbito da iniciativa Fotos com História, hoje poderão apreciar a Parte III, que inclui os trabalhos do Fernando Veríssimo, do Albano Pereira e da Maria Viegas.


No meu bairro.

A foto não é perfeita e retrata um ambiente da época de inverno, um monumento industrial e até a pandemia.

No meu bairro há 3 semanas passei na Av. Gomes Pereira, a 300 metros da minha casa, tirei a foto que apresento e lembrei-me de ser bom tema para falar na Fábrica Simões que funcionou de 1921 a 1987 e da qual ainda recordo os silvos da sereia.

Tinha uma área de implantação de 10.000 m2 com 13 enormes pavilhões industriais. Agora está a ser construído um empreendimento habitacional para 300 apartamentos de T0 a T4, e uma área pública, uma biblioteca para usufruto dos habitantes da freguesia tendo sido também urbanizadas áreas adjacentes que pertenciam aos terrenos da fábrica.

José Simões era um ex-operário e autodidata e começou nos princípios do século XX com uma pequena empresa. Tinha somente uma máquina de costura. De seguida fundou a J. Simões e, anos depois promove a construção desta fábrica em zona rural de Benfica, com várias valências. Desde fiação e tecelagem de algodão, às manufaturas de roupas: Pijamas, combinações, cuecas, meias de vidro, peúgas, camisolas, camisas. etc.

Tinham máquinas e tecnologias modernas e algumas máquinas foram concebidas e construídas dentro da própria empresa.

Já todos nós teremos usada peças de roupa ali fabricadas pois eram vendidas por marcas de prestígio.

As suas roupas eram de alta qualidade tendo fabricado para a Caron, a Suprema, bem como as camisas de nylon TV e as peúgas CD. Muita da sua produção era exportada. A Zona das peúgas CD era de acesso reservado. Chegou a ser uma das maiores fábricas têxteis da Península Ibérica.

Chegou a empregar 1500 pessoas sendo a maioria mulheres. Os homens trabalhavam em 3 turnos diários e as mulheres até às 23horas. Chegaram a trabalhar adolescentes, a partir dos 13 anos, em tarefas auxiliares.

A produção era bastante controlada e eram estabelecidas metas das quantidades a fabricar o que acontecia as pessoas nem terem as pausas necessárias. Era o estilo da época.

Tinha um refeitório para o seu pessoal onde às vezes iam comer alguns jogadores do Benfica pois no seguimento do prédio era o edifício da sede do Benfica. Agora é a sede da junta de freguesia de Benfica.

Em entrevista publicada na Timeout, 2 antigas operárias falaram sobre o patrão.

J. Simões era conhecido por cuidar dos filhos dos trabalhadores tendo construído uma creche gratuita, onde davam banho às crianças todos os dias, comida e os entretinham com brincadeiras didáticas.

Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, foi um dos miúdos que passou pela creche, pois a sua mãe trabalhava na Fábrica. Dessa experiência LFV guarda boas memórias.

Em cada Natal J. Simões vestia totalmente as crianças com roupa nova e calçado novo. Antes disso os pais tinham de dar as medidas das roupas e os números do calçado.

Simões é recordado com saudade pelos antigos trabalhadores que ainda se lembram que J. Simões deixou, ao morrer nos anos 60, uma quantia em dinheiro destinada a cada funcionário.

Havia um bairro social em Benfica, de rendas baixas que era compartilhado por operários da J. Simões. Ainda existem algumas casas dessa época que estão habitadas e continuam a pagar renda.

Fevereiro de 2021

Fernando Veríssimo




A fotografia que apresento intitulei-a “MUDAR DE VIDA “.

A foto foi tirada em 15 de maio de 1980 (há 41 anos…) na Portela/Carnaxide, concelho de Oeiras, numa manhã primaveril, em que se efetuava a cerimónia a entrega das chaves das primeiras 44 casas, construídas no âmbito do processo SAAL, pela Associação de Moradores 18 de Maio.

Na foto uma moradora, já falecida, que vivia num bairro de lata na zona, retira a chave da sua nova casa.

Diretores da Associação de Moradores dirigem o ato perante os olhares atentos de jovens filhos de associados.

A foto não mostra, mas a cerimónia era presenciada pela quase totalidade dos 450 associados e famílias. Era um dia de festa para a comunidade.

Para mim a escolha desta fotografia deve-se á sua carga simbólica para uma fase da minha atividade profissional. Enumero, de forma sintética, alguns aspetos:

O SAAL - Não podia escolher melhor imagem para caracterizar o processo SAAL - projeto coletivo que tinha como fim último a construção de um novo bairro e a eliminação das barracas.  Processo nascido com o 25 de Abril, teve curta vida pois tocava em muitos interesses instalados. Foi o meu primeiro trabalho profissional.

A LIGAÇÂO ÀS PESSOAS - Para nós técnicos em início de carreira, o trabalho no próprio local em contacto permanente e direto com as populações num processo de aprendizagem mútua, foi enriquecedor aos mais variados níveis. Marcou-nos profundamente.

MUDAR DE VIDA – A moradora que recebia a chave de uma casa decente, com todo o equipamento normal de uma habitação (até com um pequeno quintal...)   deixava o bairro de lata onde vivia em condições degradantes há muitos anos. Os olhares luminosos das crianças para as quais se abria a possibilidade de uma NOVA VIDA é bem a imagem de um futuro de esperança.

A LUTA - A concretização destas primeiras casas só foi possível com a luta unida dos moradores e dos técnicos que defrontaram mil e um obstáculos. Daí o caracter festivo que a Associação de Moradores deu ao ato. Foi uma luta pela concretização do direito à habitação.

POR ISSO MUITOS DE NÓS EM CONJUNTO COM OS MORADORES DOS BAIRROS DEGRADADOS, ORGANIZADOS EM ASSOCIAÇÔES DE MORADORES, GRITÁMOS NAS RUAS “CASAS SIM BARRACAS NÃO”!

Nota final: a senhora da foto morreu poucos anos depois, mas tinha no quintal da sua casa nova bonitas flores…

Fevereiro de 2021

Albano Pereira



O livro de histórias especial…

Quando me reformei em 2011, comecei logo a trabalhar, como voluntária, num projeto da ONGD TESE que dava apoio a vários centros de crianças órfãs e vulneráveis em Moçambique. Passados uns meses fui conhecer a realidade dos centros e dar um curso de formação aos animadores que apoiavam as crianças nas atividades letivas e não só. Nessa   primeira visita, chocou-me imenso que todos os livros de histórias que existiam nas salas de estudo, eram livros velhos enviados de Portugal, em gestos de beneficência, certamente cheios de boa vontade. O problema é que aquelas crianças negras só liam histórias de crianças brancas e loiras, com contextos familiares completamente diferentes dos seus (belas casas, bons carros, paisagens com neve, famílias felizes, etc… etc.).

Acrescentei logo mais um objetivo à minha intervenção no projeto; criar uma pequena biblioteca básica, em cada um dos três centros, livros novos, editados em Moçambique, com histórias infantis da sua própria cultura. Para as mais velhas (podem estar no centro até que terminem os estudos) alguns romances de autores africanos e moçambicanos.

Ao passar em casa de uma amiga em Maputo, e ao falar-lhe desta minha preocupação, ela foi buscar um livro infantil editado logo a seguir à independência. Explicou-me que no início ainda se tinham conseguido editar alguns livros, mas depois com a guerra civil e as dificuldades económicas tudo ficou estagnado.

Pedi-lhe o livro emprestado e parti para o centro. À tarde, quando as meninas chegaram da escola e brincavam no recreio emprestei-lhes o livro, cuja história se passava numa manchamba. A mais velha começa a ler… e, rapidamente as outras crianças vêm para o seu lado e ficam atentamente, deliciosamente, a escutar (como se vê na foto).

Durante os anos de projeto e cada vez que ia a Moçambique, com a ajuda de muitos amigos e amigas, levava dinheiro e comprava livros, calcorreando a baixa de Maputo. Em todos escrevia uma pequena dedicatória e explicava que era uma oferta de um grupo solidário de Lisboa.

Felizmente se no primeiro ano foi difícil encontrar livros editados em Moçambique, (os poucos que havia eram caríssimos), a realidade alterou-se e passou a ser possível comprar mais e mais baratos.

Certamente, que aquelas pequenas bibliotecas básicas, que alguns dos que me estão agora a ouvir também ajudaram a comprar, permitiram que aquelas meninas negras adquirissem uma melhor consciência de si e da sua cultura, ficando mais empoderadas, para serem mulheres negras, orgulhosas da sua cor de pele.

Fevereiro de 2021

Maria Viegas