quarta-feira, abril 21, 2021

O Ano em que nasci – Parte VI (1949 e 1951)

No seguimento da divulgação das colaborações dos atriunistas, no âmbito da actividade O Ano em que nasci, publicamos mais dois testemunhos.

Essa publicação, como dissemos anteriormente, está a seguir a ordem cronológica dos nascimentos dos intervenientes, dos anos mais antigos para os anos mais recentes. Hoje apresentamos as participações do António Marques (ano de 1949) e do José Maria (ano de 1951).


O ANO EM QUE NASCI – 1949 

4 de Novembro: Nasci ali na casa do Bairro da Encarnação em Lisboa, com apoio da vizinha (penso que a única experiência que tinha de partos era do filho – que tinha nascido 3 anos antes de mim). Outros tempos que ecografias não se faziam e a mortalidade infantil era muito alta. Mas cá estou e.… estamos.

Um ano com várias evoluções:

1 de Outubro: Criação da República Popular da China com as directivas de Mao-Tsé-Tung e após a revolta popular (especialmente rural). Durante anos foi uma fonte de discussão política e de sugestão de estar na vida.

No mesmo ano Chiang Kai-Chek e os nacionalistas chineses apoiantes criam o governo de Taiwan e instalam o “terror branco”.

4 de Abril: criação da NATO: organização militar intergovernamental que junta 30 países da Europa e América do Norte (deriva da associação criada no tratado de Dunquerque – 4-3-1947- entre a França e a Grã Bretanha como tratado de Aliança contra a Alemanha e a União Soviética, neste período pós Guerra).

7 de Setembro: fundação da República Federal da Alemanha após a partilha das Alemanhas no pós-guerra. Inicio da “guerra fria”.

12 de Outubro: é criada a República Democrática da Alemanha. A reunificação alemã foi oficialmente celebrada só em 3.10.1990.

1 de Janeiro: Interrompida/terminada a guerra India-Paquistão. Mas que ainda hoje persiste...

27 de Outubro: Egas Moniz recebe o prémio Nobel da Medicina pela “lobotomia pré-frontal”. Posteriormente abandonada e recentemente reutilizada de forma química em doentes com psicoses de grande agressividade ou instabilidade. A obra importante que ainda hoje é usada é a angiografia cerebral que ele primeiro descobriu e utilizou.

Egas Moniz desenvolveu trabalho conjunto, anos anteriores, com o suíço Walter Rudolph Hess em que se demostrou que o corte das ligações pré-frontais podia melhorar a vida em doenças como a esquizofrenia. Walter Rudolph Hess recebe o Nobel da Fisiologia pelas vias de “orientações cerebrais dos órgãos do corpo”.

William Faulkner, norte americano recebe Nobel da Literatura pelo romance Uma fábula que retrata a decadência do sul dos Estados Unidos.

13 de Fevereiro: Óscar Carmona é reeleito presidente da República, depois da perseguição de Salazar a Norton de Matos.

11 de Abril: a Irlanda do Norte separa-se da Coroa Britânica. Hoje têm bandeiras, hinos, sistema político e económico diferentes. Capital Belfast.

Neste ano, além de brilhantes Atriunistas, também nasceram outras pessoas bem diferentes: António Guterres, Benjamin Netanyahu, José Ramos Horta.

Outras curiosidades:

Considerados melhores vinhos (boas colheitas) desse ano:

Souza Guedes, Porto - Aliança Garrafeira, Bairrada, branco - Carvalho, Ribeira & Ferreira, tinto - Mouchão, tinto, primeira colheita.

Filme sobre a vinha e o vinho em Portugal: Vinhos de Portugal parte 1 e 2 restaurados no laboratório da Cinemateca Portuguesa em 2011.

Março 2021

António Marques



NASCI EM OUTUBRO DE 1951

O ano de 1951 fica a "meio caminho" entre o final II guerra e a assinatura do tratado de Roma, o tratado fundador da Comunidade Económica Europeia.

Este período de 12 anos pode caraterizar-se por um desejo de reencontro, politico e económico, daqueles que estiveram de costas viradas durante um largo tempo. A Alemanha e a França marcaram esse tempo com dois conflitos que se alastraram ao mundo, cujos efeitos foram devastadores, particularmente para a Europa.

O ano de 51 aparece então, como o "início", um primeiro passo, de uma real vontade europeia, em particular França e Alemanha, de desenvolver e concretizar um processo de cooperação económica: a assinatura do acordo de constituição da Comunidade Europeia do Carvão e  do Aço (CECA) -18 abril de 1951.

Portugal tinha-se mantido fora do conflito mas, partilhou com a Inglaterra e Alemanha, esquemas de comércio quer de minérios (volfrâmio), fundamentais para a industria do armamento, quer de produtos alimentares quer ainda a importância geoestratégica da base das Lages nos Açores.

A teimosia de Salazar tinha uma ideia base: “ambiguidade estratégica” que conjugava com os trunfos referidos anteriormente.

1- As principais dinâmicas na Europa pós-guerra.

1.1 As vontades, a cooperação como lema.

Um ano a seguir ao fim do conflito Churchill afirmou: “ É imperioso construir uma espécie de Estados Unidos da Europa”. Esta ideia, sendo natural, passou por vicissitudes e divisões políticas, em particular a existência de duas Europas- a ocidental e a oriental e outras, países ricos e pobres, norte e sul, que introduziram dificuldades na concretização desse desígnio inicial de união.

No entanto, a realidade social e económica, o desespero e a destruição do sistema produtivo, obrigaram a ultrapassar as dificuldades políticas e a caminhar no sentido do trabalho conjunto. A dimensão mundial do conflito e o papel dos Estados Unidos na vitória aliada, tornaram inevitável que o papel da América na reconstrução europeia se tornasse fundamental.

Nesta perspetiva a doutrina Truman, com uma forte componente política e geoestratégica, consubstanciou-se na concretização do Plano Marshall (1948 a 1951). O senador americano que deu o nome ao plano, quando se referiu à sua necessidade disse: “...O seu propósito deve ser o renascimento de uma economia mundial que funcione, para permitir a emergência de condições sociais e políticas em que possam existir instituições livres”.

Truman, quando da sua visita à Grécia em 1947 e perante um cenário de destruição total da economia e da sociedade Grega, provocada pelos Alemães, disse no Congresso: “...A Grécia tem de ter ajuda a importar os produtos necessários para poder restaurar a ordem e a segurança interna, tão essenciais para a sua recuperação económica”.

Temos assim que, no plano económico, os Estados Unidos, tiveram forte presença na coordenação do auxílio o que levou à criação da Organização para a Cooperação Económica Europeia mais tarde OCDE. (Nota: a União Soviética não participou no Plano Marshall assim como os países de sua influência e organizou a sua própria comunidade económica o COMECOM).

Esta experiência de cooperação e planeamento económico foi um marco no desenho de uma posterior integração europeia, cujas ideias base iam no sentido de uma União Europeia federalista. No entanto e apesar de algumas perspetivas diferentes o Reino Unido inseriu (forçou), em 1949, no Tratado de Londres a figura do Conselho Europeu. Dezassete estados das democracias ocidentais participaram na institucionalização  de uma organização, sem abdicação dos seu poderes soberanos e cujo objetivo principal era: “atingir uma maior unidade entre os seus membros no propósito de salvaguardar e compreender os ideais e princípios, que são a sua herança comum...”. Todos estes passos foram desenvolvidos com dinâmicas e interesses nem sempre coincidentes e com contradições particularmente da Grã- Bretanha.

Apesar disso foi possível estabelecer as bases da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que projeta uma imagem de uma europa de valores. Mais tarde foram incluídos a Convenção Europeia dos Direitos Sociais, que consubstancia os direitos económicos e sociais assim como os direitos políticos.

Estes documentos criaram as condições para as posteriores Carta Europeia dos direitos do Homem e da Carta Social Europeia. No entanto é de referir que as profundas marcas da guerra e os interesses próprios dos franceses e americanos acabaram por impedir o aprofundamento de outra importante organização: Comunidade Europeia da Defesa, mais tarde ultrapassado pela União Europeia Ocidental e por fim integrada na União Europeia.

Todas estas dificuldades deram origem, também, a uma discussão intelectual que refletia, as profundas contradições e conflitos entre a França e a Alemanha desde longa data. Apesar destas dinâmicas de avanços e recuos, ao longo do tempo sempre houve momentos de cooperação: Convenções sobre a navegabilidade do rio Reno, sobre os correios, sobre pesos e medidas e sobre os transportes.

1.2 A Europa económica / A integração...os pequenos passos

As dificuldades de aprofundamento dos processos de integração económica foram dando origem a novos patamares de entendimento e a novas “vontades”. A expressão de Shuman sobre essas “vontades” marcou o início de uma caminhada por etapas: "A Europa não surgirá de repente nem por meio de uma simples junção. Ela surgirá por meio de medidas concretas que promovam, antes de tudo, a solidariedade. A unificação da Europa exige que se ponha fim à oposição de séculos entre França e Alemanha. Por isso nossos esforços devem, em primeira linha, se voltar para a França e a Alemanha", disse, em 1950, o então ministro francês das Relações Exteriores, Robert Schuman.

Em abril de 1951 a Alemanha conjuntamente com a França, a Itália e os países da Benelux fundam a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) que aparece como a primeira organização supranacional que se concretizou e que culminou, numa primeira fase com o Tratado de Roma” (1957) e mais tarde com a União Europeia.

Esta ideia e esta vontade tinha como principal objetivo, gerir em comum a produção de carvão e aço e garantir um mercado livre de taxas para a exportação e importação daqueles produtos, garantindo, assim, o livre comércio. O seu primeiro presidente foi o Francês Jean Monnet. Apesar desta perspetiva de integração de conservadores, democratas cristãos e mais tarde dos socialistas, foi sempre marcada pelas contradições entre a França e Alemanha (De Gaulle não esteve presente no funeral de Shuman). O difícil diálogo entre os dois principais atores da integração esteve sempre presente ao longo do tempo. No entanto, as condições objetivas levaram a um entendimento recíproco que permitiu desenvolver os acordos marcantes da integração europeia. (Claro que os EUA estiveram ”presentes” em todo o processo de integração não só através da estratégia consubstanciada no Plano Marshall, mas também, em todo o processo de reabilitação da Alemanha no contexto europeu - por ex. a dívida alemã anterior à Segunda Guerra Mundial foi perdoada em46% e a posterior à Segunda Guerra em 51,2%).

Toda a experiência da CECA com avanços e recuos, acabou por engendrar novas dinâmicas que levariam para uma nova fase da integração europeia. No meio daqueles que preferiam caminhar num modelo mais setorial e dos que preferiam um modelo de integração horizontal, o Comité Spaak juntou as pontas e propôs que houvesse uma alargada política económica comum e uma comunidade setorial para a energia atómica. Este caminho que teve como força de base a ideia apresentada no âmbito do Comité Spaak de que :”procurar o estabelecimento de uma Europa unida pelo desenvolvimento de instituições comuns...e de criação de um mercado comum...”.

Assim, em 1957 é assinado, entre os membros fundadores da CECA, o tratado de Roma que institui a CEE e a Euratom. Este tratado é marcado pela preocupação de não querer ser um mero projeto liberal de corte com a tradição social europeia. No meio deste período marcado pela incerteza o Reino Unido esteve fora, quer da CECA quer do Tratado de Roma. A sua principal preocupação era, apenas, a da criação de uma zona de comércio livre. É neste contexto que avança para a criação da EFTA (European Free Trade Association), a que associou os países que tinham ficado de fora da integração. Portugal foi um desses países. (O Reino Unido era o nosso principal parceiro económico).

2. Portugal e as grandes mudanças europeias

A ideia da “ambiguidade estratégica” foi uma espécie de truque do Salazarismo: estava mas não estava, isto é, participou em várias das organizações europeias (foi membro fundador da Organização Europeia de Cooperação Económica OECE-1948- que geriu o Plano Marshall e a OCDE em 1960) e das quais tirou benefícios económicos mas, dava a ideia, internamente e externamente, de que tinha meios financeiros para ficar fora das ideias de cooperação e de associação vigentes na Europa. (um dos trunfos que Portugal apresentava foi a importância geoestratégica da base das Lages nos Açores). O modelo corporativo de gestão económica protegia a incipiente produção fabril quer da concorrência quer de um nível de lucros pré-estabelecidos por um sistema de preços e salários controlados. (por ex. A produção agrícola para indústria moageira era controlada e pré- estabelecida.).

Desta lógica decorre uma situação económica e social do país que, apesar de ter beneficiado da situação particular de não ter participado no conflito, apresentava baixos níveis de desenvolvimento e uma endémica situação de pobreza.

As relações económicas com as colónias passaram de um saldo positivo no período da guerra para um saldo negativo em 1946. O nosso PIB per capita era pouco mais de 50% do europeu. As infraestruturas nacionais básicas (eletricidade, produção industrial, acessibilidades) eram fortemente deficitárias.

Com estas limitações e com o incremento, generalizado, da indústria no pós-guerra, o regime teve de repensar o modelo de desenvolvimento na perspetiva de criar condições para o incremento industrial.

Em 1944 e 1945 são apresentadas duas leis – a lei 2002 e a lei 2005- cujos objetivos foram o da eletrificação nacional e do fomento e reorganização industrial respetivamente. No entanto, com o fim da guerra, houve um aumento das importações (produtos alimentares e equipamento industrial) e a uma perda de valor das mercadorias particularmente valorizadas durante o conflito.

Esta situação levou à diminuição das reservas de ouro e divisas o que teve fortes implicações no equilíbrio financeiro do país, pedra de toque da política económica do regime Só seria possível suportar as necessidades financeiras criadas com o aumento dos custos da industrialização recorrendo a apoios externos.

Assim, a posição portuguesa de “antes só que mal acompanhado”, alterou-se completamente. Da posição, de não querer beneficiar dos apoios do Plano Marshall (1948-51) para, em apenas um ano, de setembro 47 a setembro 48, ter acedido ao esse apoio financeiro.

Portanto, podemos dizer que houve um primeiro período em que o regime Salazarista teve uma posição de relativo afastamento em relação ao que acontecia na Europa e um segundo período de aberta participação corporizado nos apoios financeiros externos e no planeamento da atividade económica. Esta mudança passa pela assunção de que a organização industrial não é uma manta de retalhos de pequenas indústrias mais ou menos artesanais e complementares da atividade agrícola, e algumas indústrias de grande dimensão. Não pode ser apenas o somatório de industrias ligadas à energia, matérias-primas, sem uma estratégia global.

Assim, o I Plano Fomento 1953-58  privilegiou a siderurgia, a refinação de petróleos, os adubos, a folha de flandres a celulose, o papel e a energia como setores básicos a desenvolver, cuja  ideia mestra foi a modernização e industrialização do país, criando condições para o desenvolvimento de outras atividades.

Referências Bibliográficas

- Ferreira, Eduardo, «Da Europa de Shuman à Não Europa de Merkel», Quetzal Editores, 2014

- Rollo, Maria Fernanda, «Portugal e o Plano Marshall: história de uma adesão a contragosto (1947-1952),

 - Análise Social, vol. XXIX (128), 1994 (4º), 841-869

 

Março de 2021

José Maria Duarte