terça-feira, abril 15, 2014

O Atrium na rota da indústria conserveira de Portimão, com um mergulho à Pré-História no lugar de Alcalar e um salto à cidade de Al-Mutamide

O dia adivinhava-se limpo e convidativo para o fim-de-semana que iriamos desfrutar, nos passados dias 22 e 23 de Março, por terras algarvias. A saída verificou-se à hora e no local habituais, 7h30m em Sete-Rios.
O primeiro objectivo foi o lugar de Alcalar, situado a poucos quilómetros de Portimão, em pleno Barrocal algarvio, onde no III milénio a.C. se fixou e viveu uma importante comunidade pré-histórica, e onde hoje se podem apreciar os monumentos megalíticos descobertos desde os finais do século XIX e hoje classificados como Monumento Nacional.
Já há 5.000 anos atrás este território, situado entre a serra e o mar, oferecia recursos de subsistência muito favoráveis à ocupação humana. Na Ribeira da Torre a pesca e o marisqueio, no interior as nascentes de água potável e os solos férteis.
Aqui se estabeleceu um vasto povoado, defendido por muros, trincheiras e taludes, onde se construíram habitações, junto das quais foi edificado um importante conjunto de templos funerários megalíticos, constituindo uma necrópole com cerca de duas dezenas de sepulcros com mamoa.
Dois desses monumentos funerários encontram-se abertos ao público e permitem um contacto direto com os processos e os materiais utilizados na sua construção.
Deste extraordinário conjunto monumental pré-histórico, pesquisado desde 1880, destaca-se o nº 7, o mais bem conservado, que é constituído por uma mamoa de pedras que envolve uma construção com corredor e cripta coberta em falsa cúpula. A mamoa é contida por um murete em alvenaria de xisto de planta circular, de vinte sete metros de diâmetro, com uma fachada rectilínea, voltada a nascente, em cujo centro se abre a única entrada para acesso à cripta.
Tivemos a oportunidade de contactar com os técnicos responsáveis pelos trabalhos de investigação deste importante conjunto arquitectónico, Arqueóloga Isabel Soares, Arqueólogo Rui Parreira, Arqueóloga Helena Noran (espanhola) e Andreia Machado (restauro do muro de pedra), o que tornou a nossa visita extremamente enriquecedora.
Rumámos para Portimão, e como os nossos estômagos já estavam a reclamar, tratámos de resolver a questão do almoço. E desta vez fomos mesmo originais, pela primeira vez fizemos um picnic, não ao ar livre sobre as habituais mantas estendidas no chão, ao som do chilreio alegre dos passarinhos, mas antes sentados à mesa, nas instalações do restaurante do Museu de Portimão, actualmente desactivado, e que foi gentilmente posto à nossa disposição.
Seguiu-se o segundo objectivo deste nosso primeiro dia, a visita ao Museu de Portimão. Refira-se aqui, antes de mais nada que esta visita, que a seguir descrevemos resumidamente, ganhou um interesse muito especial porque ela foi guiada pelo nosso companheiro José Cid, que foi, juntamente com a sua mulher Isabel Aires, o autor do projecto deste museu. A colaboração directa e a simpatia do seu director, José Gameiro, também constituiu uma mais-valia nesta nossa visita guiada.
A história de Portimão encontra-se profundamente interligada com os recursos marítimos e, desde a antiguidade, surgiram os processos de transformação e conservação pelo sal da riqueza piscícola das suas águas e mais tarde, no século XX, uma importante indústria piscatória e conserveira que ocupou as margens do Arade.
As origens do Museu de Portimão remontam a 1983, quando a Câmara Municipal de Portimão, aprova um projecto museológico visando a investigação, recolha, documentação e divulgação do património local, com especial destaque para o arqueológico, industrial, náutico e subaquático.
Em 1996, a necessidade de preservar toda esta relação histórica motivou a aquisição, pelo Município de Portimão, da antiga fábrica de conservas de peixe “Freu Hermanos”, localizada na frente ribeirinha da cidade.
É desse renovado edifício fabril, datado dos finais do séc. XIX, que surge a 17 de Maio de 2008 o Museu de Portimão, polo de difusão cultural e espaço de descoberta das origens e da evolução da comunidade, do seu território e dos aspetos mais marcantes da sua história industrial e marítima.
A exposição que visitamos está estruturada em 3 percursos. No primeiro, denominado “Origem e destino de uma comunidade”, viajamos desde as primeiras comunidades pré-históricas de Alcalar, passamos pelas presenças romana e islâmica e concluímos o percurso no acervo biográfico de um portimonense notável, o político e escritor Manuel Teixeira Gomes.
No segundo percurso, “A vida industrial e o desafio do mar”, somos conduzidos desde o ponto de partida para o trabalho nas fábricas, que é a lota de Portimão, seguimos pela espectacular Casa do Descabeço, onde se processava a primeira transformação do peixe para conserva, e terminamos no espaço fabril destinado à fabricação e ao enchimento das latas de conserva.
Por fim no terceiro percurso, “Do fundo das águas”, percorremos a antiga cisterna que alimentava os tanques de salmoura e as caldeiras da fábrica, e que foi aproveitada para um novo núcleo denominado “Ocean Revival”, onde podemos acompanhar a evolução do Parque Subaquático de Portimão, formado por quatro navios de guerra da Marinha Portuguesa, afundados na costa de Portimão. O ambiente de penumbra da cisterna e o impacto cenográfico do “submarino”, constituiu um ponto de inegável interesse.
Tivemos ainda oportunidade de uma conversa descontraída com o José Cid e o José Gameiro, no auditório, e de visitar as áreas complementares do museu, como o Centro de Documentação e Arquivo Histórico, a Oficina Educativa, as Reservas e as Áreas Técnicas.
O dia já ia longo quando rumámos à Praia da Rocha e nos instalámos no Hotel Luar para um merecido descanso depois de um dia rico e intenso.
No domingo de manhã, depois de uma paragem na Praia da Rocha, para o café matinal e para umas fotos, rumámos a Silves.
Aqui, antes de mais, uma referência para o facto de a Câmara Municipal de Silves, apesar dos contactos feitos por nós atempadamente, não ter prestado qualquer apoio à realização da nossa visita. Socorrendo-nos da prata da casa, foi o José Cid que nos guiou, colmatando assim a falha do apoio do município desta bela cidade, tão rica de história mas tão mal divulgada pelos seus actuais dirigentes autarcas.
Começamos a nossa deambulação pelo Museu Municipal de Arqueologia de Silves. Inaugurado em 1990, este museu foi construído em torno do Poço-Cisterna Almóada dos séculos XII-XIII – descoberto após escavações arqueológicas decorridas nos anos 80 do séc. XX e hoje classificado como Monumento Nacional – que se tornou a peça central da colecção e do discurso expositivo. Cenograficamente integra, também, a muralha da cidade do mesmo período, funcionando, assim, não só como um museu onde as colecções expostas são muito significativas, mas também como uma jóia do património islâmico em Portugal.
Em seguida visitamos a Sé Catedral de Silves, considerado um dos templos mais notáveis da arquitectura gótica do Algarve. Provavelmente foi mandado erigir nos finais do século XIII, após a conquista definitiva da cidade, em 1248 ou 49, por D. Paio Peres Correia. No local existia anteriormente uma das mais importantes mesquitas no território de Portugal.
Construída num arenito vermelho (Grés de Silves), a catedral possui uma planta de cruz latina. Com uma altura de, aproximadamente, 18m, a nave central é mais elevada que as duas laterais.
Por fim rumámos até ao Castelo de Silves. A sua construção teria sido iniciada no século VIII, após a invasão da Península Ibérica pelos muçulmanos, que se tornaram os novos senhores de as-Shilb (Silves). Anteriormente já teria existido neste lugar uma antiga fortificação, provavelmente construída pelos Romanos ou pelos Visigodos.
Por se encontrar numa posição geográfica privilegiada, a povoação de as-Shilb cresceu rapidamente, tornando-se palco de diversas disputas entre príncipes muçulmanos, acabando por ser conquistada pelo rei-poeta Al-Mutamide no ano de 1053. (Este rei-poeta foi governador de Silves e ocupou o trono do reino de Sevilha com 29 anos. Nasceu em Beja em 1040 e faleceu prisioneiro em Marrocos em 1095, sendo considerado um dos grandes poetas de língua árabe de todos os tempos).
Acredita-se que tenha sido nessa altura que a muralha envolvente de uma área com cerca de doze hectares tenha sido construída. Trata-se de uma muralha ameada, rasgada por três portas e reforçada por torres de planta quadrangular. A nível interno, existiam duas ruas principais que constituíam os dois eixos que definiam a povoação. Bem perto da Porta de Almedina, também chamada de Porta Principal ou Porta de Loulé, existia um grande edifico, o Palácio das Varandas, que ficou registado na obra do rei-poeta, Al-Mutamide, no poema “Evocação de Silves”.

"Eia, Abu Bacre, saúda os meus amigos em Silves e pergunta-lhes
se, como penso, ainda se recordam de mim.
Saúda o Palácio das Varandas, da parte de um jovem
que sente perpétua saudade daquele alcácer.
Ali moravam guerreiros ferozes como leões e brancas gazelas,

e em que belas selvas e em que belos covis!
Quantas noites passei divertindo-me à sua sombra
com mulheres de ancas opulentas e talhe delicado
Brancas e morenas que produziam na minha alma
o efeito das espadas refulgentes e das lanças negras!"


Esta região foi primitivamente povoada por árabes do Mediterrâneo Oriental, amantes das artes e das ciências, permitindo o desenvolvimento deste importante polo cultural e político do al-Gharb al-Andaluz, nos séculos IX a XII. As-Shilb ficou mesmo conhecida como a cidade de filósofos e poetas.
Depois de um almoço num restaurante da cidade de Silves, dirigimo-nos a Estombar onde se situa a Quinta dos Vales, o último objectivo da nossa viagem.
Trata-se de uma quinta que conjuga a produção vinícola - possui cerca de 19 hectares de vinha - com o alojamento, a realização de eventos culturais e sociais bem como a exposição e venda de obras de arte, a maioria das quais executadas em fibra de vidro e resina de poliéster.
Depois de um passeio pela quinta, durante o qual apreciámos as insólitas esculturas, e que serviu para ajudar um pouco à digestão do almoço, tivemos uma prova dos vinhos da produção própria.
A tarde já ia avançada quando nos metemos à estrada, a bordo do autocarro da Barraqueiro, que nos iria conduzir a Lisboa. Tínhamos desfrutado um fim-de-semana cheio que nos deu a conhecer um pouco mais deste nosso torrão e que proporcionou um agradável convívio entre amigos.