
Pelo
seu significado, começamos esta crónica do fim-de-semana por terras da Beira
Alta, com a referência à nossa visita à Casa do Passal, morada do novo Museu
Aristides de Sousa Mendes, que constitui uma memória viva de todos os que
sobreviveram à intolerância e ao extermínio, graças à coragem e generosidade do
Cônsul Aristides Sousa Mendes.
Aqui
recordámos as mais de trinta mil vidas salvas da barbárie nazi pelo diplomata
português, durante a II Guerra Mundial, no que é considerado como a maior acção
de salvamento levada a cabo por uma pessoa individual.
Nada
melhor para avaliar este acto de excepcional, do que recordar as palavras do
próprio Aristides de Sousa Mendes dirigidas, em 8 de outubro de 1940, ao então
Ministro dos Negócios Estrangeiros, no âmbito do processo disciplinar que lhe
foi instaurado, onde ele evoca os motivos que o levaram a passar vistos a
milhares de refugiados do Holocausto, protegendo-os, assim, da morte.
“…Era
realmente meu objectivo “salvar toda aquela gente”, cuja aflição era
indescritível: Uns tinham perdido os seus cônjuges, outros não tinham notícias
dos filhos extraviados, alguns haviam visto sucumbir pessoas queridas sob os
bombardeamentos alemães que todos os dias se renovavam e não poupavam os
fugitivos apavorados. Quantos tiveram que inumá-las, antes de conseguirem
prosseguir na louca correria da fuga!
Daí
a minha atitude, inspirada única e exclusivamente nos sentimentos de altruísmo
e de generosidade de que os portugueses, através dos seus oito séculos de
história, souberam tantas vezes dar provas eloquentes e que tanto ilustram os
nossos feitos heróicos.”
Foi
uma visita que nos transportou para um tempo de guerra, de perseguições, e de sofrimento
de inocentes, que julgávamos estar definitivamente afastado do nosso mundo, mas
que, infelizmente, parece estar de novo a ensombrar a vida de milhares e
milhares de homens mulheres e crianças.
A
espécie humana ainda não se libertou das forças que a conduzem à violência e à
destruição do seu semelhante, sob a liderança de criminosos que teimam em usar
a força para atingir os seus nefastos objectivos.
Socorrendo-nos
da informação do site do Museu incluímos, pela sua importância histórica, uma
breve descrição do seu conteúdo.
O
museu relata, de uma forma contextualizada, o acto de desobediência
consciente de Aristides de Sousa Mendes que, enquanto Cônsul de Portugal em
Bordéus, possibilitou através dos vistos concedidos, salvar milhares de pessoas.
Ele
está subdividido em três corredores, que se organizam, cronologicamente, de uma
forma sequencial; Corredor da Guerra, Corredor da Fuga e Corredor
da Liberdade.
No
primeiro corredor relata-se a ascensão ao poder de Adolf Hitler, em
1933, que marca o início da perseguição sistemática aos judeus. O que começou
como um boicote a negócios e profissões, evoluiu rapidamente para a
discriminação total e a violência física, que culminará nos campos de
extermínio.
À
medida que a situação se torna insustentável, são cada vez mais os que fogem da
Alemanha. Aos refugiados de origem judaica juntam-se opositores do regime nazi,
sobretudo intelectuais, socialistas e comunistas. Numa primeira fase, tentam
refazer a vida nos países vizinhos, radicando-se a maior parte na Bélgica e em
França. Em 1938 a Alemanha ocupa a Checoslováquia e anexa a Áustria. Em setembro
do ano seguinte, a invasão da Polónia pelos alemães marca o início da II Guerra
Mundial. O êxodo de civis intensifica-se. Aos proscritos do Reich juntam-se
milhares de pessoas que fogem, simplesmente, da guerra.
No
segundo corredor vemos a chegada dos alemães a Paris, e a intensificação
da fuga para Sul. A Bordéus, os refugiados chegam aos milhares numa procura
desesperada de vistos para a liberdade. Tocado pelo drama humano que se
desenrola sob o seu olhar, Aristides de Sousa Mendes decide ignorar as ordens
recebidas de Portugal e começa a passar vistos a toda a gente. Com o
agravamento da situação, devido ao corte de comunicações e à aproximação dos
alemães, Sousa Mendes dá ordem aos consulados dele dependentes, Toulouse e
Bayonne, para fazerem o mesmo.
Apesar
da tentativa feita pelo governo português, para o parar, Sousa Mendes
continuará, mesmo na rua e junto à fronteira de Hendaye, a conceder vistos. Só
desistirá do seu objectivo com a chegada dos alemães.
É
sobre a permanência dos refugiados nos vários pontos do país e sobre o seu
embarque rumo à liberdade que trata o terceiro corredor.
Para
a maioria dos refugiados vindos da Europa, a entrada em Portugal fazia-se pela
fronteira de Vilar Formoso. Para Lisboa, só eram autorizados a seguir aqueles
que já possuíssem bilhete de embarque e visto para outros países. Todos os
outros eram encaminhados para estâncias balneares e termais ou cidades de
província, onde lhes era fixada residência. Para as personalidades importantes
ou para a gente abastada o destino era o Estoril, uma estância balnear
internacional nos arredores de Lisboa. Apesar de algum choque provocado pelo
contacto com usos e costumes inesperadamente “modernos”, os refugiados foram
bem recebidos pelas populações que tentaram minorar ao máximo as suas
dificuldades.
Portugal
foi, por isso, para muitos milhares de pessoas, um paraíso na terra. Contudo,
era evidente que o perigo ainda não tinha terminado: a qualquer momento, Hitler
podia avançar sobre a Península Ibérica. Fosse por isso, fosse por ser difícil
obter autorização de residência em Portugal, a maior parte dos refugiados tinha
como prioridade máxima a obtenção de vistos para outros continentes, de forma a
deixar entre eles e as forças do Reich, pelo menos um oceano de distância.
Recordemos
por fim que, não resistindo à contínua degradação do seu estado de
saúde e à situação de miséria decorrente das sanções impostas por Salazar, Aristides
de Sousa Mendes morre no dia 3 de abril de 1954, em Lisboa, no Hospital da
Ordem Terceira de S. Francisco, distante do que mais prezou em toda a sua vida:
a sua família.















No
nosso fim-de-semana tivemos também a oportunidade de efectuar uma visita guiada
ao Museu do Azeite em Oliveira do Hospital, que constituiu uma agradável
surpresa pela sua arquitetura - um edifício em forma de ramo de oliveira – e pelo seu conteúdo que através da
recriação de contextos históricos dá destaque às máquinas e processos criados
ao longo dos tempos pelos homens para a extração deste óleo vegetal precioso –
até sagrado – que, nas suas múltiplas utilizações, como sejam, a alimentação, a
iluminação, a medicina e a higiene, se tornou num dos produtos agrícolas mais
importantes de cada período histórico e do qual Portugal é ainda hoje o quarto
produtor a nível mundial.
Foi um filho da terra, António Dias, produtor de azeite desde
1986 que, em partilha com o arquiteto Vasco Teixeira, idealizou e concretizou
este excelente projecto. E foi no seu restaurante, denominado “Olea”, que fomos
brindados com um excelente almoço.
O almoço de domingo teve lugar em Cabanas de Viriato, não
muito longe da Casa do Passal, no restaurante “Piano”. De referir que aqui fomos brindados com a
visita do padre Carlos Alberto Ramos de Sousa, pároco de Cabanas de Viriato,
que num registo bem-humorado (bem condizente com o seu perímetro abdominal…)
veio saudar os “visitantes vindos de Lisboa”. Foi um momento de divertido
convívio, que encerrou condignamente este nosso fim-de-semana beirão.