terça-feira, setembro 24, 2019

Um fim-de-semana pelas terras alentejanas de Cuba, Vidigueira, Vila de Frades, Beja e que em Alcácer do Sal teve o seu epílogo


A saída foi por volta das 8h30m do dia 8 de Junho, da Avenida do Colégio Militar, a após uma paragem técnica numa estação de serviço, chegámos ao nosso primeiro destino, a Casa-Museu Quinta da Esperança, situada em Cuba. Os relógios marcavam 11h30m.
À nossa espera o nosso amigo Miguel Rego, que nos acompanharia nesta jornada pelas terras alentejanas, da qual ele foi o principal dinamizador, em mais uma preciosa colaboração com o Atrium.
Esta Quinta da Esperança que se situa em Cuba, Distrito de Beja, é uma casa senhorial datada do final do Século XVI, havendo registos de sua existência já em meados de 1595. Com quatro pisos e mais de 200 divisões, foi erguida pela família Sabolinho de Barahona, influente família da região que a transformou num dos maiores campos de cultivo de trigo de Portugal, criando o Morgado da Esperança a partir de 1750.
O imóvel, por ser uma habitação da nobreza, teve o privilégio de hospedar três elementos da Família Real Portuguesa: a Rainha D. Maria II, o Rei D. Pedro V e o Rei D. Luís, aquando das suas deslocações à cidade de Beja.
Em Outubro de 1908, na revista Serões, Fialho de Almeida, num artigo intitulado “Em Alvito – o Castelo”, descreve num estilo bem pitoresco, alguns momentos da estadia de D. Pedro V nas terras de Cuba.
“Camponeses e povoléu miúdo, de Cuba e cercanas terras que tinham vindo de véspera, à passagem do rei, acamparam de roda dos muros da quinta e eram duares imensos de carros e bestiolas, foguetes e lumes de comezaina e, nas clareiras fechadas pelos carros, gentuza cantando ao som de adufes e trebelhos, tanta e tão viva que o mesmo D. Pedro V, depois da ceia andou pelas ranchadas até tarde, não faltando vivório e expansões de cândida borracheira, nem troveiros silvestres, que a som de viola, lhe soleassem boas-vindas.”.
Depois da visita guiada pela Casa Museu, incluindo toda a área envolvente, chegou a hora do almoço, que foi realizado no restaurante O Lucas, onde nos banqueteámos com a boa comida alentejana, umas migas de espargos com carne de porco.
Já mais aconchegados arrancámos para a Vidigueira, onde iríamos efectuar uma visita guiada ao Museu Municipal da Vidigueira.
Localizado no largo Vasco da Gama, no remodelado edifício da antiga escola primária, o Museu Municipal de Vidigueira preserva a memória do próprio edifício, constituindo um repositório da cultura de todo o distrito.
Está organizado em dois grandes núcleos temáticos. No primeiro encontra-se retratada a história do ensino primário no concelho, através da história da própria escola onde se encontra o espaço, desde a inauguração do edifício em 1884, até 1991, ano em que findou a sua utilização para este fim. No segundo núcleo, pudemos ter uma visão do quotidiano das populações nas décadas de 30 e seguintes, através dos ofícios de que se ocupavam os habitantes do concelho, desde a agricultura até à indústria.
Por volta das 17 horas rumámos a S. Cucufate, onde fizemos uma visita às ruínas da Vila Romana, datadas do século I d.C. Este conjunto de ruínas reúne vestígios de termas, jardim e um templo, que foi posteriormente adaptado ao culto cristão.
Refira-se que já em Abril de 1995, o Atrium tinha realizado uma visita a estas ruínas, na altura num estado lastimoso de abandono, o que hoje já foi em parte melhorado.
O ponto seguinte da jornada, que não estava previsto no programa, foi a Quinta do Quetzal, em Vila de Frades. Esta quinta, fundada por uma família holandesa que se instalou aqui, no pós-25 de Abril, comprando uma casa em Silves que se tornou o seu refúgio de férias. Começaram por adquirir vinte e dois hectares de vinha para produzir vinhos alentejanos de grande perfil, e o sucesso foi tal que doze anos após a primeira colheita a área de vinha tinha crescido para cinquenta hectares e a produção atingiu as 200 mil garrafas/ano. Seguiu-se a construção de um restaurante, com uma localização excelente, e de um centro de arte contemporânea, que tivemos a oportunidade de visitar.
Seguimos então para Vila de Frades, onde nos despedimos do nosso anfitrião e amigo Miguel Rego, e onde iríamos conhecer um interessante projecto que, a partir de uma adega histórica, recriou um espaço-museu sobre técnicas e tradições de produção de vinho de talha. Trata-se da “Cella Vinaria Antiqua”, que em bom latim significa Adega de Vinho Histórica.
Foi um excelente final de dia, que incluiu uma visita guiada à adega, onde tomámos conhecimento com a técnica de produção artesanal de vinho de talha, uma prática milenar de vinificação típica do Alentejo que tem mais de 2.000 anos e foi criada pelos romanos. No final não faltou a prova do referido néctar, à qual se seguiu um animado jantar num ambiente único.
O sábado tinha chegado ao fim e a dormida foi na Residencial Santa Bárbara em Beja.
O domingo amanheceu fresco e luminoso na bela Pax Julia, e a visita começou junto do Museu Regional de Beja – Museu Rainha D. Leonor, e a primeira paragem foi junto ao Núcleo Museológico da Rua do Sembrano, que integra um conjunto de estruturas arqueológicas que permitem apreender momentos decisivos da história da cidade. A escavação aqui realizada pôs a descoberto um conjunto de ruínas que se estendem cronologicamente, desde a Pré-História até à Época Contemporânea. A sua descoberta data de 1983, quando se iniciou o trabalho de execução de fundações para a edificação de uma habitação particular.
Regressámos depois ao Museu Regional de Beja, localizado nas dependências do antigo Convento da Conceição, ligado à atribulada história da freira Mariana Alcoforado (1640 – 1723), que aqui escreveu as cinco cartas de amor dirigidas ao Marquês de Chamilly, e as passou através da janela do Convento. Na breve visita que efectuámos não pudemos deixar de dar uma espreitadela à dita janela, que já não se encontra no seu local primitivo, pelo que a pobre freira hoje em dia não teria maneira de fazer chegar as suas missivas ao seu apaixonado oficial francês…
Prosseguimos na direcção do Castelo de Beja, e no caminho passámos pelo imponente edifício, onde se encontra hoje a Igreja da Misericórdia, mas que começou a ser construído cerca de 1550 com o objectivo de aí se instalar os açougues municipais. Segundo documentos da época, o Infante D. Luís justificou tal decisão nesta prosa pitoresca: "o grande edifício de pedra que mandei fazer para o matadouro na praça, o qual Deus parece ter desejado tão belo quanto mal aproveitado era para tão baixa função".
O nosso último objectivo da manhã foi o Castelo de Beja que hoje apresenta características de uma fortificação portuguesa, embora as suas origens remontem à era romana. Foi modificado e ampliado ao longo dos séculos e utilizado pelos Árabes essencialmente como posto defensivo contra os Portugueses que acabariam por reconquistar Beja no século XIII. A torre de menagem – um dos elementos mais marcantes do castelo – foi mandada erguer pelo Rei D. Dinis em 1310 e é considerada um dos mais importantes exemplos da arquitectura medieval do país.
O almoço deste domingo foi no restaurante O Alentejano, perto da igreja de Santa Maria, e cerca das 14h30 arrancámos para a última paragem da jornada, a cidade de Alcácer do Sal.
Aqui, na magnífica paisagem à beira do Sado, visitámos o Museu Municipal Pedro Nunes, que recebeu uma profunda intervenção, que implicou o seu encerramento em 2007, e a reabertura em Abril de 2019.
Nele pudemos apreciar vestígios com uma ocupação de cerca de 2.700 anos, numa viagem pelo tempo feita através rio Sado, o rio que trouxe até Alcácer do Sal o Mediterrâneo e o Atlântico, as suas culturas e gentes.
A exposição permanente começa com um painel dedicado às origens de Alcácer do Sal, na Idade do Ferro (século XII a.C.), há cerca de 3200 anos, onde é feita a associação com a forte atividade comercial potenciada pelo rio Sado. O segundo tema é dedicado Salacia, que foi importante urbe na época romana e um dos principais portos da Lusitânia. O terceiro tema da exposição respeita ao período medieval, com a disputa entre Mouros e Cristãos, espaço onde se retrata a importância de Alcácer do Sal no período islâmico.
Uma última referência ao nome do museu, que homenageia Pedro Nunes, uma das maiores personalidades da cultura europeia. Matemático, cosmógrafo, um homem da ciência conhecido como "Petrus Nonius, o salaciense", inventor do nónio que mudou a forma como os descobridores portugueses percorreram o mundo.
O regresso a Lisboa fez-se já ao entardecer, com a agradável sensação de mais um fim-de-semana bem preenchido, que nos enriqueceu mais um pouco e nos ofereceu bons momentos de convívio.