sexta-feira, março 21, 2025

Para assinalar o dia mundial da poesia, um pequeno poema do nosso amigo Miguel Rego

Espera!

Há outro tempo

para lá dos muros sombrios
que engolem a manhã serena
e
há outros caminhos
onde as pedras gastas
não são apenas a calçada
e o medo do eco dos nossos passos.
 
Na esquina da tarde
acordam as vozes adormecidas
dos homens cansados da morte
e são elas a esperança dos versos esquecidos.

Miguel Rego

No Teatro da Trindade alertados para a noite que parece querer regressar ao país

 

Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena são os dois protagonistas de “Um país que é a noite”, espetáculo encenado por Martim Pedroso, a que assistimos no passado dia 20 de março, na Sala Estúdio do Teatro da Trindade.

A peça parte de um diálogo ficcional entre os dois poetas portugueses, horas antes de Jorge de Sena partir para o Brasil, dececionado com um país que censura os seus livros, e para fugir à perseguição da PIDE, que o acusa de ter participado no golpe da Sé, conspiração que pretendia derrubar o governo de então.

Estamos no verão de 1959 e Portugal vive em plena ditadura. Jorge de Sena (Rui Melo) encontra-se clandestinamente com a amiga Sophia de Mello Breyner Andresen (Maria João Falcão), para se despedirem, quando o encontro é interrompido por dois agentes da PIDE (João Sá Nogueira e Martim Pedroso), que procuram o poeta sem resultado.

Os dois amigos nunca mais se tornariam a ver, restando a correspondência trocada entre eles, que denuncia um país privado de liberdade, e que preenche a parte final da peça.

Nas palavras do seu encenador, Martim Pedroso, o espectáculo pretende alertar para o perigo de a liberdade poder estar em risco nos dias de hoje, e retrata um passado que pode voltar a ser presente:

…. É assumidamente um espectáculo que põe as pessoas a pensarem no momento presente, no aqui e no agora em Portugal, na Europa, na América, no mundo. Acabámos de assistir a um retrocesso ideológico com a reeleição do Trump, com a maioria do eleitorado na América. Vivenciámos, em direto, durante mais de um ano, o genocídio do povo palestiniano, a indiferença mundial por parte dos grandes grupos económicos e a consequente subjugação das grandes potências que dependem desses grupos. No ano passado, sentaram-se na nossa assembleia 50 deputados do partido da extrema-direita e, desde então, vivemos num circo de ódio e intolerância, que cresce a cada dia. Então, neste momento, parece que o mundo se reorganiza para um lado assustador que ameaça, cada vez mais, as nossas democracias, e há uma sensação clara de impotência relativamente a isso. Como artista antifascista, não consigo viver este momento da História e silenciar. (…) Acho fundamental não esquecermos o passado nem as palavras e as ideias revolucionárias que já foram pensadas antes de nós. É aí que eu sinto que tenho alguma utilidade neste métier.

Um país que é a noite” é o resultado de uma escrita colaborativa entre as escritoras Tatiana Salem Levy, Flávia Lins e Silva e o dramaturgo e encenador Martim Pedroso, e inclui excertos de poemas e de cartas de Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena.

Foi um excelente serão que nos fez pensar nos desafios que enfrentamos, nestes tempos difíceis que estamos a viver.




sábado, março 15, 2025

O Atrium no Museu Nacional de Etnologia desconstruindo os mitos do colonialismo português

Foi no passado dia 12 de março que rumámos ao Museu de Etnologia para uma visita guiada à exposição “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário”.

Fomos recebidos pela comissária da exposição, a historiadora Isabel Castro Henriques, que nos guiou numa muito interessante “viagem” pelos mitos e realidades do colonialismo português.

Organizada conjuntamente pelo Museu Nacional de Etnologia e o Centro de Estudos Sobre África e do Desenvolvimento do Instituto Superior de Economia e Gestão, a exposição foi realizada no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, e resulta das pesquisas desenvolvidas pela equipa de cerca de trinta investigadores, tendo igualmente contado com o contributo de muitas entidades, nacionais e estrangeiras, que cederam a documentação iconográfica apresentada nos painéis explicativos em torno dos quais se desenvolve a narrativa da exposição.

Concebida e coordenada pela historiadora Isabel Castro Henriques, visa apresentar as linhas de força do colonialismo português em África nos séculos XIX e XX, e tem como objetivos desconstruir os mitos criados pela ideologia colonial, descolonizar os imaginários portugueses e contribuir, de forma pedagógica e acessível, para uma renovação do conhecimento sobre a questão colonial portuguesa nas suas complexas dimensões, incluindo uma valorização da história dos povos colonizados.

 A narrativa da exposição é estruturada em dois eixos centrais. O primeiro eixo organiza-se em sete painéis temáticos, nos quais o texto e a imagem se articulam, pondo em evidência as características do colonialismo português, e dando a palavra ao conhecimento histórico. Os sete temas são: I – “Estamos em África há 500 anos”; II – “Missão civilizadora” e “Progresso”; III – “Vocação colonial” e “Missão histórica”; IV – “Os outros” (selvagens) e “Nós” (civilizados); V – A “África portuguesa”; VI – “A grandeza da nação” e a luta armada; VII – Descolonização, independências e legados do colonialismo.

O segundo eixo apresenta as obras de arte africanas, como evidências materiais do pensamento e da cultura africanas, evidenciando a complexidade organizativa dos sistemas sociais e culturais destas sociedades, permitindo mostrar a criatividade, a vitalidade, a sabedoria, a racionalidade, a diversidade identitária e as competências africanas e contribuindo para evidenciar e desconstruir a natureza falsificadora dos mitos coloniais portugueses. 

No final da “viagem”, enriquecida pela simpatia e pelo saber da nossa guia, esperava-nos um apontamento de um extraordinário valor simbólico, a caneta com que Melo Antunes assinou o Acordo de Alvor, realizado em janeiro de 1975, celebrado entre o governo português e os movimentos de libertação de Angola, consagrando o princípio da independência daquela colónia.

Era o desfazer do mito criado e alimentado pelo Estado Novo de “Portugal do Minho a Timor”, o ponto final do colonialismo português que muitos de nós, de uma maneira ou de outra, combatemos nos tempos difíceis da ditadura.
















terça-feira, fevereiro 18, 2025

Uma sessão com António Vitorino sobre Migrações em Portugal e na Europa

Foi na Casa dos Açores, no passado dia 11 de fevereiro, que o Atrium realizou uma actividade cujo tema era “Migrações em Portugal e na Europa”, e que contou com a presença de António Vitorino, actual presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo (CNMA), e até setembro de 2023, diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), a agência da ONU que é o principal organismo intergovernamental no campo da migração.

A sua longa experiência, a sua facilidade de comunicação e a sua simpatia, proporcionaram uma muito interessante e rica sessão sobre uma questão que, hoje em dia, ocupa um lugar importante na realidade política e social, em Portugal e também na generalidade dos países da Europa.

O facto de ter estado presente um jornalista da Lusa, fez com que a nossa actividade tivesse divulgação em diversos órgãos de comunicação.

Sem pretender ser exaustivos, o que seria difícil dada a riqueza da intervenção de António Vitorino, aqui ficam algumas ideias-força por ele apresentadas.

- O risco de haver tensões entre as comunidades imigrantes é elevado e, para evitar o aproveitamento desses problemas internos por políticos populistas, que fazem dos imigrantes o bode expiatório de todos os problemas do país, deverão as autoridades agir no sentido de impedir que essa tensão cresça.

- É falso que os imigrantes tirem postos de trabalho aos portugueses. Eles ocupam postos de trabalho que não desejados pelos nacionais. O exemplo da agricultura é claro: "Não há portugueses que queiram apanhar fruta em Odemira".

- Em regra, os estudos demonstram que os novos imigrantes colocam em causa os postos dos antigos imigrantes, porque estão disponíveis a trabalhar por valores salariais mais baixos e em piores condições.

- A recente entrada de milhares de imigrantes do subcontinente indiano trouxe o tema das migrações para a opinião pública nacional, mas António Vitorino recordou que existiram outros afluxos elevados no passado. Pode haver alguma dificuldade pois esta comunidade não enquadra na visão típica que os portugueses tinham dos imigrantes, por não conseguirem falar português e por serem muçulmanos. Por isso é importante a ação das Autoridades para as Condições de Trabalho (ACT).

- Imigrante ou não imigrante, a lei laboral é para cumprir, considerou, criticando o foco colocado por muitos políticos na luta contra a imigração irregular através do reforço das fronteiras.

- Sem contestar a importância do controlo das fronteiras, é imprescindível a consciência de que as redes de tráfico que operam transnacionalmente são as principais violadoras dos direitos dos imigrantes. O reforço das fronteiras não vai resolver tudo porque a maioria dos imigrantes irregulares entrou de modo legal, ultrapassando os prazos. Na realidade eles entram regularmente, mas foram permanecendo além do prazo legal. A acrescentar que essas pessoas em situação irregular, podem não ter autorização de residência, mas estão a descontar e são "contribuintes líquidos para o sistema de segurança social. É na ACT que as questões de ilegalidade têm de ser avaliadas.

- É falso que sejam os imigrantes os causadores do aumento dos preços das habitações nas cidades, mas antes os AL destinados aos turistas.

- A necessária integração dos emigrantes deveria passar pelos locais de residência, onde se criam relações de vizinhança, e aqui as autarquias locais têm um papel importantíssimo a desempenhar. Um outro ponto essencial nessa integração, são as escolas, porque permitem a ligação às famílias e são as crianças que sabem português os maiores aliados nessa integração e na maior participação das mães no processo educativo.

- Para perceber a importância do fenómeno das migrações no nosso país, e com base nos dados do Banco de Portugal, refira-se que as remessas dos emigrantes portugueses passaram de 3.707,7 milhões, em 2021, para 3.892,2 em 2022, o que mostra uma subida de 4,98% e representa o valor mais alto em termos de remessas enviadas pelos trabalhadores portugueses no estrangeiro. O seu valor líquido chega a ser igual ao dos fundos europeus que, anualmente, são transferidos para o nosso país.

Em jeito de conclusão, poderemos afirmar que foi uma sessão extremamente rica, sobre uma questão que está na ordem do dia, e que foi valorizada pela vasta experiência do nosso convidado.

Uma última referência à valiosa colaboração da Casa dos Açores, que mais uma vez cedeu as suas instalações para uma actividade do Atrium.









quinta-feira, fevereiro 13, 2025

No Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, apreciando as nossas Impressões Digitais

O Atrium foi no passado dia 7 de fevereiro até ao MNAC do Chiado apreciar a exposição Impressões Digitais. Coleção MNAC, que é constituída por obras fundadoras da historiografia da arte portuguesa contemporânea, de 1850 até à atualidade.

Guiados pela Dr.ª Hilda Frias tivemos a oportunidade de fazer um percurso através de 170 anos de história neste legado, tão identitário como as nossas impressões digitais, que integra obras da coleção, do retrato à paisagem, passando pela abstração e por várias outras linhas de experimentação artística, como pintura, desenho, fotografia, gravura, escultura, instalação e vídeo.

A exposição tem curadoria de Ana Guimarães, Emília Ferreira, Maria de Aires Silveira e Tiago Beirão Veiga, e inclui também obras da colecção Millennium bcp e novas incorporações de artistas contemporâneos, algumas adquiridas, outras integradas no acervo do Museu do Chiado através de doações ou legados.

Citando a curadora e directora do Museu, Emília Ferreira, "A relação que se estabelece entre estes trabalhos, articulando linguagens e épocas, é assumida como um modo de criar interferências".

A chuva que nos esperava à saída, não foi suficiente para arrefecer o agrado pela visita, enriquecido pela simpatia e pelos conhecimentos da nossa guia.
















domingo, janeiro 19, 2025

No Teatro Thalia embalados pelos Sons Ibero-Americanos

 

Numa iniciativa da Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), realizou-se no passado dia 17 de janeiro um concerto com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, dirigida pelo maestro Andrés Salado. E o Atrium esteve presente.

Algumas palavras sobre a OEI, organismo intergovernamental que conta com 23 Estados-Membros, e cujo lema é “Fazemos a cooperação acontecer”. Fundado em 1949 está em Portugal desde 2018, sendo o único organismo ibero-americano com representação em território português, tendo já desenvolvido aqui cerca de 70 projectos e actividades.

O financiamento da OEI é baseado nas cotas obrigatórias e contribuições voluntárias dos governos dos Estados-Membros, bem como no financiamento de projectos específicos por parte de instituições, fundações e outros organismos interessados na melhoria da qualidade da educação e o desenvolvimento científico e cultural da Ibero-América.

O concerto contou com obras de quatro compositores.

- “Quatro peças para Orquestra” do açoriano Francisco de Lacerda (1869-1934) natural da Ribeira Seca, Ilha de S. Miguel.

- “Sinfonia de Abril” de João Guilherme Ripper autor brasileiro (n. 1959), obra composta para as comemorações do Cinquentenário do 25 de abril, por encomenda do governo brasileiro.

- “Tangazo” do argentino Astor Piazzolla (1921-1992), obra que num estilo inconfundível mistura características do tango, do jazz e da música clássica.

- “Sinfonia em Ré Menor” de Juan Crisóstomo de Arriaga (1806-1826) músico basco que desapareceu precocemente aos 20 anos, tendo ficado conhecido como o “Mozart Basco”.

Foi uma noite excelente de boa música no bonito cenário do Teatro Thalia.




domingo, dezembro 22, 2024

Um almoço de Natal no Centro Cultural de Cabo Verde

Foi no passado dia 14 de dezembro que o Atrium organizou um almoço de Natal no CCCV, no qual não faltaram as prendas para o “Amigo Secreto”, a boa cachupa, um momento de música cabo-verdiana, com a participação da Carla Correia, e a habitual boa disposição.
Algumas palavras para recordar que este centro cultural foi inaugurado no dia 6 de julho de 2019, por ocasião da celebração dos 44 anos da independência de cabo Verde, e que é o primeiro centro cultural que o Estado de Cabo Verde abre na Europa.
Para além de um espaço gastronómico que celebra a gastronomia cabo-verdiana, o CCCV constitui um lugar que pretende vivenciar a cultura daquele país nas suas várias vertentes, através de diversos eventos como exposições de artes plásticas, apresentações musicais e literárias, palestras e encontros de convívio.
Foi uma celebração natalícia bem vivida, para mais tarde recordar.




terça-feira, dezembro 17, 2024

No Museu de Lisboa uma viagem no tempo, do paleolítico até ao final do século XX

 

O ponto de encontro foi numa manhã soalheira do dia 5 de dezembro, na entrada do Palácio Pimenta, o antigo palácio de veraneio e antigo Museu da Cidade, hoje a sede dos cinco núcleos do novo Museu de Lisboa (os outros quatro são o Teatro Romano, Santo António, Torreão Poente e Casa dos Bicos).

Refira-se que em resultado de uma reabilitação, iniciada em 2015, este edifício ganhou nova vida e, com a reabertura do andar de cima, o espaço museológico foi reorganizado e enriquecido. No início do percurso, após uma visualização pormenorizada da maquete de Lisboa, já nossa conhecida de outras andanças, pudemos apreciar a belíssima escadaria, que estava há três anos longe do olhar dos visitantes, com os seus azulejos azuis e brancos, que datam da segunda metade do século XVIII, período em que o palácio foi erigido.

A visita guiada ofereceu-nos uma viagem no tempo, que começa com os primeiros achados arqueológicos do paleolítico e termina nos finais do século XX. Ela conduziu-nos por 11 salas e, mais do que uma visita meramente contemplativa centrada no valor artístico das peças expostas, convocou-nos para temas pouco abordados, como o papel de Lisboa no fenómeno global da escravatura, mostrando como esta transformou a paisagem humana da cidade, e também para a Inquisição, triste instituição que percorre mais de três séculos da história da cidade.

Destacamos também a sala dedicada ao terramoto de 1755, onde além das imagens e factos já muito conhecidos, apreciámos as gravuras que correram pela Europa na época – exemplificativas do grau de destruição –, e também o famoso plano de reconstrução da Baixa, bem como o conjunto das seis propostas então apresentadas.

Os cem anos mais recentes da história da cidade são a grande novidade, e aqui é dado destaque à Primeira República como momento fundador do Portugal atual, e onde é apresentada a expansão urbanística da cidade, lembrando a construção de estruturas como a ponte sobre o Tejo, o aeroporto e a rede de metro e também o Parque das Nações, criado para a Expo98.

Foi uma enriquecedora viagem pelo tempo, que nos permitiu recordar, através de obras como maquetas, gravuras, pinturas, fotografias, mobiliário, cerâmica e azulejos, alguns dos momentos marcantes da transformação desta nossa Lisboa que habitamos, uma das capitais mais antigas da Europa.