quarta-feira, maio 20, 2020

25 Abril 74 - as memórias da Maria


Finalmente chegou o dia que ia mudar as nossas vidas!
Em 25 de Abril de 1974, tinha 25 anos e vivia em Paris. Parti de Portugal em 1969 porque me faltava o ar.
Tinha um quotidiano agitado. Trabalhava, a meio tempo, como animadora sociocultural na Cité de Transit de Garges les Gonesse, frequentava o terceiro ano de Sociologia em Paris VIII e militava na redação do “Jornal Português”, jornal antifascista e anticolonialista que tinha ajudado a fundar, uns tempos antes.
No dia 25 de Abril de 74, passei um dia muito triste a tentar apoiar uma portuguesa que trabalhava como porteira. Como não podia ter os filhos com ela, estava disposta a interná-los numa instituição e eu achava a situação horrível.
Cheguei a casa desanimada ao fim do dia, encontrei um amigo colombiano que me grita, do outro lado rua, que tinha havido um golpe de estado em Portugal. Tinha ouvido as notícias e falavam de um General Spínola… Não me dava grande confiança aquele nome…
Entro no quarto (a que pomposamente chamava casa), ligo a rádio e fico avidamente a contar os minutos até à hora certa. Foi logo a notícia de abertura, o poder tinha mudado de mãos, a ditadura em Portugal estava finalmente derrubada e o MFA prometia a liberdade.
Ninguém tinha telefone em casa mas eu sabia onde todos os camaradas iriam ter.
Apanhei o metro e desci em Saint Michel no quartier latin sempre o nosso ponto de encontro. Estava ainda a subir as escadas quando encontro o Artur Monteiro que também era do nosso jornal e há muitos anos que não vinha a Portugal. Abraçamo-nos emocionados. Aos poucos fomos encontrando cada vez mais gente. Naquela altura em Paris havia vários grupos portugueses com diferentes opções ideológicas, mas tenho ideia, que naquela noite o importante era ser português e festejar o fim da ditadura.
Fomos subindo o Boulevard Saint Michel e começamos a cantar a Internacional. Tenho ideia que ninguém sabia cantar a Grândola Vila Morena… além das primeiras estrofes. Foi uma noite memorável! de risos, de choros e da perceção que as nossas vidas iam mudar!
No dia seguinte na Faculdade todos os amigos/as, muitos refugiados/as, do Brasil, da Argentina, do Chile, de Espanha vinham abraçar-me e a querer saber mais noticias. Sentia na sua voz a tristeza de nada ter ainda acontecido nos seus países.
Consegui logo organizar-me para vir participar na manifestação do 1º de Maio em Lisboa. Viajei num charter no dia 29, o avião vinha cheio de refugiados/as que há muitos anos não podiam vir a Portugal. Ninguém se sentava. Quando o Comandante avisou que tínhamos passado a fronteira e entrado em Portugal, começámos todos a cantar a internacional. A tripulação distribuiu champagne. Muitos/as choravam e toda a gente se abraçava.
Eramos jovens e tínhamos a ambição de mudar o mundo para melhor!
Maria, em Abril 2020