quinta-feira, abril 18, 2024

O Atrium recordou Maria Lamas e com ela As Mulheres do Nosso País

Foram duas as actividades que dedicámos à obra desta mulher extraordinária, lutadora pelos direitos humanos e cívicos em tempos de ditadura, porventura a mais notável mulher portuguesa no século XX.

A primeira realizada no dia 29 de fevereiro, foi a visita guiada à exposição “As Mulheres do Meu País”, patente na Fundação Gulbenkian.

Passados mais de 75 anos sobre o início da publicação em fascículos de “As Mulheres do Meu País”, esta exposição, com a curadoria de Jorge Calado, apresenta pela primeira vez em Portugal a obra fotográfica de Maria Lamas (1893–1983), jornalista e escritora, pedagoga e investigadora, tradutora e fotógrafa, que entre 1947 e 1949, andou por serras, arrozais, grandes e pequenas cidades a observar as condições de vida das mulheres portuguesas.

Tivemos a oportunidade de apreciar uma seleção de 67 das suas fotografias, de pequenas dimensões, que documentam a arrepiante constatação da vida da mulher, no campo, na cidade, no interior e na beira-mar. Logo na abertura do livro “As Mulheres do Meu País”, escreve Maria Lamas: “A nossa vida é muito escrava. Todas se exprimem assim, tal-qualmente ou por outras lavras, conforme lhes é usual. O sentido, porém, é sempre o mesmo, como arrastado é sempre o seu viver, na serra, na lezíria, à beira-mar ou na charneca ressequida e sem fim.

O livro, como conta a sua neta Maria José Metello de Seixas no prefácio à segunda edição, foi a resposta da autora ao governador civil de Lisboa de então, que mandou encerrar o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas – a que Maria Lamas presidia e ao qual tinha dado um dinamismo “inconveniente” – alegando que esta não deveria ter tanto trabalho nem preocupar-se tanto com a situação das mulheres, a quem o Conselho Nacional não era necessário, uma vez que o “Estado Novo” confiava à Obra das Mães o encargo de as «educar e orientar». «A esta afronta feita à cidadã respondeu a jornalista: iria verificar e depois informaria.».

A segunda actividade, realizada no dia 9 de março, teve lugar na Casa dos Açores, e nela foi exibido o filme “Um nome para o que sou”, e contámos com a presença da sua realizadora, Marta Pessoa, e também da argumentista, a escritora Susana Moreira Marques, que fizeram a apresentação do filme, um documento sobre o processo de escrita do livro “As Mulheres do Meu País” (através do espólio e dos diários de Maria Lamas), e também uma reflexão sobre a própria escritora, enquanto figura destacada do feminismo português.

Seguiu-se uma interessante conversa, no decurso da qual foi destacado o espírito combativo de Maria Lamas, que conseguiu furar o cerco montado pelo regime a qualquer reflexão jornalística ou sociológica sobre a condição feminina.

Pressionada pelo governo, a administração do jornal "O Século", proprietária da revista "Modas & Bordados", então dirigida pela escritora, faz-lhe um ultimato, obrigando-a a escolher entre a revista e o trabalho no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Maria Lamas não hesitou na escolha, mas o preço a pagar foi muito alto, como escreve Maria Antónia Fiadeiro na biografia que lhe consagrou: “Maria Lamas no desemprego, nunca mais encontrará trabalho certo e será perseguida e assediada policialmente. Tem 54 anos. Conhecerá a prisão e o exílio. Não sem antes empreender a realização de As Mulheres do Meu País, partindo, ao desafio da descoberta das condições de vida das mulheres portuguesas”,

Foram duas actividades enriquecedoras, que nos permitiram conhecer melhor a vida e a obra desta Mulher Portuguesa, uma excecional lutadora pela emancipação da mulher e pelos direitos humanos no nosso país.